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GUERNICA LARBIRINTO — DECIO/PICASSO (2023/1937)
GUERNICA LARBIRINTO — DECIO/PICASSO (2023/1937)

NINGUÉM NASCE HOMEM, torna-se homem. Simone de Beauvoir em seu livro O Segundo Sexo escreveu: “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Neste livro Simone desafia as mulheres a contestar a soberania do macho. Mas talvez ela estivesse a ignorar que essa propalada soberania nunca existiu. Desde os tempos perdidos do Paraíso Perdido, Eva, em conluio com a Serpente, enganou Adão e contribuiu, ela, para que fossem expulsos do lugar em que viviam. Onde está a soberania do homem, desde os tempos do Gênese??? O homem Homo sapiens nasceu para ser enganado???

A VERDADE É QUE TODOS parecem não querer encarar: as mulheres foram sodomizadas desde sempre. Eva não tinha condições de formar juízos sobre si mesma e a criação. Para conseguir compreender o mundo em que estava, para o qual fora criada, fêmea paradigma da espécie primata Homo sapiens, ela precisava viver e conviver com seus pares, fazer parte da cultura da criação. E seu par era a Serpente e nunca unicamente Adão. E Adão era, tudo indica nos textos ditos sagrados, um bobão. Um mentecapto gigante, um gigante mentecapto nascido para ser pai de uma descendência imensa de ludibriados. Adão: um gigante de carne com cabeça de Abaporu.

AS CRIANÇAS NÃO ERAM respeitadas na Grécia antiga, nem nas escolas romanas. Não eram respeitadas desde sempre. Exceto a filharada das “elites”. Do século XIV ao XVII, o Renascimento se expandiu nos países europeus, motivado nos valores da Antiguidade Clássica. Dele surgiu a Idade Moderna: as artes, a cultura e a ciência. Essas conquistas históricas não chegaram a ser disseminadas, nem tampouco assimiladas pela sociedade industrializada na Inglaterra do século XVIII. Sua “elite” de prediletos e favoritos, nunca se ocupou em educar as classes da sociedade trabalhadora a ela subordinadas. Pelo contrário. Ainda hoje, neste momento histórico em que vivemos, as “elites” tiram proveito da ignorância e da falta de autoconhecimento dessas classes.

AS CONQUISTAS DA Renascença ainda agora, hoje, estão muito distantes de chegar às massas mumificadas por uma educação rústica, que nem de longe privilegia a moralidade, a gnose, o conhecimento. Ao contrário: a selvageria de intenções, a violência, as armas, as drogas, a prostituição, os vícios (“use e abuse com moderação”), a corrida desenfreada pela posse de bens de consumo, criou a cultura da propaganda e da publicidade do vale-tudo pela posse do Red Magic Seven. Samsung Galaxy S22 Ultra, Apple iPhone Pro Max, Asus Zenfone 8 com Android, Motorola Edge 30 Ultra...  

AMBIÇÃO, COBIÇA, egoísmo excesso de individualismo. As conquistas do Iluminismo não chegam às escolas públicas nem aos colégios particulares. Quando chegam a esses, é apenas parte de um currículo meramente passadiço, fugaz, efêmero, teórico, sem sustentação de conhecimento e prática, a médio e a longo prazos. O contato diário com a realidade do consumismo narcísico, dilui qualquer possibilidade de retenção de paradigmas da moral, do saber, do autoconhecimento pertinente à um plano social de mudanças estruturais na educação, na saúde, na economia, na política.

HÁ UMA LENDA ou narrativa que afirma ter iniciado a civilização a partir do “tabu do incesto”. Ou seja: proibição de relações sexuais entre membros de uma mesma família, indivíduos consanguíneos. Podemos, devido às evidências em contrário, afirmar, sem medo de errar, que vivemos numa sociedade descivilizada. A lei e a cultura da proibição (não falo de censura) só existem no papel. Veja-se os crimes do troglodita e ex-presidente da República, Bozo Mussolini: seus muitos crimes de responsabilidade, entre muitos outros, continuam sem punição. Um candidato a ditador instrumentaliza representantes das instituições para obedecê-lo. Não às leis e à Constituição. E 58 milhões de eleitores votaram nele. Uma parte considerável de membros do exército, aderiu a esse maluco com vezo totalitário. Querendo a qualquer custo se tornar um ditador.

