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GOLCONDA — MAGRITTE (1953)
GOLCONDA — MAGRITTE (1953)

LEGIÕES DE ÍNCUBOS tentavam inutilmente em meu cérebro se instalar. Apropriarem-se dele. Quem sabe envolver-me em suas tramas de adamar minha masculinidade para caber na proximidade efeminada delas. Elas, as mulheres que odiavam os homens, ou a possibilidade de crianças e jovens que nasceram e permaneceram no sexo masculino, viessem a manter a sexualidade original. Não conseguiam. Não conseguiram. Mas elas nunca desistem de magnetizar o Inconsciente Pessoal de seus parentes masculinos, no sentido de alfenar seus corpos e mentes.

ELAS, AS QUE NASCERAM supostamente fêmeas, mas não conseguem afirmar a própria sexualidade. Precisam de companhia inteligente. São extremamente carentes de tudo e todas as coisas sensatas. Não é apenas o sexo que elas não conseguem afirmar. É também a compreensão de suas contradições, de suas vidas áridas e intempéries emocionais e mentais. Elas, as que representam o personagem andrógino e desesperado de “O Grito” do pintor norueguês Edvard Munch. A profunda angústia e desespero dessas “mulheres”: elas desejam superar, sem nunca conseguir, a obscuridade de suas libidos.

MÃEZONA ERA PARADIGMA desse tipo de desespero. Ela e “Dulce It, A Coisa”, principalmente. Um sem-número de mulheres com quem convivi na intimidade, nas quais vi crescer uma carência mórbida por companhia que lhes permitisse apresentar-se e a seus grupos familiar e social, como se fossem fêmeas, quando a feminilidade nelas praticamente inexistia. Ou existia de forma precária. Essas “mulheres” vivem e viverão de aparência feminil. Elas e seus namorados, amantes (se conseguirem) e seus futuros esposos e filhos. A Constituição de uma família a partir das aparências de masculinidade e feminilidade, não se confirmam na realidade da jornada existencial diária.

A FALTA DE DEFINIÇÃO de uma sexualidade que Munch tão magistralmente retratou, faz parte da existência de homens e mulheres, tal como a couraça de uma tartaruga não pode ser ignorada nela e nele. A condição de mal relacionamento entre uma mãe que não consegue empatia com um filho que ela não pode dobrar às suas exigências de querer vê-lo desmunhecar a qualquer preço, simplesmente porque não compreende que um menino pode crescer menino, se tornar um jovem mancebo e um homem. Por quê??? Porque nunca viu um homem em sua família, ou na família do marido, crescer sem ter relações de sexualidade ambígua e de sensualidade sodomita.

TALVEZ A IMENSA ONDA tsunami que arrebatou a sexualidade de meio mundo para a condição de lascívia, libertinagem e luxúria, cantada por Bob Dylan, que se espalhou como uma se fosse um vírus de uma peste gay muito mais mortal e assertiva que o Covid-19, ainda não foi assimilada pela ciência e pelas artes de modo mais esclarecedor: “a estrada é pra você/E o jogo é a indecência/Junte tudo que você conseguiu/Por coincidência...”. Eu me senti várias vezes como se fosse o namorado que já vai saindo fora levando os cobertores... E Agora??? O casamento e a instituição família não podem superar a condição de extrema tensão, medo e ansiedade de pessoas mergulhadas num estado emocional de mútua e contraditória percepção de seu descontrole neural, clínico. Emocional. Essas pessoas são sujeitas a surtos psicóticos com frequência.

DEPRESSÃO, ANSIEDADE, PÂNICO, transtornos psicológicos, sintomas acentuados de esgotamento físico e mental extenuantes. Crises de ansiedade, pensamentos negativos, insônia, dores de cabeça, inquietação, sensação de sufocamento, dores no peito e na coluna, batimentos cardíacos sem controle... Neuroses, psicoses: pânico. O querer libertar-se desses sintomas, muitas vezes provenientes de uma sexualidade indefinida, provoca a premonição de um feeling que vivencia a aflitiva sensação incômoda de uma perturbação que não vai ter fim. A superação dessa condição emocional-existencial, constitui a base piramidal da existência, consciência e inconsciência humana.

MEUS TIOS POR parte dela, a quem eu deveria chamar mãe, tio Nenê e a tia Acássia, eram mostra de que nem tudo estava perdido ao meu redor. Nem todos polarizavam contra minha tentativa de existência fora desse determinismo insano da espécie Homo sapiens.  Eles pareciam saber que eu estava devida a pobreza de recursos do casal, e a quantidade de filhos à qual todos os anos se somava mais um, sempre pressionado à aceitação do mínimo necessário à minha educação. Minha sexualidade era também prejudicada. Como eu poderia desenvolver namoros, numa sociedade onde as gatinhas eram” educadas” para a entrega de suas virgindades a namorados filhinhos de papai desmunhecados ou não???

