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OS FUZILAMENTOS DE 3 DE MAIO DE 1808 — GOYA
OS FUZILAMENTOS DE 3 DE MAIO DE 1808 — GOYA

A MOÇADA das décadas de sessenta/setenta, que estava nas ruas, praças, avenidas e praias das cidades litorâneas e urbanizadas, estava tão perdida como seus pais e antecedentes estavam. Mas estava bem mais sozinha e desamparada. As velhas gerações tinham seus parentes com quem contar. Podiam apoiar-se em suas memórias caducas, nas parentelas de uma cultura que não se encontrava na fronteira de mundos completamente diferentes em seus paradigmas. Aceitavam tudo. O espírito crítico os desabitara.

A GERAÇÃO de estrada dos anos sessenta/setenta estava a sobreviver no interior do Horizonte de eventos nas bordas do Buraco Negro do Futuro. De um futuro que deseja romper implacavelmente com os padrões, arquétipos e referências do passado. A juventude queria o impossível. Primeiramente afastar-se daquelas naturezas mortas a quem chamavam pais. Aquelas frutas e legumes nas bandejas da sala e da cozinha. O ferro-velho no lixão ancestral. Nas ruas praças e avenidas das cidades, a ditadura armada matava impunemente. As forças de repressão fuzilavam aqueles membros idealistas das organizações que se diziam ser terroristas na luta por liberdade de expressão.

QUANDO OUVI Janis Joplin cantar “C´mon God, and by me a Mercedes Benz” (Oh Lord, Won´t You By Me A Mercedes Benz” (Oh Senhor, Você Não Vai Me Comprar Um Mercedes Benz???) baseada na letra original do poeta beat Michel MccLure, eu estava a vivenciar o auge de minhas contradições: trabalhava no departamento de criação de uma de maiores agências de publicidade e propaganda do Rio de Janeiro. O Anuário de Propaganda me registrou enquanto “auxiliar do departamento de criação”, ignorando que meu dedão estava em quase todas as campanhas da agência.

MAS, MEU cabelão ouriçado, meu desprezo incondicional pela aparência comportada do pessoal do departamento de contatos e do próprio departamento de criação, não me permitia senão ser olhado com desconfiança pelos olheiros do presidente da agência atuando em seus departamentos. Eu solucionava boa parte dos problemas do setor de criação, mas fazia questão de mostrar meu desprezo pela colonização do país pelos interesses canibais de Wall Street.

AS AGÊNCIAS de PP&RP criavam riquezas amontoando-as em grupos de privilégios. Enquanto a miséria campeava nas ruas, nos lares, nos bares, nas praias. Não apenas a miséria material. E as polícias armadas da ditadura farejavam em todos os cantos, a possibilidade de acusar alguém de ser comunista. No coração e mentes dos jovens na Estrada, não havia nada dessa cultura dos barões armados da ditadura, que garantisse uma mudança de paradigmas numa sociedade entregue à sede insaciável de ter. Ter. Ter. A palavra “novo” era uma espécie de chamamento e remédio para todos os males. A palavra novo era a panaceia do momento. Tudo era novo, inclusive a maneira de encarar o ferro-velho das gerações passadas.

TODOS NA Agência ignoravam-se mutuamente, exceto pelos interesses corporativos que uniam a todos. Mas a agência vivia como se fosse um time de futebol, tentando equilibrar as hostilidades entre membros do departamento que tinham excelentes salários, e os demais funcionários que consideravam uma ameaça a seus postos privilegiados de salários. Oh Senhor, não há socorro possível para mim, nessa conjuração de interesses dos que apenas querem comprar um apartamento na praia e um Mercedes Benz??? Não tão blue como o da Janis!!! Nem tão legal como o da Janis Joplin nacional: Gol Costa.

JANIS JOPLIN havia incluído, a título de gracejo, o chiste, na gravação de seu álbum no Estúdio Sunset Sound, pouco antes de sua morte: “vou cantar uma música de grande importância social e política”. Gracejando ou não, ela estava afirmando uma verdade incontestável sobre pessoas que acreditam mesmo em que, ao comprar um apartamento num bairro chique e um carro do ano, isso as faz melhores que as demais.

