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HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PSICity) ROTEIRO DE CINEMA (3ª REDAÇÃO) 17
210. EXT./INT. DO SPA. SALA. MESA DO CONTROLE INTERNO DE MONITORES. PORTA DE ENTRADA — DIA

  CHICO CÉSAR
(o operador interno de monitores está perplexo. Mostra-se aterrorizado ao vê a face rejuvenescida de ADRIANE TAUIL. Ele se mostra confuso e atabalhoado. Horrorizado, ele não crê no que está presenciando)

  CHICO CESAR
     (muito nervoso, mal consegue articular as palavras)

QaaaquQuêequiéisso? Deseejamjam? Quequitá acontecendo?

CHICO CÉSAR
(encostando os olhos no monitor como se a atestar se é mesmo verdade o que vê)

Aquele maldito baseado! Mama África! Mas que coisa é essa? Essa travessa é muito novinha! Essa mulher não pode existir. Tô no delírio da erva. — Olhando outra vez estupefato para ADRIANE TAUIL, ele exclama: —Tá totalmente fora dos conformes.

ADRIANE TAUIL
(compreende o estresse do operador de vídeofone)

“Take it easy”. Meu nome é ADRIANE, ADRIANE TAUIL este é o senhor PERIMURICÁ, Xamã do Xingu. Queremos visitar o SPA. Ficar um período como hóspedes. Podemos entrar? Se não for incômodo!

CHICO CESAR
   (gaguejando nervosamente)

AAndridriAdridriDRIaneTautataTauil...Então é isso. Elalalá dada equipipi Ostrowsky... Isso é queququê é progresso em geririatria...Cêcêcerto!!...Dra. Adridriaane... Então é isso... Um mememento... Momento, por favor!

(Ouve-se o ruído das linguetas metálicas do trinco da porta de entrada que começa a abrir).


211. INT. DO SPA. CORREDOR DE ENTRADA E SALA DE ESPERA — NOITE

(ADRIANE TAUIL e PERIMURICÁ são conduzidos por uma atendente enfermeira do SPA. Ela os recebeu com uma saudação em voz alta levantando o braço direito esticado para frente: “Fervet Opus”).

Acompanhando a enfermeira passam por uma grande sala de prática de exercícios. Nela se veem compridas bandeiras vermelhas com a inscrição em preto na vertical da mesma: “Fervet Opus”.

(Algumas pessoas alojadas em poltronas estilo Luís XV olhavam outras que faziam exercícios aeróbicos, ginástica para queimar calorias).

          1° CLIENTE DO SPA
(levanta-se apressadamente encosta o rosto no vidro que separa a sala de exercícios do corredor)

De qual SPA essa mulher deve ter vindo? Fantástico! É simplesmente fantástico!!

       2ª CLIENTE DO SPA
   (cara de muito admirada)

Eu também quero saber. Inacreditável a qualidade dessa pele.

       3° CLIENTE DO SPA
                  (apoiando a mão direita no espesso vidro)

Bar-ba-ri-da-de! Puta que os pariu! Agora sei que existe mesmo evolução em pesquisa geriátrica.

4° CLIENTE
       (aproximando-se da parede de vidro com cara de espanto)

Isso sim é que é progresso em geriatria. Cáspite! É muito irada!

5ª CLIENTE
(olhando TAUIL afastar-se)

E dizem que este é o melhor SPA do Brasil...

3° CLIENTE
(ainda superlativamente admirado, olha TAUIL sumir pelo corredor)

A Romênia possui mesmo os melhores “SPAS” do planeta. Bendito conde Drácula!


212. INT. DO SPA. SALA DE ESPERA CONTÍGUA AO JARDIM DE VERÃO — DIA

          ENFERMEIRA GUIA
           (faz gesto em direção às poltronas em estilo Luiz XV)

Por favor, sentem-se e esperem um pouco.

PERIMURICÁ
(chegando-se a um patamar circular de mármore sobre o qual estão alguns termos de chá. Ele fica matutando como servir-se).

“Que coisa essa!?” Ele pensa. “Só tem pinça. Ninguém tira põe chá de termo com pinça. Não pode. Não segura!”.


