BAMBA NO PÉ

Minha amada não tem talento para nada
Se vai fritar um ovo se queima na gordura
Ao pedalar a bicicleta cai logo de lado
Quando vai ao cinema dorme na sessão
Parece um peixe sem rumo no aquário
Em busca, quem sabe, do Anjo da Guarda
Passa-me a impressão de que busca, busca
Mas não acha o que procura. Se adormece
Parece ter pesadelos. Eu me pergunto:
“Por que gosto dela com todo esse zelo”???
Será porque ela possui uma corcundinha
Talvez seja porque ela fica invisível
Quando em sua angelical lucidez
Abre a porta do quarto depois de pular
Três vezes para o alto, ela diz, feliz
Que "já fiz meus exercícios Pilates
Estou pronta para encarar um novo dia"
E queimar o arroz e o feijão nas panelas
De pressão. A gordura de coco a pingar
Das mãos. Ela é mesmo cheia de graça
Sentada frente ao computador da sala
Ela cantarola uma canção do Chico
Que fala das peripécias de um samba
Que vai virar o jogo, remediar o dia
Fazer o coração pegar fogo, cair no mar
Lavar a alma, num banho de sal grosso
Ela acha que vai sair do fundo do poço
Ficar de boa, ficar grávida, fazer um filho
Entrar na roda da Gamboa, cair no mundo
Das mutretas, fazer da  noite um sexo
Porreta, e a mente quieta, a espinha ereta
E o coração tranquilo. Agora mesmo
Lá está ela a dizer: “cresce coluna, encaixa
Ombro. Umbigo pra dentro, inspira
Expirar corretamente de ponta cabeça”
E repete: “se o cometa cair hoje, não vai
Não vai me pegar desprevenida. Amanhã
Tem samba na avenida e eu vou sim,
Ora se vou, renovar as energias até
Até o sol raiar”. Eu só posso dizer:
Inspira, querida, expira, não para,
Não pira. Só não digo para ela pegar
Um skate porque cairia sim, de peito
Na primeira manobra. Viva, querida
A alegria do samba no aqui e agora.
Mal posso acreditar que tenha eu
Merecido o privilégio de te amar.