NESSA ÉPOCA eu estava a ocupar um apartamento próximo à praia do Arpoador. Ocupação essa com o aval de um proprietário que se engraçou pelo músico Daniel, amigo do cantor de blues brasileiros, o Belchior, que habitava num apartamento próximo ao Largo do Machado. A proximidade entre duplas de jovens nada tinha a ver com homossexualidade: era uma garantia de apoio à sobrevivência precária.

NA MORADIA próxima à praia do Arpoador, não faltavam garotas, “perdidas na noite” da zona sul do Rio de Janeiro. Em troca de um abrigo, elas, novinhas e bonitinhas, abriam suas perninhas enquanto ficavam na expectativa de ser abrigadas por uma cafetina ou cafetão, e passassem a ocupar o expediente de programas num lupanar apartamento frequentado por políticos que pagavam uma grana por programas de sacanagem com garotas menores de idade que precisavam se manter vivas às custas desses programas.  A prostituição masculina de garotos de programa entre jovens "perdidos na noite", também era arregimentada nos lupanares dos apartamentos da zona sul. Sobrevivência vale-tudo.

NUMA MANHÃ, eis que chegam agentes da repressão alegando ser da polícia federal, dizendo que receberam denúncias de que no ap. funcionava uma célula terrorista do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) que participava da luta armada contra a ditadura militar. Eu era acusado de pertencer a esse grupo por ter frequentado o ambiente universitário (UFF) na década de sessenta, em Niterói e fazer discursos antirrevolucionários. Eles apelidavam de “revolução” o golpe militar.

FOMOS LEVADOS ao QG do DOI-CODI na Lapa. No primeiro dia, haja porrada: socos na cara, provocações verbais, cotoveladas no tórax. Eu tinha de confessar que era terrorista porque em meu saco de roupas e livros acharam textos sobre o marxismo: o conflito de classes enquanto paradigma vetorial da mudança social e econômica da sociedade capitalista. O consumismo pelo consumismo, as mercadorias enquanto valor máximo e principal do trabalho pelo trabalho e do capital a explorar a mais-valia dos salários.

A LUTA DE CLASSES enquanto instrumento da mudança de um agrupamento ideológico por outro. A mesma coisa da posse pela posse do poder por ambas as facções. O poder da esquerda e o da direita corrompem do mesmo jeito. O poder corrompe, e o poder absoluto que ambos querem, corrompe absolutamente. Ambos os lados são semelhantes em tudo, principalmente no que parecem divergir. A Revolução para estabelecer os direitos dos trabalhadores à uma participação no bolo da riqueza social, gerada pelo movimento da natureza de suas ficções. Cada facção simula o discurso mau caráter de que visa o bem-estar dos eleitores, quanto tudo o que querem é levar vantagem. Governo é concentração de dinheiro.

LIBERDADE PESSOAL e autodeterminação dos povos são lorotas, drogas verbais, enunciados articulados que entram na mente ingênua das pessoas que não podem raciocinar em proveito próprio, porque não têm formação intelectual mínima que lhes permita saber que o Tempo em que são enganados pelos poderosos, com vômitos orgásticos de palanque discursivo, é o mesmo Tempo em que seus filhos são jogados aos porcos como se fossem ração para a engorda dos barões do Centrão da corrupção. Quem é direita, quem é esquerda??? Ambos os lados são a mesmo coisa ruim.

NÃO HÁ branco nem preto. Não há esquerda nem direita. Inexistem forças que se hostilizam no promover a República democrática. Os poderes complementares aos interesses republicanos. O poder Legislativo do Senado é o cavalo do Pau do Pai de Santo, dos Bodes e Cabritos do Planalto.

BOZO MOSTROU ao país como dobrar os joelhos do Senado e fazer 99% dos senadores ficarem, literalmente, de quatro: um único senador, José Serra, votou em favor da Carta Constituição. A Proposta de Emenda à Constituição que ampliava benefícios sociais vis-à-vis com o dia próximo às eleições, abortou sumariamente o estado de emergência. Um poder não se harmonizou com outro: canibalizou-o. E o presidente da Câmara, o Garoto propaganda do Bozo com sua camisetinha escrita Bozonaro. Nenhum poder vai fazer nada para afirmar a República Democrática do Brasil??? Bozo já está preso???

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 29/10/2022
Alterado em 22/11/2022
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