“A TRAIÇÃO DAS IMAGENS” OU: “OS AMANTES” — MAGRITTE (1928)
“A TRAIÇÃO DAS IMAGENS” OU:
“OS AMANTES” — MAGRITTE (1928)
TODOS OS seres, dito humanos, pertencem à mesma espécie Homo sapiens. A cultura e a civilização sapiens, o modo americano de vida latina ceifou, com a foice da vergonha, da submissão, do vexame, da desonra existencial, as melhores possibilidades de desenvolver a educação e a cultura nacional. Criou no país o inferno da impossibilidade. Os filhos e filhas dessa civilização e cultura não passam de robôs biológicos em busca de uma tábua de salvação.
OS EUROPEUS não invadiram o Brasil apenas com Cabral. Eles invadiram o país com a aura europeia da suposta superioridade de criminosos convocados no século XVI, para suprir a falta de marujos nas atividades de navegação nas caravelas: os navios tumbeiros. Do primeiro embarque de africanos, em 1525, ao último oficialmente registrado, 1866, segundo o autor de “Escravidão”, Laurentino Gomes, morreram no trajeto 1,8 milhão de negros no tráfico de escravos, vítimas de doenças, depressão (banzo), abusos, cárcere, castigos e violência indiscriminada. Nos anais oficiais o Brasil tinha abolido o tráfico em 1850. Uma abolição “para inglês ver”.
OS CAMPOS de morte nazistas tiveram nos navios negreiros/tumbeiros, assim como na Inquisição, suas fontes de inspiração. O odor de excrementos, doenças, suor e morte dessas embarcações, afastava delas outros navios que consideravam essa atividade incompatível com as noções, até então vigentes, de respeito à humanidade dos povos, também os escravizados. Alguma influência do humanismo da Renascença ainda estava a viger.
A TRIPULAÇÃO de trinta nautas lidava com a possibilidade de motim de centenas de afrodescendentes cativos. A pestilência e o futum do medo grassavam entre os servidores da chusma tripulação. A ideia de que o Brasil era habitação de supremacistas a dominar uma imensa população de indivíduos inferiores, uma população tipo sub-raça, afirmava-se cada vez mais enquanto evidência histórica.
NADA NO BRASIL foi, é ou será o que parece ser. Nem no Brasil nem no resto do Mundo Cão. A colonização dos nativos por padres, freis, freiras e demais religiosos, políticos e nobres passageiros da realeza portuguesa das Caravelas de Cabral, era de uma brutalidade só comparável aos futuros regimes do nazifascismo europeu vigentes nos dois primeiros quarteis do século XX na Rússia e demais países europeus ocupados pela Wehrmacht de Hitler.
NA DÉCADA de setenta no século passado, houve um movimento de Estrada no Brasil, um movimento de “hippies” não tão ripongas como aqueles “hippies” do filme “Hollywood” de Tarantino. As conversas e diálogos de Estrada, nos acampamentos improvisados na areia das praias, não eram tão ineficazes ou desprovidos de sentido direcionado à uma ação de costumes sem compromisso de caráter pessoal. Havia sim, a consciência pulsante e falante de que nos sentíamos filhos de uma família constituída a partir de um embalo de sábado à noite.
HAVIA UMA certa constância nos papos a admitir a realidade de que a família da qual tinham se ausentado, não poucos jovens, era, na real, uma somatória de misérias de toda natureza: moral, intelectual, filosófica, econômica, financeira e social. A sociedade estava estruturada para mentir sempre e de modo fluente, devotado e maníaco com relação a qualquer membro subordinado à educação “para inglês ver”, aos discursos políticos de palanque, à uma respeitabilidade apenas de fachada. Na realidade, não poucos desses jovens admitiam ser provenientes de uma descendência que ainda não havia se distanciado dos procedimentos, usos e costumes das cavernas.
A CORRERIA em direção ao consumismo, às singularidades dos costumes disponíveis, às tendências e estilos de vida em oferta no Todo Poderoso Chefão, o Senhor Mercado, não tinha por escopo dotar aqueles jovens fugitivos de suas malocas familiares, de seus clubes, larbirintos, botequins e baiucas em oferta na sociedade, de costumes culturais civilizados, de uma cultura que não fosse a da usura do ter. Muito pelo contrário. Era um vale-tudo para conseguir emprego, lugar numa faculdade. E a prostituição era ecumênica, pública, generalizada e irrestrita. Vivíamos a patogênese da indecência.
PARA MANTER a frequência na faculdade, a juventude dissente mergulhava em convescotes de fins de semana que incluíam rock, prostituição, drogas. Não poucos jovens estavam “perdidos na noite” nos acampamentos distantes de seus lares. Se alguém não topasse envolvimento com prostituição e drogas era acusado de ser:
— “Cu doce”.
— “Careta”.
— “Está fazendo charminho”.
— “Pessoa luxenta”.
— “Intrujão”.
— “Escamoso”.
— “Mascarado”.
— “Visagem”.
— “Quadrado”.
EM QUALQUER contexto ambiental, alguém que desejava preservar-se de toda essa orgia de costumes alternativos numa sociedade mesquinha, sórdida, obscena, desprezível, ordinária, dedicada ao fanatismo da improvisação por sobrevida, a atividade mais promissora nesta sociedade era a de garoto ou garota de programa. Exatamente como na letra da canção de Dylan cantada pela Janis Joplin tropicalista, Gal Costa:
— “A Estrada é pra você/E o jogo é a indecência...”.
(P.S: ESTE TEXTO PERTENCE AO ROMANCE MULTIESTILOS "ONDE A LUZ DA LUA VEM BRINCAR").
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 25/11/2022
Alterado em 03/12/2022