Textos

HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PSI CITY) — 2ª REDAÇÃO. III
132) INT. QUARTO DE HOTEL — DIA.
(Após uma noite “quente”, o casal serve-se do café da manhã).

ROSSI LEE busca saber o que está por trás do interesse deles pelos subterrâneos da Serra do Roncador. ANIBAL NORTON é muito determinado para ser apenas um aventureiro em busca de emoções tropicais.

ADRIANE — Certamente seu grupo não tem a performance de malucos vidrados por riquezas em busca do tesouro dos incas.

ROSSI LEE — Diz o folclore que os sacerdotes incas mantinham contato com a tribo subterrânea dos “muito antigos”. E os 110 lhamas carregados de ouro inca sumiram, como por mágica da vista dos olheiros de Cortez. Em 12/09/63, nas encostas orientais dos Andes, a 2.400 metros, foram encontrados corpos embalsamados na cidade de Gran Pajaten.

ADRIANE — As ossadas revelaram vestígios de Entidades Biológicas Extraterrenas. “EBEs”. Eu também li uma cópia do “Arquivo Jângal”.


133) INT. RESTAURANTE DO HOTEL — NOITE.
HERMANN — (falando em iídiche) — Os impasses foram logo resolvidos?

VASSARI — (em iídiche) — NORTON é um negociador nato. Esses caciques como passarinhos, domesticados vão comer alpiste na mão dele?!

HERMANN — Com verdinhas, você quer dizer. Eles vão conseguir tirar mais verdinhas das mãos dele. Com grana tudo se resolve. De avião ou helicóptero, ele vai reunir os caciques. Buscar cada um em sua aldeia. Ou seja lá onde for que eles estejam.

VASSARI — Toda aldeia tem uma pista de pouso bem-conservada. As tribos não permitem a entrada de ninguém no Xingu sem acompanhamento. NORTON tem sempre uma “eureca” sobrando.

HERMANN — E quatro ases “emboscados” na manga da jaqueta.

VASSARI — Você não quer dizer que o cara não tem caráter...

HERMANN — O que eu quero dizer é que é sempre um erro agir fora de seu próprio padrão.

VASSARI — De caráter.

HERMANN — Ou falta dele.


134) EXT. CLAREIRA NA SELVA — NOITE.
(Numa clareira aberta na selva um Xamã dança e canta num ritual mágico solitário. Ele dança e canta ao redor do fogo mantendo por horas, por vezes dias, como se essa atividade mágica fosse uma síntese da Yoga, Tai-chi-chuan e liangong).
— É um ritual de autoconhecimento. Telúrico e cósmico. Ele chama para si as forças antípodas da Terra e do Universo. E aumenta seu conhecimento ao saber como agem e mantêm a convivência. NORTON murmura as palavras como se fossem para sua própria compreensão. Mas Adriane a poucos passos dele, responde:
— Sem se exterminarem mutuamente.


135) EXT. HELICÓPTERO SOBREVOA A LAGOA DO BURITI NO ALTO XINGU. POSTO LEONARDO — DIA SOLAR.
(NORTON olha para baixo. Vê o grande pântano de águas cristalinas, cheias de palmeiras buritis e peixes, dos quais se destaca o tucunaré. A vegetação do fundo do lago (pântano) se revela claramente, como se não houvesse água na superfície. O calor levou alguns membros da tribo kuicuros a banharem-se nas águas).

YURUQUA — (dirigindo-se a NORTON) — Há índios kalapalos armados com carabinas e espingardas. Eles querem pagamento igual ao pago aos kuikuros por terem entrado no Xingu.

(Enquanto o helicóptero desce YURUQUA aponta um barco próximo à margem da lagoa, onde estariam índios com revólveres calibre 38 nos coldres cheios de balas).

YURUQUA — A situação é grave. Vai haver conflito. ARARAPAN, chefe do Posto Leonardo, comanda os índios nos barcos que fechavam as saídas ao longo do rio, enquanto outros grupos, também armados, haviam ocupado a fazenda Sayonara.

NORTON — O pessoal da Expedição vai descer de barco...!?

YURUQUA — Trechos dos rios Buriti, Culuene e Curisevo estão vigiados por índios bem armados. ARARAPAN quer reunir todos os caciques com NORTON no Posto Leonardo. Avião vai vir com caciques para resolver conflitos de interesses.


136) ALDEIA KUICURO. ALTO XINGU — DIA/NOITE.
(No Posto Leonardo NORTON olha um monomotor aproximar-se da pista de pouso).

YURUQUA — (falando com NORTON) — ARITANA pode resolver todos esses problemas.

(O avião pousa. A porta do monomotor abre e o primeiro a sair é JACALO. Ele está nu e pintado com tintura vermelha de urucu).

JACALO — (aflito, dirige-se ao grupo à margem do rio) — Muita confusão. Muito problema. (O índio monta numa bicicleta, e começa a pedalar muito depressa, seguido pelos demais índios CONCA, TUNICO, MURICY, BATISTA e NEYMAR).

MURICY — Vocês não têm que pensar nada. Vamos sair daqui imediatamente. Entrar no avião. Sem mais opiniões.

NEYMAR — O contrato está desfeito. Kalapalos não de acordo com Expedição. Assembleia não vai mais acontecer.

(Ao chegarem ao agrupamento GANSO e RENÊ vêm ao encontro deles. Após rápida troca de palavras, acenam para ARARAPAN).

ARARAPAN — (armado e muito agitado atrai a atenção dos outros índios que começam a caminhar rápido em direção ao avião) — Estou cumprindo ordens. Vou levar todo mundo de volta.

O PILOTO do monomotor, prevendo um sequestro, começa a taxiar. Índios surgem de todos os lados e seguram as asas do avião, alguns sobem nelas, impedindo o piloto de fazer a aeronave alçar voo. Índios chegam à cabine e ameaçam o piloto com armas.


137) ALDEIA KUICURO. ALTO XINGU — NOITE.
IURUQUÁ — (para NORTON) — Acerte as coisas com ARITANA. O convite dos kuicuros e a autorização da Funai vão manter a Assembleia valendo e resolver esse mal-entendido.