PERIMURICÁ
(curioso e indagativo ele observa pequenas vasilhas contendo líquidos de diversas cores, e exclama)

Que raio de trambique é esse? Esse lugar só pode ser do mal. Estou com sede e não posso beber. As etiquetas nos termos indicam: 19%, 20% e 21% de plasma antígeno. Ele olha para os lados ainda na busca, inútil, de algum copinho descartável ou canudo.


213. INT. DO SPA. SALA DE ESTAR/JARDIM DE VERÃO — DIA

(TAUIL está a lê um artigo da revista científica do SPA intitulado “Perenidade: A Realidade Do Sonho” — Dr. KLEIN ZADILETT. Enquanto ADRIANE lê o artigo, PERIMURICÁ continua concentrado numa possível solução do quebra-cabeça dos termos sem copos ou canudos ao alcance das mãos).

PERIMURICÁ olha de soslaio TAUIL lendo o artigo. Os olhos movimentam-se outra vez em direção aos termos de chá. Como uma criança grande e traquina, pega um dos termos e aperta o botão da saliência superior. O mecanismo interno suspende uma pequena coluna em meio a qual há um espaço vazio que logo depois é ocupado por uma pequena bolota envolta numa membrana transparente. Dentro do qual há um líquido âmbar. A bolinha está aquecida.

(ELE olha TAUIL de soslaio. Ela permanece concentrada na leitura do artigo. TAUIL tenta concentrar-se na leitura. Quando olha PERI, este disfarça, como quem não está fazendo nada demais).

      PERI
                           (fora do campo de visão de TAUIL)

(Ele joga a bolinha de uma para outra mão. De quando em vez sopra a bolinha no ar. Já agora a lança no interior da boca. As bochechas se enchem de ar. A bocarra permanece fechada. PERI parece sufocar. Os olhos se enchem de lágrimas. Ele se concentra enquanto as lágrimas escorrem pelas faces rubras. De repente abre a boca num rompante e dela sai um jato de fumaça soprado para fora).

(O rosto do ÍNDIO é de sofrimento. O corpo hirto, a visão contemplativa. Os olhos pasmos e fixos lacrimejam. Os cabelos eriçados. Ele aspira o ar e transpira pela boca, abrindo e afunilando os lábios para fora. A cena é simplesmente cômica. De quando em vez PERI abre a bocarra a expelir o excesso de vapor quente também pelas narinas).


214. INT. DO SPA. SALA DE ESTAR ADENTRADA PELO JARDIM DE VERÃO — DIA

ADRIANE TAUIL
                (a inquietação de PERIMURICÁ atrai sua atenção)

Que está acontecendo PERI?

PERIMURICÁ
   (controlando-se, os olhos ainda lacrimejam)

Chá ruim! Muito quente! Fazendo uma careta ele repete: Muito quente... Demais!

PERIMURICÁ
    (mostrando-se incômodo e envergonhado)

Por que meti a mão nessa cumbuca? Ele cospe com força o invólucro para o lado, quase a engasgar. Na carranca vermelha contraída, pequenas quantidades de liquens escorrem das fossas nasais. PERI ajeita-se na poltrona, os olhos ainda cheios de lacrimação. O índio enche as bochechas de ar soprando pela boca pequenas quantidades de vapor que saem também pelas fossas nasais.

ADRIANE TAUIL
(examinando atentamente a situação)

PERI, nunca vi você desse jeito. Você está intranquilo.

PERIMURICÁ
     (aponta o dedão em direção à garrafa térmica)

Não tente beber daquele chá. — O nativo tenta se recuperar arfando, de vez em quando, o ar pela boca entreaberta. Começa então a puxar da boca metros de finíssimo fio de cores alternadas. Com a ponta da língua ele encontrou a ponta presa do fio a um dente. E com os dedos indicadores e polegares da mão esquerda e da mão direita ele, alternadamente tenta puxar o último pedaço de fio que nunca chega ao fim. A situação é cômica e embaraçosa.

ADRIANE TAUIL
(levando a mão ao queixo interrogativamente)

Aquilo é um medicamento, PERI, eu não teria feito isso! — A situação para eles é muito tensa. E TAUIL, por isso mesmo, não percebe a veia cômica da mesma. Ela volta a lê o artigo. Olha outra vez para PERIMURICÁ que, finalmente, parece ter se livrado do último pedaço do fio da bolinha de chá.

(Adriana aproveita a passagem de uma enfermeira e pede um copo de água gelada para ele. Em seguida continua a leitura que lhe parece muito interessante).


