O JARDIM DAS CEREJEIRAS
O JARDIM DAS CEREJEIRAS
AS RELAÇÕES de poder entre as classes num ambiente de transformação social. A realidade havia mudado desde que Andrêievna Liuba, voltou à Rússia, depois de ter estado por cinco anos em Paris. Ela chegou à terra natal na época em que as cerejeiras estavam floridas. A realidade social está por demais mudada. A aristocracia à qual ela pertencia está agonizando, cheia de dívidas. Mas as cerejeiras continuam frondosas.
A SOCIEDADE russa de “elite” no começo do século XX está a ceder lugar para as classes populares. Os antigos funcionários, trabalhadores subordinados domésticos e lacaios, estão a se enriquecer no comércio, na iniciativa privada. Liuba é o modelo flagrante dessa aristocracia falimentar, que não mais se imagina “dona da cocada preta”.
O MUJIQUE ignorante agora comerciante no mercado lojista., afronta a antiga aristocracia cheia de poder político e dinheiro, faz a apologia do próprio trabalho. A aristocrata falida demora a perceber que os tempos são outros. Ela tenta manter, inutilmente o antigo status. Ela continua gastando o dinheiro que não mais tem condições de gastar. A frequência a restaurantes caros e a promoção de bailes, os quais não tem condições de pagar as bandas de música de animação.
OS SERVIDORES subordinados e lacaios dessa fidalguia antiga, agora sem recursos, os janotas do patriarcado ancião, têm de conviver com os novos ricos, seus ex-servos, os que não continuam atrelados à subserviência à qual sempre foram acostumados. Eles não mais são os servidores submissos dessas famílias. Também eles têm dificuldade de adaptação aos novos tempos que se apresentam em circunstâncias sociais diferentes.
ELES, EX-SERVOS, se sentem desorientados, sem saber como se adaptar a esses novos tempos: capitalismo, mercantilismo, industrialismo, argentarismo. A camponesa, auxiliar doméstica, precisa encontrar uma forma de trabalhar à qual não mais tenha de se subordinar aos quefazeres de uma empregada doméstica à moda de antigamente. O estudante bonachão, faceiro, simplório, com ideias supostamente progressistas, agora deve terminar a faculdade, e não apenas frequentá-la sem interesses em terminar o curso no qual estava apenas fazendo hora.
OS ANTIGOS proprietários de fazendas, latifundiários, com suas casas muito amplas e seus jardins de cerejeiras, se endividaram e estavam atrás de empréstimos que cobrissem as despesas com a antiga e não mais possível, boa-vida. Eles imploram aos banqueiros e agiotas, para os quais não podem atrasar seus pagamentos devido aos juros exorbitantes. Eles são forçados pelas novas circunstâncias sociais, a vender suas propriedades. E os belos jardins de cerejeiras em flor, estarão apenas em suas memórias de um saudosismo esnobe, pedante, pretencioso.
O DRMATURGO Tchekhov usou “O Jardim das Cerejeiras” enquanto metáfora dramática e estética do refúgio nostálgico da decadência de uma classe social. O contexto histórico não favorece a abordagem de uma composição, ou contextura literária, tipo comédia. A abrupta transformação de uma sociedade agrária em sociedade industrializada, não favorece a psicologia dramatizada das personagens que estão mais para uma desconstrução trágica de suas vidas.
OS CRÍTICOS, comentaristas de teatro e o próprio autor, costumam defini-la como sendo uma comédia em quatro atos. Eu, humildemente, discordo. A família de proprietários talvez não esteja vendo que são personagens produtos de uma decadência social que os faz subprodutos da história. História que os modifica sensorialmente. Eles resistem em vender a propriedade, devido às memórias de valor afetivo e estético que os faz mergulhar em dias de proximidade com a beleza natural e o odor das cerejeiras.
UM JARDIM de Cerejeiras cria uma experiência olfativa magnética, aliciante, envolvente. É de fragrância singular, sui-generis. Seu aroma entrega uma sensação de romantismo e suavidade presente apenas numa feminina e afetuosa materialidade. Uma cerejeira pode variar entre quatro e dez metros. Seu troco raiado, com tonalidade entre o marrom e o cinzento, cria nuances serenas e sublimes. Ao mesmo tempo que sugere beleza e lembranças nostálgicas, identifica-se com a transitoriedade e a efemeridade da vida.
STANILAVSKY dirigiu sua primeira encenação insistindo ser ela uma tragédia. A dualidade de interpretação entre autor e o primeiro diretor da peça, encenada pela primeira vez em 17 de janeiro de 1904, pelo Teatro de Arte de Moscou, Tchekhov , em oposição a Stanilavsky, classificava-a como comédia, com inserções dramatizadas de uma farsa. Evidente que tal oposição não influiu em nada na beleza da encenação que, ainda hoje serve de base para encenações de uma dramaticidade comovente.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 20/02/2025