A MOÇADA DA PERCEPÇÃO BLUE (REVELA AÇÕES) — LXIX—
ÁTROPOS/LAS PARCAS (69)
MEU CORAÇÃO, minha mente infantil não abandonou a memória desse pantanal familiar cheio de truques, traumas e de crimes que nunca serão apurados, investigados e punidos. Todos os adultos contemporâneos da família de Paizão Coisinha e de sua mulher mandona, Mãezona, são igualmente culpados por pertencerem à mesma realidade do campo de concentração Theresienstadt, em Teresina, capital do Piauí. Todos os vizinhos e políticos, religiosos, simulação de intelectuais, professores... Toda a população da capital do Estado parecia-me controlada pelas “Moiras”, as filhas da noite, divindades mórbidas que controlam o destino dos mortais e definiam a vida humana. Desumana.
TODOS, HOJE, fazem parte de uma cidade mergulhada no pântano das drogas, da pobreza, da prostituição, da miséria de mentalidade familiar, política, social, econômica sob o comando, comunicação e controle dos barões das drogas residentes no Palácio de Karnak, nos edifícios da beira do rio Poti, nas câmaras de vereadores e deputados, nas prefeituras e em suas periferias municipais empanturradas da miséria humana mais miserável, dedicada a se reproduzir nas camas onde parteiras particulares e médicos de maternidades trazem mais crianças para fazer parte desse belo quadro coletivo, urbano, protocolar, cerimonial, gregário, chulo, banal, vulgar, barato, pueril, medíocre, trivial, conhecido e consagrado pelos costumes, os mais maquiavélicos. E sádicos.
CRIANÇAA TERÃO, por toda a vida de carregar o baú do entretenimento baixaria do “tio” Silvio e da produção Vai Que Cola da Globo. Adultos com mentalidade de bambinos governados pela máfia dos Bolsonaros. Um país entregue às famílias de baratas kafkianas. As memórias dos demônios da vida íntima desses pirralhos, eles terão de levar a mala pesada de seus complexos e traumas que nenhum psicólogo ou psiquiatra haverão de minimizar, e muito menos de curar-lhes as feridas das almas dilaceradas por uma cultura de fardos e consequências as mais dolorosas.
PORQUE A MEMÓRIA dói. Não adianta dissimular com boas escolas, bons salários, cursos e faculdades universitários. Não adianta mil medalhas nos uniformes militares. De nada vale a colação de grau sabendo-se que toda a formação professoral e docente não passa de orientação mental ordinária para um mundo inexistente. Para um mundo dominado pelo Inconsciente Coletivo Universal de uma educação televisiva de pantanal.
TODA ESSA realidade repetitiva de afazeres domésticos para multidões domesticados pela simulação de civilização, educação e cultura. A sociedade em todas as suas instâncias, subjugada pela militância implacável de segredos e sociedades secretas de liquidificador. A recuperação de informações traumáticas aferidas pelas referências dos memorandos biográficos perdidos na cultura burocrática de secretarias da cultura, as mais desprovidas de um mínimo de intenção de educar e criar pessoas que não sejam extensões da máquina governamental de triturar a criatividade, a dignidade, as possibilidades de crescimento e conhecimento próprio e dos que lhes cercam de Bigbrother.
COMO ESSES adultos dessas novas gerações, novas apenas na função programática da idade cronológica, poderão iniciar uma nova educação que não seja proveniente de suas entranhas apodrecidas pela influência de seus ancestrais sodomitas. Onde estão os caminhos do Sol, numa sociedade iluminada pelas promessas de futuras trevas???
LÁ ESTAVA ela, Dulce It, “A Coisa”, a passar a mão em meus ombros e dizendo estar tudo bem:
— “Ela gosta de você”.
“A COISA” FALAVA” mesmo comigo??? Ela que sempre me ignorou completamente. Ela e a sua Mãezona dona de seu olhar fixo, psicótico, como quem deseja fazer acontecer algo maldoso, lesivo, nefasto, e não consegue esconder sua enorme ansiedade para que esse algo aconteça. Ela era influenciada pela prima sapatão, a Teresona. Havia também feito um curso, dito superior, de magistério. Que poderia ela aprender ou ensinar???
ESTAVA EU vendo um programa de Tv na sala. Estranhei que logo depois chegou Mãezona dizendo-me:
— Ela é boa no fazer trabalhos manuais. Eu me perguntei, já antecipando do que aquelas atitudes inusuais estavam querendo dizer. Aquelas pessoas, Dulce It e Mãezona nunca se interessaram por minha literatura, por uma conversa amigável, uma troca de ideias, um diálogo. Que estavam a tramar no momento??? Por que essas delicadezas repentinas???