215. EXT./INT. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA NO PARQUE DO IBIRAPUERA. SÃO PAULO — DIA

(ROSSI LEE é atingido brutalmente por uma pancada na cabeça desferida com um pedaço de cano. Do grupo de quatro idosos conhecidos por “hot-dogs” um deles diz):

1° “HOT-DOG”
(vendo o sangue escorrer do ferimento na cabeça de ROSSI LEE)

Ele não morreu. Vamos matá-lo logo!

  2° “HOT-DOG”
   (olhando para ROSSI LEE desmaiado, sangrando)

Maldito “pig”. Veja a cara dele. É um rapaz? —Eles levantam suas armas para bater no JORNALISTA. Um deles berra, impedindo o massacre.

1° “HOT-DOG”
              (a expressão de surpresa e pasmo)

Esperem! Os malditos! Vocês não estão vendo? A aparência dele. Parece muito rejuvenescido. Ele é humano?

  2° “HOT-DOG”
(admirando-se)

Caramba! Como pode estar acontecendo isso? É umaa ilusão de ótica?

   3° “HOT-DOG”
       (sustendo no ar o golpe com a barra de ferro)

Impressionante! É algum maldito extraterrestre?

   1° “HOT-DOG”
           (baixando ao chão um taco de baseball)

Credo! Parece um adolescente. A geriatria deles está mesmo bombada.

    4° “HOT-DOG”
(exclama em alta voz e perplexidade)

Como os canalhas estão conseguindo esse resultado? Esse cara está rejuvenescendo ao invés de envelhecer. Isso é surpreendente! Demais!

     3° “HOT-DOG”
   (levando a mão espalmada à boca)

Já via esse filme antes! Benjamin Button!

     2° “HOT-DOG”
              (mostrando grande estranhamento)

Mas ele não é mesmo um rapazinho??

    1° “HOT-DOG”
(acalmando as expectativas de violência)

Isso é muito estranho! Vamos ter de levá-lo para o grupo decidir o que fazer!

(Os “hots” improvisam uma maca na qual carregam ROSSI LEE)

4° “HOT-DOG”
        (espantado, comenta)

Os malditos “pigs” estão mesmo fazendo progressos.


216. INT. DO SALÃO DE JOGOS. SALA IMPROVISADA DENTRO DO ESPAÇO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PARQUE DO IBIRAPUERA — DIA

(Os idosos amarram ROSSI LEE num globo mapa-mundi enorme, sobre o qual jogam um tipo de “war-game”. O grupo está admirado com a aparência rejuvenescida do JORNALISTA. Sua aparência jovial provoca neles o exacerbo de sentimentos de revolta contra a política de rejuvenescimento praticada nos “spas”).

      1ª SENHORA
  (chegando-se  muito próxima ao rosto de ROSSE LEE)

Danação! Poderia ser meu bisneto.

           BIAL
(um senhor próximo a ela, provocou)

Se você tivesse um, BELLA, mas não teve filho. Dona Amblose não deixou.

MÁRCIO KUBRUSLY
       (mostrando grande admiração)

Ele está envelhecendo às avessas! Ou é um trabalho de bruxaria desses “SPAs”.

          ANOLANDA
                   (costura a testa de ROSSI LEE)

Cara eles acertaram você de jeito. Catorze pontos! Não há de ser nada. Os medicamentos são multiterapêuticos. Logo você vai estar novinho de novo.

       TÊTÊDOPÊLO
  (uma senhora de aparência alienada)

Por que não deixam ele sangrar até morrer? O cara é um “pig-spa”. Pela aparência deve ter chips implantados no lugar de órgãos internos. — Há muito sadomasoquismo entre os grupos de “hot-dogs” versus “pig-spas”. ROSSE LEE acredita que dificilmente sairá vivo do meio deles.


217. INT. DO SALÃO DE JOGOS. SALA IMPROVISADA DENTRO DO ESPAÇO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PARQUE DO IBIRAPUERA — DIA/NOITE

(Os braços amarrados em cruz sobre o globo luminoso, os olhos de ROSSI LEE abrem-se temerosos do que poderá fazer com ele o “hot-dog” PADILHA que se aproxima com um bisturi eletrônico).