NORTON — (manipula o iPad) — IANACOLA está vindo de Brasília. A Assembleia está valendo para amanhã à noite.

IURUQUÁ — (otimista) — Para tudo tem solução. Só não para a morte. A Expedição vai descer o rio de barco. Depois de amanhã estará aqui. Em tempo de assistir ao ensaio do Kuarup na aldeia dos kuicuros.

NORTON — (para IURUQUÁ) — Autorize o PILOTO a distribuir as bagatelas e os alimentos para os nativos.

IURUQUÁ — (falando aos nativos das nações aueti, iaualapití, mehinaco e trumaí) — Barco vai vir com muitos presentes. E alimentos para todos. Vai haver fartura quando a Expedição chegar. Só mais um dia.

(A promessa de presentes parece ter acalmado a inquietação de grande parte dos índios adolescentes. Assim como os contatos de NORTON com a burocracia da Funai em Brasília).


138) EXT. CLAREIRA NA SELVA — NOITE.
(ADRIANE E ROSSI LEE mantêm certa distância de HERMANN E VASSARI. Eles estão num lugar onde vai haver um ritual de xamanismo. O casal de jornalistas e os homens de NORTON não conseguem se enturmar).

ADRIANE (olhando à distância para eles) — Se tudo se resolver amanhã estaremos chegando ao Posto Leonardo pelo rio Tuatuari.

ROSSI LEE (espreitando-os de longe) — A grana deve está atuando. Verdinhas fazem a roda da fortuna girar.

TACUMÃ (cacique kalapalo, apontando o dedo, ora em direção ao casal, ora em direção aos homens de NORTON) — Vocês não deviam ter vindo até aqui. EKEWAKA dizer não boa presença de vocês. Vocês têm que ir embora e deixar tudo que trouxeram: motor, roupas, relógios, gasolina, barco. Carro. Tudo... (ele falava em dialeto).

KOTOK (filho de TACUMÃ chefe dos kamaiurás aproxima-se, conciliador) — Tudo vai se resolver. Ônibus sair de Brasília para Canarana com pessoal que vai apaziguar tudo. Essa Expedição tem boas intenções. Documento da Funai logo vai chegar. Presença de Expedição no Parque está consentida.

TUCUMÃ (ameaçador) — Se não deixarem todos os pertences serão despidos e surrados de borduna. (KOTOK dirigiu-se ao pai que incitava dezenas de índios à agressão. Falou com ele de modo a convencê-lo de que ganhariam muito mais se esperassem a chegada do ônibus de Brasília).

ROSSI LEE — Essa hostilidade só pode ser contida com muita grana rolando. A política dos índios não difere da política dos brancos em Brasília.

ADRIANE — (vendo que a pressão diminuíra) — O poder de barganha do filho do cacique parece ter funcionado. Pelo menos até amanhã.

ROSSI LEE — (irônico) — NORTON deve estar mexendo os pauzinhos. Papel impregnado com a esfinge do Poderoso Pai Benjamin Franklin (fazendo alusão às notas de cem dólares).


139) EXT. TRAJETO DE LANCHA ATÉ PORTO LEONARDO — DIA/NOITE.
(HERMANN BREED mostra uma habilidade incomum na direção de proa do barco. A paisagem, em todas as direções revela-se de uma beleza selvagem, dinâmica, impressionante).

ADRIANE olha extasiada para o fundo das águas por sobre as quais a lancha avança. A limpidez delas permite a visualização de exemplares da flora e da fauna desse fantástico labirinto fluvial selvático e pantanoso.

Após percorrer paisagens de uma beleza inusitada, a lancha aproxima-se veloz do píer de Porto Leonardo. Atraca. Nativos aproximam-se curiosos em busca ávida de presentes.

ADRIANE (para ROSSI LEE) — NORTON abriu a porta do cofre. E do Parque. A força do “Arquivo Jângal” de VOLTAIRE está aqui. Faz parte da Expedição.

ROSSI LEE (gesticulando braços e mãos para os lados) — O que há de ficção e de realidade nesse texto se poderá comprovar em pouco tempo. É para isso que estamos aqui. A cidade subterrânea existe mesmo? Ou os mistérios do “Abbey underground” do Xingu são apenas folclore? — Ele visualiza na parte posterior da mochila de ADRIANE a ilustração de capa do livro HOLOCAUSTO NUNCA MAIS (PSI CITY) que se faz presente por sob a tela transparente que cobre o nicho externo da mochila.

(ROSSI LEE ouve nitidamente uma voz que segreda, como se articulada somente para seus ouvidos: “Você não teria a quem dizer estar a fazer parte do grupo terminal do último casal habitante da Terra”).

(ROSSI LEE olha para os lados, para cima, para baixo, como se buscando o lugar de onde pudesse identificar ter vindo a estranha mensagem auditiva).


140)  EXT. TRILHAS NA SELVA. DIA.
A Expedição NORTON progride em seus caminhos selva Amazônica adentro. A progressão dos personagens rumo ao objetivo de achar a entrada desconhecida para a cidade subterrânea dos Anciãos lemurianos.

A ação dramática do grupo, a interioridade das personagens... A expectativa de cada uma delas cria uma relação algo tensa entre os membros da Expedição. O ambiente exterior fica cada vez mais hostil. Mas isso não impede que mantenham o controle da situação.

As imagens mágicas da dança solitária do xamã EKEWAKA, presenciada por ADRIANE e NORTON nas proximidades do Posto Leonardo, se misturam à subjetividade excitada dos mesmos, estimulados pelo contato próximo com os ruídos, os sons, as metáforas plásticas e telúricas do vento nas árvores, rugidos das onças, o voo das aves noturnas. A lascívia estimulante do ambiente selvagem.


141) EXT. ACAMPAMENTO NA SELVA AMAZÔNICA — NOITE.
As mochilas descem dos troncos. Arranjos estão sendo feitos. Rapidamente o acampamento é montado. HERMANN e VASSARI armam armadilhas em volta. Uma fogueira arde escavada sob a superfície. ADRIANE E ROSSI LEE estão ao lado nas tendas improvisadas. NORTON espia os arredores do “camping”.