AS NOÇÕES CIENTÍFICAS não fazem parte do repertório cultural dos políticos, exceto quando as consideram em próprio favor. Não faziam parte do repertório familiar de Paizão Coisinha e de sua mulher, ambos saídos de uma educação escolar e de uma realidade dissente, do tempo das cavernas de há dez, vinte, trinta mil anos atrás. A sociedade atual vive paradigmas comportamentais próprios do período da Pré-História, Paleolítico, que se iniciou a 2,5 milhões de anos.

NA CABEÇA DAQUELA ginasiana que mal havia aprendido a ler, quase que iletrada, ignara, deseducada e bronca, ela poderia, a partir de sua vontade, dirigir a vida dos filhos que paria, indiscriminadamente, para brincar com eles de casinha, num contexto familiar destrutivo emanado de sua educação, cujo objetivo era deformar, desde o berço, seus educandos, com práticas regulares de distorção da personalidade ao molde de uma orientação para a prostituição, a submissão à hierarquia, civil ou militar, de burrocratas. Para esse casal, assim como para milhões de outros semelhantes, essa era a educação para a inclusão e a socialização de crianças, jovens e adultos numa cultura paleolítica no século XX/XXI.

HAVIA CHEGADO O dia dela e do marido viajarem para o almejado Rio de Janeiro. Paizão havia cursado uma faculdade de odontologia, mas se dizia contrariado. Na realidade de suas aspirações, queria mesmo era ter cursado medicina. Mas, segundo ele, a mãe o havia impedido. Minha avó paterna era uma velhinha de estatura quase que anã, gordinha e totalmente perdida em ruminações de uma memória caduca e enviesada. Era uma velhinha gagá, contrafeita, torta, parecia perdida em memórias que só ela mesma poderia saber ruminar. Como aquela mulher poderia ter-lhe impedido de algo??? Do que quer que fosse???

MEU AVÔ PATERNO tinha a aparência de um homem passivamente assombrado, intimidado por fantasmas do passado. Nele se sobressaía um cacoete: punha na ponta da língua pequenas porções de algodão, e ficava como que mascando (se é que se pode mascar algodão). Era muito magro, tudo o que ambos conseguiram na vida estava naquele apartamento ou “apertamento” de um quarto, sala e cozinha minúsculos, na rua doutor Satamini (Satã Mini), n° 20, apartamento 101, no bairro da Tijuca.

QUANDO MORRERAM o apartamento foi vendido e o dinheirinho da venda distribuído entre os filhos. Estes, não consideraram a situação de penúria familiar de Paizão, mesmo estando eles, suas famílias, em situações de privilégio social financeiro e econômico. A mim me causava certa estranheza o nome da rua do apartamento deles: dr. Satã mini. Uma menção a Paizão Coisinha??? Uma menção à minha educação para ser um outro Joaquín Guzmán ou Pablo Escobar???

SEUS FAMILIARES NÂO tinham olhos para ver, nem ouvidos para ouvir. Seus sentidos estavam todos embotados pela supremacia narcísica de uma situação social materialmente superior. Mãezona talvez esperasse que essas irmãs de Paizão, casadas com maridos que se deram bem na vida, pudessem se compadecer da situação de penúria em que ela tinha jogado os filhos. Esperava solidariedade entre parentes serpentes???

CERTA VEZ, AO preencher um documento escolar, escrevi o nome dela com um dos sobrenomes de Paizão. Ela ficou muito, muito aborrecida, como se eu tivesse cometido contra ela um grande agravo:

— “Nunca mais escreva o sobrenome de seu pai junto com meu nome. Deus me livre de ter pertencido a essa família dele. Não há ninguém nela que tenha minha simpatia. São um bando de gente ordinária, uns mais, outros menos. Até parte com o cão eles têm. Um parente de teu pai...”. E aí começou a contar algumas estórias escabrosas de feitos da família do marido dela. Narrativas de arrepiar.

NO ENTANTO, NA FRENTE da mulher do tio Hercínico, ou de uma das irmãs do marido, Mãezona era toda amistosa. Conversavam horas trocando as mais diversas figurinhas sobre a vida pregressa de pessoas do mútuo conhecimento. Quando mantive contato próximo, ao ser hóspede da casa da tia de nome Gracinha, em Niterói, ela falou a mesma coisa da mulher de Paizão Coisinha: que a família dela não simpatizava com Mãezona, quando namorada dele, por saberem que tinham afinidades com armações do capeta. A mesma coisa dizia dele a mulher que havia casado com Paizão.

NA REAL, AS FAMÍLIAS de Paizão e Mãezona mais pareciam uma reprodução da Guernica, pintura de Picasso, que retratava a devastação do país Basco pelas forças nazistas do ditador espanhol Franco.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 20/02/2023
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