       PADILHA
(com ares de cirurgião compassivo)

Vou abrir um talho em seu abdome, filho. Você entende! Precisamos saber que tipos de coisas puseram em você no lugar do fígado. Ou se seu fígado está plugado a um circuito MicroBioChips Transponder.

     ROSSI LEE
    (vendo a situação ficar preta)

Por favor, não faça isso, replica. Expedição Norton! Lembram? Expedição Norton!

     FELIPÃO
      (com expressão doutoral)

Se você não é um deles, como explica sua aparência? Desafia. Você só pode ser do time contrário. Você veste a camisa dos “pig-spas”, do contrário, como teria essa aparência adolescente?

                 ROSSI LEE
      (resistindo às acusações)

Não sei do que estão falando! Hot-dog para mim é salsicha dentro de pão com mostarda e ketchup.

(A aflição extrema com que foi dita a frase do JORNALISTA provocou intensas risadas entre membros da plateia do grupo de “hots” que ocupam os salões do Museu de Arte Contemporânea).

CHARLES BROWN
       (insistente e provocativo)

O filho da puta ainda é cheio das gracinhas! Comenta ele que exerce liderança sobre o grupo.

        ROSSE LEE
  (não para de insistir)

Norton! Norton! Expedição Norton! Novembro de 2035. Lembrem! Vocês não têm memória? Estou com minha companheira de Expedição, ADRIANE TAUIL. Ela está lá fora. A fotógrafa da Expedição Norton! Expedição Norton!

(As risadas se fazem ouvir com maior intensidade. Gargalhadas soam de bocas escancaradas, surpreendentemente cheias de dentes. A plateia de “hots” está se divertindo mesmo).

        ROSSI LEE
(sente o clima piorando para seu lado)

TAUIL! ADRIANE TAUIL. Ela está lá fora, não muito longe. Por que não conferem o que estou dizendo?

   CHARLES BROWN
(com o olhar contém o bisturi na mão do PADILHA)

        PADILHA
(fazendo menção de que vai cortar o abdômen de ROSSi LEE)
Ele ainda confessa que conhece a pilantra assassina! Chefe da equipe médica da clínica TAUIL & OSTROWSKY. É muita safadeza! Esse cara tá doidão de batida de limão ou o quê? Eu quero cortar ele chefe (olhando para CHARLES BROWN). Deixa eu cortar ele, chefia!

CHARLES BROWN
             (tentando entender)

Vamos ver se compreendi. Você fez parte de uma expedição em 2035? É isso? E onde está seu envelhecimento, garoto? Hein? Hein? — Desafiou CHARLES BROWN (aproximando-se mais de ROSSI LEE).

VILMA FLINTISTONE
             (intervindo da plateia)

Quantos anos você tem rapaz? — Chega! Já é demais tanto cinismo. Corta ele que ele merece! Passa o bisturi para a MIRIAM PATOTA que ela faz logo o serviço. — Berrou o hot-dog ZÉ LOBÃO. E completou: Quantos anos você tem, rapaz?

    ROSSI LEE
         (esperançoso de que ouçam sua história)

É uma longa história, se vocês me permitirem contá-la. — Olhando o idoso PADILHA (após o olhar de consentimento de CHARLES BLROWN), começava a cortar a superfície de sua pele à altura do fígado.

   GANSO PARDO
(entrando de súbito no salão, interrompe o aprofundamento do corte)
O BERNARDO está trazendo uma coisa para você. Alguém do grupo berrou. — BROWN dá a entender ao PADILHA que cesse, por momentos, a “operação”.

(Entram na sala três sujeitos armados com revólveres e fuzis-metralhadoras, um deles entrega um pedaço de papel a outro que o encaminha ao chefe do grupo. Após ler o bilhete que ADRIANE TAUIL havia posto no para-brisa do carro para ROSSI LEE, BROWN o repassa para outros membros do grupo. Alguém comenta):

Parece que agora vamos ter de ouvir a história dele. — Ouvem-se alguns protestos que fizeram contraponto com algumas risadinhas.

(Sinais de estresse e sono são evidentes em ROSSI LEE. Alguém põe um comprimido em sua boca com um pouco de água e pressiona o maxilar. A cabeça do JORNALISTA pende para trás e depois para o lado e para baixo. Seu rosto, após momentos, semelhante a um Cristo crucificado, preso ao globo onde brilham os continentes desenhados em tinta fosforescente).
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 15/05/2013
Alterado em 21/05/2013


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