142) EXT. ACAMPAMENTO NA SELVA AMAZÔNICA — NOITE.
ADRIANE TAUIL — Percebe? Há uma energia estranha permeando esse lugar.

ROSSI LEE — Cansaço, tensão, ansiedade, devem ser a causa dessa sensação. Realmente estranha. Não se permita acalentar por ela.

ADRIANE — No hotel você falava da necrópole no sítio arqueológico em Gran Pajaten... (Ela vê um menino que lhe parece enorme entre a folhagem na mata).

ROSSI LEE — 32 hectares com 18 edificações decoradas com imagens de seres, animais e vegetais incomuns. A 2.400 metros. Quem conduziu todos aqueles blocos de pedras a essa altitude? Com que finalidade?

(A conversa do casal de jornalistas de quando em vez se esquiva em direção aos arredores. A atenção dirigida, subitamente, a ruídos apressados na mata em volta).


143) EXT. PATAS SE AGITAM A CORRER EM DIREÇÃO DO ACAMPAMENTO — NOITE.
(A vegetação próxima a eles está sendo pisoteada pelo tropear de animais raivosos. Os sons ofegantes, saídos de gargantas e bocas ansiosas. Não são exatamente nem bramidos, nem uivos nem latidos, emitidos por animais coléricos que, rapidamente parecem dirigirem-se ao local onde a Expedição está acampada).


144) EXT. CLAREIRA. PROXIMIDADE DAS TENDAS — NOITE.
ROSSI LEE — (aquietando-a) — É normal. Roedores, predadores noturnos de pequeno porte.

ADRIANE — (com certa apreensão) — Sei! Não poucos Ph.Ds em arqueologia afirmaram a nítida presença de uma cultura de “EBEs” de “gigantes” nesses locais.

ROSSI LEE — No sítio de Chachapoyas, a 2990 metros acima do nível do mar, foram encontradas entradas subterrâneas. Longas escadarias. Acredita-se que ninguém nunca desceu até seus últimos degraus. E voltou para contar a história.

ROSSI LEE — (após deter algum tempo a narrativa, ele olha fixo, e atônito, um lugar na selva) — A escada de pedra encontrada quando se deslocou uma laje tumular. Os restos mortais confirmam a existência fóssil de seres com uma anatomia “EBE”.

ADRIANE — As lendas e o folclore do mundo antigo, desde o Gênesis, mencionam gigantes. Um adolescente nativo falou comigo da pajelança solitária do nativo EKEWAKA do Hawaí: saúda o novo nascimento do bem-aventurado menino guardião.

(Adriane memoriza o corpo do pajé EKEWAKA nos olhos do menino que ela visualiza em pé na borda de uma clareira na selva).


145) EXT. LUA CHEIA. CLAREIRA NA SELVA — NOITE.
(O casal de jornalistas troca olhares desconfiados e apreensivos. Mas tentam manter a calma. Sombras rapidamente saltam de um para outro lugar entre a vegetação mais fechada da floresta. Os membros da Expedição Norton estão sob o olhar selvagem de animais que os fixam sem que eles, até o momento, tenham percebido sua proximidade. Têm a boca entreaberta, os dentes à mostra, a língua para fora e a expressão ofegante. Parecem lobos. A distância os mantêm ocultos. Sai de suas gargantas um ruído feroz e ameaçador. Ao longe se faz ouvir uma espécie de uivo. Alguns desses animais cercam o acampamento  de maneira veloz e inquieta).


146) EXT. FOGO CREPITANDO NA CLAREIRA, PRÓXIMO ÀS TENDAS — NOITE.
ROSSI LEE — A insânia dos colonizadores católicos europeus destruiu os registros gravados em tábuas de barro, das gravações em pedra dos Anciões das culturas de Tiahauanaco nos Andes, os registros incas de Machu Picchu, Cusco, dos megalitos no México, das necrópoles nas Américas.

ROSSI LEE — Ainda bem que eles não descobriram os túneis na África, as 32 cavernas de Ajanta na India, dez séculos antes do nascimento de Miguelângelo e Leonardo da Vince, os artistas plásticos “Anciãos” já reproduziam os efeitos plásticos, o realismo das pinturas, a expressão emotiva, os sentimentos impressos nos rostos, a ingenuidade, o erotismo, a expressividade plástica característica dos pintores renascentistas: a perspectiva, a profundidade de campo.

ADRIANE — (afirmativa) — Os grandes arquitetos gregos e romanos, construtores de templos na idade média, todos aprenderam com a arquitetura dessas cavernas com tetos abobadados, afrescos e esculturas nas paredes. Algumas delas remontam séculos antes de Cristo. As Viharas, ou monastérios, construídos a. C., esculpidos na rocha de Ajanta, tinham em seus quartos, camas com almofadas talhadas na pedra nas quais os monges Anciãos descansavam suas cabeças...

ROSSI LEE — Basta acessar o Google, digitar os nomes do doutor Thomas Lennon e de sua assessora Jane Wheele, arqueólogos a serviço da Universidade do Colorado...


147) EXT. APROXIMAÇÃO DAS FERAS — NOITE.
(Os ruídos ao redor voltam outra vez a ser ouvidos. Desta vez com maior intensidade).

ROSSI LEE — (olhando, interrogativo, em direção aos ruídos que se aproximam. Ainda distantes) — No Arquivo Jângal os “Anciões” lemurianos são portadores de uma anatomia diferente da humana. Suas cidades subterrâneas seriam iluminadas por fótons à base de oxigênio, nitrogênio, dióxido de carbono e argônio.

(Os membros da Expedição ficam tensos e atentos devido à aproximação do tropear estrepitoso das patas nos galhos secos, assim como dos sons guturais arfantes e agressivos).