EU NÃO PARAVA de reclamar a falta de recursos para minhas necessidades de crescimento. Enquanto eles, a quem eu deveria considerar pai e mãe, não paravam de me saturar de inumeráveis tentativas de idiotização. Os espancamentos eram constantes e visavam fazer com que eu me subordinasse, de uma vez por todas, a todas as suas inumeráveis incongruências. Faziam questão de me mostrar todos os dias que eu estava sobrando nos planos deles de “educar” o restante dos filhos com recursos roubados de minha educação.

INSISTIAM SEMPRE QUE eu tinha obrigação de me sacrificar por eles. Que qualquer migalha que jogassem sobre mim significava tirar o pão da boca dos demais. Era como se jogassem sobre mim a responsabilidade de alimentar seus demais filhos que eram deles, não meus. Não paravam de me acumular da responsabilidade de suprir as necessidades básicas deles, como se eu fosse o responsável por tê-los feito nascer.

EM VERDADE EU não passava de um menino que era visto e usado por minhas parentelas próximas, irmãos e irmãs, para as quais eu deveria ser submisso e me sacrificar por eles, demais filhos e filhas deles, como dizia sempre aquela mulher autoritária a quem eu deveria chamar de mãe: “você deve ter orgulho de se sacrificar por seus irmãos menores”. A loucura dela eu deveria aceitar calado, porque senão, haja tapas na boca e ameaças de “vou dizer a seu pai que você está me faltando com o respeito”. Isso significava espancamentos: murros, tapas, surras de cinturão ou corda: e o que mais estivesse à mão do demônio Paizão. Mãezona buscava, por todos os meios, me fazer permanecer magérrimo, pequeno, um boneco por eles descartável: um polichinelo, manequim que não poderia reagir às agressões intermitentes do marido dela.  

EU DEVERIA CONSIDERAR irmãos e irmãs aquelas criaturas que me cercavam de interesses que não eram meus. Inventavam malfeitos que não eram meus. Criavam uma realidade que permitisse a Paizão Coisinha me hostilizar mental e fisicamente. Impedindo meu desenvolvimento. Realidade que dava à Mãezona motivações de me acusar de malfeitorias que justificassem minha falta de recursos, tirados de mim, de minha educação, para dá às demais deformidades da grande família: alimentação, vestimenta, e investimentos em educação que me faltavam.

PAIZÃO COISINHA NÃO poderia, de jeito nenhum, continuar fazendo o pinto subir depois de um dia estafante de trabalho árduo no consultório de dentista, pegado ao quarto dele e dela, sua mulher e mãe de seus filhos e filhas.  Dormir ele mal conseguia devido a excitação emocional causada pelas drogas que cheirava. Sua sexualidade era dia a dia mais carente e castrada pela sobrecarga de trabalho no consultório dentário. Ter mais um filho ou filha todos os anos, após um período de nove meses, era para aquela mulher, a quem eu deveria chamar de mãe, uma rotina sob a qual ela pretendia esconder sua falta de tino e a esterilidade mental que lhe permitia desenvolver uma crueldade sem precedentes. Uma crueldade que certamente vinha de milhares de encarnações anteriores das quais ela se orgulhava. O inferno existencial era sua normalidade. Há séculos.

A VERDADE É QUE, APESAR dos esforços dela em bater gemadas de madrugada, não surtiam mais nenhum efeito na sexualidade extenuada do marido que ela conseguira castrar: física, moral e mentalmente. Os filhos, sem pai nem mãe de Mãezona e Paizão, eram pintos de galinheiro que dela, a grande galinha mãe, a grande e promíscua carpideira de reclamações e acusações ao marido. “Mar ido” que não mais podia desdobrar-se em trabalho escravo para ela posar de mulher necessária à criação e educação dos filhos, segundo os padrões, que, segunda, ela, tinha sido educada. O pinto de Paizão nunca mais piou de galo. Mas a galinha Mãezona se tornava um modelo de atenções aos familiares.

ELA, COM CERTEZA, É A Mãezona de toda aquela chuva de homens idênticos usando chapéus cocos, vestidos de modelos escuros de vestimentas, padronizados pela cultura do consumo. Flutuando que nem balões, estacionados no ar antes de chegarem à Terra. Provenientes de um céu parcialmente nublado, habitantes de prédios com telhados vermelhos sobre os quais choviam, como se gotas de uma tempestade interminável de pessoal de empresas, gerentes de instituições, projetistas de políticas estabelecidas para supervisionar os trabalhos de outras multidões de seres tempestuosos, trabalhadores rotineiros, certamente provenientes das nuvens. Com projetos seguramente de orçamentos secretos, para uma governança nada democrática.

(P.S: TEXTO DO LIVRO  "ONDE A LUZ DA LUA ME VÊ BRINCAR").
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 09/02/2023
Alterado em 12/02/2023
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