ANTHROPOPHAGY (CANNIBALISM) — TARCILA DO AMARAL (1929)
ANTHROPOPHAGY (CANNIBALISM) — TARCILA DO AMARAL (1929)
O PLANETA Terra está vivenciando o estertor da própria espécie. A sociedade do cyberespaço é a realidade na “Nova Era” que outra vez se reinicia. Desde o início dos tempos a “Nova Era” . Os movimentos estéticos libertários da virada do século XIX para o XX, só agora, na virada do século XX para o século XXI está a mostrar seus efeitos. O horizonte fugidio do Tempo tornou-se fixo. Somos o resultado de experiências híbridas entre espécies. Você vai aguentar a pressão PSI que poderá abrir uma janela mental para a compreensão de quem és??? Você vai abandonar o narcisismo do “espelho, espelho meu” para, finalmente, ter uma ilustração real, uma alegoria de quem és???
MÃEZONA NÃO tinha princípios. Reforçava-se no reflexo ligeiro do espelho buscando uma mentira que justificasse seu estar no mundo. Era como se a tivessem posto no mundo, ela não soubesse para quê??? Por isso se deslumbrou porque descobriu ser capaz de parir. Especializou-se nisso. O desenvolvimento da sensação de seu estar no mundo começava ou recomeçava toda vez que ela paria. Começava então a brincar com a criança até que chegava no limite de descartá-la enquanto brinquedo. Quando a criança crescia, terminava seu interesse nela, seu divertimento. Entrava então num processo de “retrogênese”. A criança ficava à mercê de uma psicomotricidade materna:
ELA TINHA pleno poder para impedir o processo de maturação do corpo e de suas aquisições cognitivas. Ela não teve, em seu processo de imaturidade infantil, uma orientação que a fizesse saber que o desenvolvimento da afetividade está associado ao desenvolvimento do intelecto. Deste, ela desconhecia tudo. A habilidade de coordenar a consciência corporal e a consciência cognitiva, dela não fazia parte. Ela simplesmente ignorava, propositalmente, que as interações cognitivas, sensório motoras e sociais dos filhos, precisavam de incentivo materno. Esse incentivo nela era uma impossibilidade.
PARA ELA me ver crescer era uma ameaça. Eu tinha atributos cognitivos que ela reprimia fanaticamente. Um exemplo eram minhas estorinhas escritas que ela nunca valorizava minimamente. Ela investia em meu retrocesso de desenvolvimento. A inteligência para ela era uma ameaça. Ela reprimia mesmo. A todo vapor, intensamente. Eu obtinha a promoção de meu intelecto e imaginação, via as HQs. As histórias em quadrinho que me proporcionavam um lucro que, em suas mãos, se esvaía. Esvaindo-se também minha educação futura. Desde que ela não queria que acontecesse.
UMA MOSTRA de como ela zombava e esculhambava a criança ainda em seu ventre, ficou evidente quando, ao caminhar em direção à beira do rio, num sábado, por volta das 15 horas, ao lado da Zélia, jovem que estava hóspede de um quarto da casa, eu a ouvia como que querendo extirpar de dentro de sua barriga o feto em desenvolvimento. Nessa ocasião ela tinha por pretexto ir em busca dos filhos que estavam em companhia de Paizão na coroa de areia do rio Paranaíba. Ela olhava a barriga crescida enquanto dizia:
— “Pudesse, eu tirava essa coisa de dentro de mim e jogava no lixo. Para que eu engravidei mais uma vez desse miserável (Paizão)”??? Dizia ela. — Paizão Coisinha não me levara para banhar no rio porque sabia que eu contaria para ela, ao voltar para casa, as coisas que eu haveria de testemunhar: o namoro dele com a amante de nome Tieta, os papos, as intimidades, as conversas de bebum. Afinal, eu era como que um olheiro dela. Uma criança usada e abusada por seus caprichos. Usava-me para obter, processar e trabalhar as informações que eu transmitiria para ela. Eu, seu principal informante.
A PULSÃO sempre traía a mulher a quem eu chamava mãe. A Zélia a reprovava dizendo:
— “Não fale assim de seu filho. O mais velho (eu) está ouvindo você dizer essas coisas do irmão dele que ainda nem nasceu...”. — O filho mais novo ainda nem nascera, ela, irada, já o forçava a ficar de joelhos. Estava em período final de gestação. Sabe-se que a partir do 5° mês o bebê começa a ouvir e processar sons de baixa frequência, refinando a sensibilidade aos sons ao avançar da gestação. O sistema nervoso amadurece a partir da 24ª semana. No sexto mês os olhos estão desenvolvidos e olham em todas as direções.
O FETO possui vida emocional. É extremamente sensível. Através do ultrassom sabe-se que os bebês interagem com o mundo externo. Estímulos químicos da gestante transmitem ao feto o estado emocional da mãe. Pode sentir dor, prazer, tristeza, bem-estar, alegria, angústia e outros estados emocionais da mãe. Seus neurotransmissores atravessam a barreira placentária em estímulos, por vezes nocivos, quando frequentes. A vida que ela passava para o filho ainda no ventre, era a narração maternal mais confiável.
QUEM, FUTURAMENTE, poderia secar suas lágrimas??? O choro da criança em busca de amor no berço da escuridão de uma noite sem lua. Não havia amor nela para ser doado. Mesmo se houvesse, ela não sabia como fazer que ele se sentisse amado. Poderia esse filho, seus outros filhos, amá-la??? Após toda essa memória de rejeição??? O Coisinha Júnior nem nascera, ela já estava a abandoná-lo. Mãezona era uma divindade má. Uma potestade familiar empoderada.
COMO SERIA o “Dia Seguinte” dessa prole, metáfora antropofágica de uma pedra rolando na ribanceira da caverna primitiva, gerida por essa troglodita toda poderosa???
(P.S: ESTE TEXTO PERTENCE AO ROMANCE MULTIESTILOS "ONDE A LUZ DA LUA VEM BRINCAR").
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 07/12/2022
Alterado em 08/12/2022