ROSSI LEE — Eles habitariam a Terra desde tempos imemoriais. São telepatas e se comunicam via emissão de respostas extras sensoriais, com animais racionais e irracionais. Premonição, clarividência e empatia fazem parte da ambientação cognitiva. Usam sons sibilantes em lugar de palavras...


148) EXT. AS FERAS INVADEM O ACAMPAMENTO — NOITE.
(VASSARI E NORTON empunham fuzis de assalto israelense Tavor-21).

HERMANN — (olha, alisa o fuzil e comenta de si para consigo) — Lentes de aproximação, visor noturno e designador laser.

(Finalmente as feras estão a uma distância que permite ser visualizadas. Elas mostram os caninos lupinos. O olhar de aço e o pelo fino evocam imediatamente antigas memórias aos membros da Expedição).

Rajadas de metralhadoras se fazem ouvir. Atingem a terra próxima à frente de algumas feras da alcateia. ADRIANE E ROSSI LEE estendem-se no chão protegendo-se dos disparos.

VASSARI mira uma pistola PT 809 calibre 9 mm apoiada numa das mãos. As mãos são atingidas pela investida selvagem de caninos que ferem seus pulsos devido ao impacto dos sucessivos botes das feras. A arma cai e ele tenta recuperá-la, desistindo de fazê-lo, acuado pela ameaça das gengivas salivantes das quais se sobressaem os dentes mostrando uma ferocidade inusitada.

(As patas pisoteando as armas e a terra em volta. Outras feras não permitem que a automática e os fuzis sejam recuperados. Apesar da leveza dos fuzis calibre 5,56 de 3,5 kg e da cadência de 900 disparos por minuto, nenhuma das três feras humanas resiste ao cerco dos lobos com dorsos de felinos e seus caninos assassinos que os impede de recuperá-las).


149) EXT. NA SELVA DO ACAMPAMENTO — NOITE.
(A “hybris” da irracionalidade dita humana do grupo de NORTON, rendeu-se à “hybris” de uma irracionalidade animal típica de predadores pré-históricos de temível e irresistível inteligência selvática. A alcateia invadiu o acampamento não para lutar e morrer, mas para lutar e matar. Se preciso fosse).

As feras pareciam saber do potencial mortífero, da paixão pelo aniquilamento do inimigo que dominava suas presas humanas, armadas pela tecnologia mortífera mais moderna. O antagonismo conflituoso do combate foi rápido e decisivo. As feras invasoras venceram. Contra todo presságio das táticas de combate do animal humano. Bravio e cruel.


150) EXT. NA TERRA DEVASTADA DO ACAMPAMENTO — NOITE.
Os membros da Expedição ameaçam reagir, mas já estão dominados. As feras saltitantes levantam as patas dianteiras e voltam de maneira insistente a finca-las no chão ao mesmo tempo em que seus corpos pendem para o lado da selva mais fechada. Eles dão a entender que estão querendo que os expedicionários os sigam. Os cães-lobos recuam, ameaçadores, e a seguir lançarem-se em frente e viram a cabeça e o tronco em direção contrária a do acampamento, indicando que devem ser seguidos. Logo. Imediatamente. A lua em plenilúnio ajuda a visualização das trilhas mal discernidas da selva. Na Amazônia.

NORTON — Eles querem que os sigamos. Vamos! — VASSARI parece querer ficar na retaguarda, mas é lançado violentamente para frente por um lobo que se lança ferozmente contra suas costas. Ele cai e levanta. Ao levantar é novamente atacado e lançado outra vez para a frente.

Todos parecem, súbito, compreender a intenção da matilha. Ninguém se faz de rogado. Os membros da Expedição NORTON correm, cercados pelos rosnados dos animais da família “canidae”. Não sabem ao certo para onde estão indo. Mas têm de seguir a alcateia.

ROSSI LEE — Ele memoriza cenas de um acontecimento muito passado. Quando um grupo de migrantes hominídeos, sobreviventes da Era do Gelo, está sendo acossado por um grupo de lobos cinzentos. Os mais fracos do grupo arrastam-se no final da fila indiana dos que fogem do inverno rigoroso em busca de abrigo nas cavernas da savana africana.

Há muito tempo comem apenas gramíneas e raízes de raros arbustos. Ao cair, uma mulher grávida fica para trás e os animais simplesmente estraçalham seu ventre e devoram dois embriões (gêmeos) que estavam prestes a nascer. A mulher lembra remotamente Adriane.


151) EXT. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA — NOITE.
(Os membros da Expedição Norton simplesmente são forçados a acompanhar o ritmo selvagem da corrida com os lobos. Eles estão arfantes. Os troncos resistem à respiração ofegante. Os rostos estão cada vez mais intensamente afogueados. Uma curiosidade excepcional toma conta de todos eles. Eles, que sabem estar na trilha certa indicada pelo “Arquivo Jângal”).

Eles se olham. As órbitas dilatadas. As bocas entreabertas. VASSARI, o tronco curvado, apoia as mãos sobre os joelhos. ROSSI LEE, de cócoras, ofegando, a boca aberta, o tronco pulsando rápido. TAUIL deitada na grama, os braços estirados para os lados, os olhos esbugalhados, tenta fazer a respiração voltar ao normal. NORTON arqueja apoiando a mão direita numa rocha. HERMANN, recuperando-se, apalpa o corpo em busca de uma arma.
152) EXT. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA — NOITE.
HERMANN — (olhando interrogativo para NORTON E VASSARI) — Nada mal manter o dedo na pinguela.

NORTON — (persuasivo) — Relaxa! Nesse lugar, se quisessem nos atingir, não teríamos a mínima possibilidade de defesa.

ROSSI LEE (chegando-se à ADRIANE) — Você está bem? — Ela estende a mão (ainda deitada) pegando a mão dele, sorrir meio forçado, como se dizendo que sim.

NORTON — (checando o receptor de GPS) — As indicações não confirmam ser este o lugar.

ROSSI LEE — (com convicção) — Nesse lugar nada vai checar com indicações via satélite. Parece que estamos num campo magnético intenso. Restrito. Unificado por forças fortes demais para sua compreensão. E a minha.