LOGO ATINEI com a coisa toda. Estavam querendo me aproximar de uma das três filhas de Dulce It. Aquela a quem eu chamava, de mim para comigo, a Cabeludinha. Porque tinha as pernas cabeludas, essa coisa repetitiva e autoexplicativa. Nunca nenhuma delas me perguntou se eu simpatizava com ela para ter um namoro. Mesmo porque a diferença de idade não favorecia à uma aproximação de intimidade.
ERA ASSIM que agiam: iam infiltrando-se aos poucos na convivência da sala de estar onde eu via episódios da série “Lost” na Tv. Eu não sou de rejeitar um rabo de saia. Mas aquele rabinho de saia não me interessava nem um pouco. Filha de Dulce It e neta de Mãezona, o pai com um pé no crime organizado, amigo do militar PM que havia se comovido, a ponto de ficar com olhos cheios de lágrima, ao ver adentrar na sala da Cia. de Guarda do Palácio de Governo o mal afamado coronel Correia Lima. Em que arapuca sem saída eu estaria me inserindo se aceitasse a aproximação.
NÃO QUE A Cabeludinha não fosse bonitinha. Pelo contrário. Mas, somando-se todos os indícios do que estava a ocorrer nos bastidores familiares, com o coronel Fulano, que não parava de me chamar de “Baixinho” (El Chapo) nome do notório traficante mexicano, somados à uma série de insinuações, com Paizão Coisinha, Mãezona, Coisinha Júnior, o marido de outra irmã minha me abrindo as portas de sua casa para altas sessões de “cafungação” de coca, insinuando que eu deveria também negociar participação, não sabia, nem quis saber no quê, exatamente. Mas ele dizia:
— ““Já negociei com todos na tua família só falta você. A “Maritaca”, nome fictício da mulher dele, outra de minhas irmãs, essa já está sob controle””.
O QUE EU poderia fazer numa situação dessa, senão simular que não estava a compreender nada??? Talvez os sinais que eu emiti quando em minha juventude fumava marijuana, participava do movimento “hippie”, e tive minha fase de viciado em coca, em companhia de pessoas que faziam viagens de LSD. Eu vivi toda essa mixórdia existencial, em parte porque era o que a realidade dos jovens que saíam de suas famílias para a Estrada, por não terem outra melhor opção de vida, faziam. Eu estava no embalo de uma situação que a sociedade alternativa me induzia a seguir.
PAIZÃO COISINHA não podia me financiar um curso pré-vestibular no Rio de Janeiro. Mãezona, quando eu dizia que precisava de uma mesada mínima para estudar, vinha sempre com a mesma lenga-lenga:
— Meu filho, seu pai não têm condições. Seu irmão Sicrano tal está precisando de dinheiro, o Beltrano precisa de uma mesada, a irmã Beltrana, seu pai está comprando um apartamento para ela, dividindo com a prima Teresona, as prestações... Era como se ela estivesse me dizendo também nas entrelinhas:
— “Caia na gandaia, na vadiagem, na boemia. Aqui não tem nada pra você. Nunca teve. Será que você ainda não percebeu isto”???
A SEQUÊNCIA vocês, caros leitores, já sabem: eu vivia de empregos temporários. Freelance em agências de publicidade, improvisações nas ruas de Ipanema, traficando pequenas quantidades de marijuana e drogas que de improviso aparecessem para comercialização. O ponto principal das transações: Miguel Lemos, Djalma Ulrich, Xavier da Silveira, pontos próximos ao calçadão de Copacabana, com variação de locais, conforme as incursões policiais. Domingos Ferreira, Leopoldo Migues, Posto Seis.
A EXPLORAÇÃO da necessidade de consumo de drogas por viciados filhos da pequena burguesia da zona sul do Rio de Janeiro. No final das contas eu tinha de pagar as minhas contas de sobrevivência. Com a família não podia contar. De há muito seus membros me hostilizavam pelo simples fato de ter nascido e estar a permanecer vivo. Eles me queriam morto, para que minha presença não perturbasse suas consciências pesadas por serem obrigados a me hostilizar. Todos me tinham em conta do “Bode Expiatório da Família". Eu não me conformava com isso. Aceitava essa condição degradante apenas aparentemente. Mas a revolta contra essa condição estava sempre em riste.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 16/09/2022
Alterado em 22/10/2022