NORTON, VASSARI E HERMANN afastam-se. Parecem estar se desentendendo. Em iídiche.


153) EXT. PLENILÚNIO. CLAREIRA NA SELVA — NOITE.
Todos parecem assuntar uma sonoridade longa, característica de uma flauta andina. Primeiro uma nota grave. Intensa. Logo depois, uma nota aguda. Ambas veementes. Impetuosas.

Eles buscam na rocha o lugar de onde provém a longa sonoridade. Entre a vegetação rugosa, encoberta por plantas silvestres, há uma reentrância para dentro da rocha a dois metros do solo, onde HERMANN vê uma fissura horizontal. Parece uma entrada, escondida num lugar ainda mais alto acima do lugar onde chegaram após a severa corrida com os lobos.

Os esforços se concentram no sentido de nela penetrarem. O que conseguem fazer. Não sem algum malabarismo. Desde que têm de escalar até o lugar íngreme na fissura da pedra.


154) INT. FISSURA NA ROCHA. TÚNEL — NOITE.
Após algum tempo, agastados, eles avançam túnel adentro.

NORTON — (capitaneando o grupo) — O foco da lanterna apagou. Apesar da bateria nova.

VASSARI — (bate a lanterna no pulso) — Não é problema de bateria. É influência do lugar.

ADRIANE TAUIL — (irônica) — Felizmente resolvi meu problema com claustrofobia.

ROSSI LEE (olhando para ela) — Vai saber, é a toca daquela serpente em que tropeçamos.

ROSSI LEE — (fazendo uma careta) — Esse odor de enxofre... Talvez seja uma entrada para o inferno — (Sorrisos).


155) INT. TÚNEL ROCHOSO NA SELVA — NOITE.
HERMANN — (afirmativo) — Quem precisa de lanterna? Esse túnel é fosforescente.

(Em poucos segundos todos se deram conta da luminosidade tênue e azulada).

(E continuaram a "escalada" rumo ao "target" desconhecido. De repente a montanha de pedra treme. O ruído de uma longa trovoada promove a sensação de que as paredes do túnel vão desabar sobre eles. Soterrando-os. Todos têm a impressão de que uma grande pedra, pesada e redonda, está rolando em direção deles).


156) INT. TÚNEL NA ROCHA — NOITE.
Felizmente o ruído de trovão da pedra rolante passa ao largo, talvez em outro túnel paralelo e acima deles.

NORTON — (olha o relógio no pulso).

ROSSI LEE — (logo atrás dele) — Estão parados há horas.

O túnel desemboca numa caverna de teto alto onde se veem estalactites. Eles descem alguns degraus.

Chegam a uma plataforma. Após alguns momentos à outra plataforma. E logo depois a outra maior. E mais larga.

(Contemplam então a paisagem de um platô a meia centena de metros abaixo).


157) INT. PLATAFORMA. BORDA DO PLATÔ — NOITE.
O lugar todo exala uma luminosidade sutil e anilada. No platô se destaca uma árvore baobá com 30 metros de altura. E um tronco de aproximadamente 7 metros de diâmetro. Uma sensação inusitada e estimulante toma conta do sistema nervoso central dos expedicionários.

ROSSI LEE — (estupefato) — Esse planalto é francamente encantado, surreal. Um lugar de sonho.

TAUIL — (atônita) — Eu diria de pesadelo. — (Contemplando o aspecto fantasmagórico da árvore) Como planalto? Esse platô está embaixo!?!

ROSSI LEE — (admirado) — Nesse lugar todos os caminhos se bifurcam e se encontram. Como no conto de Borges!

TAUIL — (fascinada) — É surreal! Baobás são nativas da ilha Madagascar. Como essa veio parar aqui? Na selva Amazônica?

ROSSI LEE — (assertivo) — No subterrâneo da Amazônia? Esse lugar está fora do tempo e do espaço como o conhecemos. Fascinante!

TAUIL — (beliscando um dos braços) — Excessivamente sedutor. Como vamos chegar lá embaixo?


158) INT. PLATAFORMA DO PLATÔ — NOITE.
NORTON — (contido e ansioso) — O lugar é primitivo e ao mesmo tempo high-tech.

ROSSI LEE — (advertindo) — Não há caminho de volta. Como sair desse lugar?

Os olhares convergem para o ambiente de onde há pouco saíram. Dezenas de cavernas e fissuras na rocha mostram-se acima e em volta deles.

A passagem pela qual vieram se confunde com outras.


159) INT. PLATAFORMA DO PLATÔ — NOITE.
(NORTON HERMANN E VASSARI conversam. As legendas em iídiche traduzem as falas).

NORTON — (admirado e afirmativo) — Este é o lugar. Aquela árvore conduz a Amrita. Ou Amrit, o elixir da vida Sing na língua Punjab: a coragem os poderes do leão. Numa vida saudável e longa.

VASSARI — (surpreso) — Mas é apenas um baobás. Vi um em Recife, na Praça da República.

NORTON — (tentando parecer didático) — A fruta, mukua, é rica em vitaminas e sais minerais. Não é por isso que se associa à vida longa... (pensativo)... Muito longa. Depois de curtir a pele da serpente Anfisbena Licranço, a água do tronco do baobás, fica permeada de uma substância sutil e quase que imperceptível. Bolhas parecidas com vitórias-régias (olhando com ares de cumplicidade para VASSARI...)

VASSARI — (encurtando a conversa) — Duas cabeças peçonhentas, os dois mini-chifres da serpente adâmica. Origem do povo Rama dos naacales. A lenda de Deccan, capital de Rama há 7000 anos a. Cristo.

NORTON — (concluindo) — "Vida longa para seus habitantes". Os anciões centenários desde as mais antigas lendas.

(A conversa continua em iídiche).

HERMANN — (deslizando os dedos numa inscrição de pedra) — Hábito fossorial, nunca cansa de escavar. O dialeto naacal conduz à capital lemuriana. "Ser saudável por mais tempo: o trabalho ferve" (as pontas dos dedos de HERMANN perpassam o final da inscrição).


160) INT. PLATAFORMA DO PLATÔ — NOITE.
(Depois de identificadas reentrâncias e saliências no paredão da rocha que conduzem até o platô, a Expedição começa a audaciosa descida).

NORTON — (iniciando a descida) — Talvez os orifícios contenham animais peçonhentos. — (Olhando para ADRIANE TAUIL). — Não olhe para baixo. Concentra a atenção nas mãos e nos movimentos.

ROSSI LEE — (intimamente convicto) — O “Arquivo Jângal” começa a fazer muito sentido!

(Começam a travessia. A câmera focaliza a muralha na vertical. O foco vai aos poucos mostrando a beleza da paisagem surreal lá embaixo. Há uns 60 metros. Lá embaixo. Como se fosse a entrada de algum Inferno ou Paraíso Perdido).
161) INT. DA ROCHA. ESCALADA DESCENDENTE NO PLANO VERTICAL DO PENHASCO — NOITE.
HERMANN — (advertindo) — Nos orifícios há crias de escorpiões pretos. Eles são venenosos.

ADRIANE — (intranquila, dirige-se a ROSSI LEE) — Esse lugar parece cheio de surpresas!

ROSSI LEE — (impositivo) — Fique tranquila. Se for picada, há antídotos. — (Olhando de soslaio ele para e estica o braço em direção a um exemplar de escorpião preto).

NORTON — Bothriurus araguayae. A neurotoxina dele é mortal. Comparável à da formiga tocandira. Destrói os músculos e provoca falência renal. Uma pessoa picada por ela precisa ser atendida num centro de tratamento intensivo.

ADRIANE permanece apreensiva, contendo o impulso de olhar para baixo. (Em um momento de desatenção ela se desprende e parece cair, enquanto estende um braço em direção a ROSSI LEE, tentando segurá-lo e evitar a iminente queda).

(Dos orifícios da rocha projetam-se sobre os membros da Expedição, escorpiões e aranhas. Eles olham seus corpos desprenderem-se dos pontos de apoio. Os membros desabam no vácuo, em direção a profundidade do platô. Sentem-se sugados por um túnel, como se tecido de teia de aranhas).


162) INT. DA ROCHA — NOITE.
Os membros da Expedição Norton caem como que amparados por uma força magnética. Essa força imponderável os conduz lentamente em direção ao solo do platô.

163) AMBULÂNCIA. ENTRADA DE HOSPITAIS. MORGUES — DIA.
(Dezenas de corpos saem de ambulâncias. Alguns envolvidos em sacos fechados. Pessoas se acumulam em frente a vários hospitais).


164) INT. ACAMPAMENTO NO CHÃO DO PLATÔ — DIA/NOITE.
(Sobre as mesas a três centímetros do chão, no grande palco do platô, encontram-se inanimados os corpos dos Expedicionários. Estão plenamente despertos na dimensão paralela do sonar PSI. O aspecto externo indica um estado comatoso induzido por uma memória anciã no universo hostil dos sentimentos de sobrevivência paleolíticos).

(A águia da memória de cada personagem Expedicionário voa célere em direção às vivências da ansiedade anciã. Uma mulher foge de caçadores rapineiros kadanuumuu. Seres de aparência primitiva, demoníaca. Ao mesmo tempo, são predadores de uma consistência física de atletas da mais antiga antiguidade que se conhece: a da força bruta das mutações de hominídeos influenciadas pelo DNA lemuriano. A mulher, apesar dos trajes de época e da aparência brutalizada, de alguma forma se parece com ADRIANE. Assim como os chefes dos rapineiros cadanuumuu lembra remotamente as feições de ROSSI LEE).


165) INT. ACAMPAMENTO NO CHÃO DO PLATÔ — NOITE.
(Os delírios e imagens PSI provocadas, talvez pela intervenção do Monge, após a massagem na glândula pituitária dos membros da Expedição NORTON, provocam visões de grande intensidade emocional anciã, entrecortadas, por vezes, com imagens da atualidade. Há a presença do Memorial de traumas convividos coletivamente há milênios. Tal como narrado por textos traduzidos do naacal, contidos em capítulos do “Arquivo Jângal”, que aconteceria com intrusos em território lemuriano).

Através do nariz de cada um deles uma espécie de secreção gelatinosa, misturada com gotas de sangue, observa-se escorrer de maneira abundante. Principalmente em NORTON, VASSARI E HERMANN.

De qualquer modo, todos parecem envolvidos em acontecimentos imemoriais: Membros da tribo cadanuumuu carregam prisioneiros —ou o que restou deles— pendurados em cangas.

(Uma menina de 13 anos, carregada numa espécie de cesto primitivo, à mostra uma das faces com uma enorme ferida de mordida. Seus olhos são excessivamente expressivos e estão muito abertos).

(A face mortificada da garota mantém os olhos escancaradamente abertos, numa atitude justificável de pânico. Ela leva as mãos ao rosto lesionado. Seu olhar está parcialmente escondido entre os cabelos amarfanhados. O que restou dos lábios entreabertos sugere um desespero autoconformado). O terror é tão grande que ela permanece em catatonia.


166) EXT. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA MIGRA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS — NOITE.
TAUIL TOGLODITA — (aproximando-se da prisioneira pendurada num galho de árvore) — Grrruunhhhhingrun. — Começa a perscrutar as feições aflitas, deformadas e conformadas da mulher à qual membros de sua tribo haviam arrancado pedaços de seu corpo para comer.

TAUIL TOGLODITA — (confusa e interrogativa) — Grunhindo ela estende a mão em direção à face espancada da outra. Apalpa nas pontas dos dedos partes de seu corpo lesionado. Faz gestos bruscos. Move-se aos pulos ao redor do corpo tungado. Sempre olhando cada vez mais interrogativamente a Outra, aproxima-se dela movendo o pescoço em gesto indagativo para os lados, como se descobrindo uma certa empatia com ela. A Outra.


167) EXT. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS — NOITE.
(TAUIL TOGLODITA ao aproximar-se da mulher vitimada pelo canibalismo de sua tribo consegue uma experiência, talvez a primeira da espécie, de cumplicidade emocional entre elas. É como se surpreendesse a dor que a outra está sentindo em sua agonia por ter tido partes dos membros arrancados e devorados. Ao aproximar os dedos da mão destra do rosto dela, esta, que TAUIL julgava talvez morta, ainda consegue forças para, num gesto súbito, morder seu dedo cata-piolhos. Tirando-lhe um naco).

TAUIL TROGLÔ berra, e puxa os dedos da mão para si, encostando-os abruptamente à altura do coração, enquanto olha a mulher semidevorada encarar seu rosto pela última vez, enquanto a cabeça tomba para baixo. Um dos braços amarrado pende do galho baixo da árvore. Do outro braço falta um pedaço canibalizado que está queimando na fogueira primitiva.

ROSSI LEE TOGLODITA após aproximar-se dela ameaça bater na prisioneira com um pedaço de galho em mão. TAUIL TROGLÔ agarra o braço de ROSSI LEE e grunhe ameaçadoramente em direção ao rosto dele.


168) EXT. ACAMPAMENTO PRIMITIVO NO NORTE DA ÁFRICA. TRIBO PALEOLÍTICA COM PRISIONEIROS SEMI-CANIBALIZADOS — NOITE.
ROSSI LEE TOGLODITA comprime, violentamente, com a manopla esquerda, o rosto da mulher. Lançada à distância TAUIL TOGLÔ cai e desmaia após bater a cabeça no tronco de uma árvore.

ROSSI LEE TOGLODITA urra, grunhe e à maneira dos lobos, levanta o pescoço em direção ao alto. Da garganta sai um uivo de desafio. Ele lança com força e ódio incomuns o grande pedaço de madeira que conservara na mão destra em direção a um monólito negro que paira a alguns metros sobre sua figura selvagem a urrar furiosamente na direção do mesmo.


169) EXT. LUAR DIÁFANO. AMAZÔNIA. INT. DE BARCOS — NOITE.
Soldados e oficiais nazis olham fixo um ponto que lhes parece distante. Um ponto de fixação dentro deles, no interior de sua estrutura PSI. Em verdade os soldados parecem não estar vendo nada do que acontece no mundo externo. Eles ignoram a beleza resplandecente das águas luzidias, límpidas, esverdeadas do lugar por onde singram velozmente os barcos.

Os barcos chegam a um píer em lugar afastado da selva. Os militares todos ostentam no braço uma tarja preta com uma cruz gamada desenhada em negro. Entram em formação num avião Boeing XB15, fabricação americana de 1937, usado pelos nazis para disfarçar sua atuação em espaços aéreos Aliados.


170) INT. SALA RESERVADA NO REICHSTAG. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL — NOITE.
(Oficiais SS filmam a encenação dos soldados que voltaram da cidade subterrânea dos lemurianos na Amazônia. Através de um painel transparente, cientistas nazis veem as instruções através da montagem das miniaturas dos protótipos de foguetes, aeronaves, armamentos, carros refrigerados a ar, mísseis e aeronaves. Von Braun prestou particular atenção quando da exposição de montagem do projeto bélico denominado Exterminador Orbital. Que os americanos denominaram posteriormente de “Guerra nas Estrelas”).
171) INT. SALA RESERVADA NO REICHSTAG. ALEMANHA. II GUERRA MUNDIAL — NOITE.
(Oficiais da Gestapo supervisionam as equipes de cientistas sob o comando de Wernher Von Braun no interior do perímetro de uma base de fabricação de mísseis da marinha alemã).

As legendas eletrônicas do filme “full-time” da TV-Ghost, focaliza os bombardeios da cidade de Londres pelos mísseis alemães entre 7 de setembro de 1940 e o dia 10 de maio de 1941. (O “ghost-movie” do dia mostra Londres parcialmente destruída. E os milhares de mortos, de um total de 600 mil, nas ruas das principais capitais europeias, e outros milhares de desabrigados e feridos sendo embarcados nos vagões rumo aos campos de concentração nazistas na Polônia ocupada pela Wehrmacht).


172) EXT. EXPLOSÕES ATÔMICAS NAS CIDADES DE NAGASAKI E HIROSHIMA. II GUERRA MUNDIAL. JAPÃO: 6 E 9 DE AGOSTO DE 1945 — DIA.
(As pessoas estão vivendo conflitos insólitos e chocantes nos sete continentes políticos: América do Sul, América do Norte, Ásia, África, Europa, Oceania e Antártica pós-II Grande Guerra até a queda das Torres Gêmeas).

Os locutores dos jornais nacionais dos canais de TV, amalgamando-se com a imagem especular uns dos outros, em dezenas de países do planeta globalizado pela notícia e pelo entretenimento via Internet e TV, fundem-se numa imagem PSI, projetada de dentro do crânio em forma de poliedro. Poliedro de cristal lemuriano. Ele recria, via interface especular, as personagens membros da Expedição Norton. Elas são captadas pela superfície especular do laser em retransmissão direta para os canais da TV-Ghost em todas as localidades do planeta.


173) EXT. PRISIONEIROS NO INTERIOR DE CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO DA II GUERRA MUNDIAL — DIA.
Embaixo dos chuveiros nos banheiros coletivos de Auschwitz-Birkenau, milhares de pessoas extremamente angustiadas, magras, desesperadas, pânicas, medrosas, conformadas, olham esperançosas para os canos que deveriam ser de água e deles sai gotículas venenosas de gás-mostarda. As pessoas vão definhando sob a atuação gradativa dos efeitos do gás (cegueira, abertura dos poros da pele, rompimento das veias e artérias nos vasos sanguíneos). O horror do sofrimento gradativo dessas pessoas é mostrado na sordidez dos detalhes pela TV-Fantasma ou Canal 10.

Os soldados da SS filmam de perto (usam máscaras protetoras) dezenas de pessoas da etnia judaica nas mais impressionantes expressões de sofrimento extremo e desespero incontido. Bolhas vesiculares deformam as faces de pessoas que veem outras entregues às queimaduras químicas e debilitantes. Os corpos resistem ao estertor nas mais variadas formas de agonia.

Cenas macabras de milhares de cadáveres esqueléticos sendo jogados por outros prisioneiros e soldados SS em covas coletivas. A “TV-Ghost” exerce comando, comunicação e controle em todas as salas de jantar globalizadas pelos noticiários de TV e pelos vídeos da Internet. Na hora “sagrada” dos jornais TVvisivos os filmes da “TV-Virtual” costumam coincidir com enredos nos quais estão inseridas imagens desses jornais).


174) INT. DE QUARTOS E SALAS DA GRANDE SÂO PAULO E DA GRANDE MAÇÃ. INT. DE LARES EM TÓQUIO, LONDRES, CHINA, TIBET, PARIS, ROMA, VATICANO, RIO DE JANEIRO, SALVADOR, LOS ANGELES, E EM CAPITAIS DE PAÍSES ÁRABES, NAS AMÉRICAS, ASIÁTICOS E NA ANTÁRTIDA — DIA/NOITE.
(As pessoas são surpreendidas em ambientes intimistas nos quais há a presença de representantes da grande maioria dos espectadores de TV sentados no sofá da sala de jantar. Os mais jovens plugam seus sistemas nervosos, na interface dos games que, simultaneamente às imagens dos documentários jornalísticos da “TV-Full-Time”, permitem aos TVespectadores viver, coletivamente, sentimentos semelhantes aos dos personagens de filmes, novelas, documentários e noticiários de guerras).

Os ferimentos e dores terminais das personagens reais podem ser transmitidos às pessoas com o sistema nervoso central plugado, via moldem sensorial, nos aparelhos de TV sintonizados na central globalizada da “TV-Holy-Ghost” também conhecida por “planeta emocionalmente informatizado”.


175) INT. “SUBWAY” LEMURIANO NA AMAZÔNIA. PLANALTO DO PLATÔ — NOITE.
Os membros da Expedição começam a despertar para uma realidade inusitada. Estão envolvidos nela de forma intrínseca. Cada um deles agora está consciente de sua intimidade com os objetivos coletivos da civilização alienígena da qual fazem parte. ROSSI LEE aproxima-se dos outros membros da Expedição.

— Há um túnel que parece ser uma passagem para outro nível de realidade. Talvez uma espécie de Portal dimensional. Pode ser apenas uma impressão equivocada. Vocês gostariam de ver? NORTON responde por todos:

— Mostre-nos o caminho.


176) INT. TÚNEL CÂMARA CILÍNDRICO HIBERBÁRICO. MOSTEIRO NO INTERIOR DA SERRA DO RONCADOR — NOITE.
ADRIANE TAUIL e ROSSI LEE dirigem o olhar em direção à plataforma superior do túnel onde veem a parte mais elevada de um capuz de monge desaparecer por trás de uma minúscula guarita. No topo, de uma altura aproximada de trinta metros.

Os outros três membros da Expedição, apesar de treinados para a percepção de toda espécie de eventos, não perceberam este. As paredes do túnel agora parecem irradiadas por uma luminosidade sutil, metálica, aquosa, através da qual aparecem crianças vestidas com uma roupagem que afigura-se uma extensão da própria pele.


177) INT. NO INT. DA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — NOITE.
ADRIANE TAUIL — (olhando para ROSSI LEE enquanto suas formas humanas parecem se dissipar) — O desafio está em sentir-se estimulado a aceitar a competição entre conteúdos inusitados da psique em contraste com os velhos paradigmas que lutam para prevalecer contra os novos estados evolutivos de compreensão da PSI. A busca de um novo equilíbrio... Se traduz numa guerra de conflitos. Interiores.

ROSSI LEE — (sua imagem a perder a forma física e térmica) — (as palavras saem distorcidas) — “Um novo equilíbrio. Uma percepção insólita. Uma consciência incomum”.


178) INT. NO INT. DA GARGANTA NA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — NOITE.
CRIANÇAS com trajes supostamente espaciais materializam-se em redor deles. Os Expedicionários não sabem ao certo se foram conduzidos a um local outro, ou se as CRIANÇAS simplesmente apareceram do nada ao redor deles.

NORTON — (após alguns momentos de certa perplexidade) — Tudo bem, CRIANÇAS viemos do mundo externo, que vocês querem?

CRIANÇA — (qual delas?) — Shususuusussssiisssisihshi. — Um zunido precede as respostas que se fazem traduzir no interior da mente deles: “Tudo bem adultos, estamos aqui! Que podemos fazer por vocês?”.

VASSARI — (voz tentando parecer amigável, mas soa insolente e provocativa) — Até agora vocês eram mito... (ele fala em iídiche) — Estamos aqui para conhecer o mundo de vocês.


179) INT. DA GARGANTA NA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — NOITE.
(A tênue névoa fosforescente dissipa-se do ambiente interno do tubo. As CRIANÇAS e os membros da Expedição veem-se nitidamente).

— Grhrhrhiiissihummmsjh. — A sonoridade fricativa ecoa no interior das mentes dos expedicionários. — Imediatamente a esse timbre sonoro surge na mente deles a pergunta: “As armas. Por que as armas”?

— Corrupção, mentira, agressão, domínio pela força bruta, perversidade, covardia, ação pelo terror. Esses são os traços característicos de sua raça. Os motivos alegados são sempre nobres, salvar as almas, trazer a religião aos silvícolas. A colonização de vocês aumenta a quantidade de escravos, de doenças, de violência e medo. Termina sempre com a riqueza e o poder da sociedade concentrados em mãos de poucos. Este princípio de ordenação social tem por efeito sadismo e perversidade inomináveis. Incontroláveis. Uma sociedade dedicada à quantidade de eventos mórbidos. Irreversíveis.

— As armas são apenas para defesa, apela VASSARI, sem muita convicção.

— Krhrhhriirisisinnannansh! — “A tecnologia de defesa de vocês construiu artefatos destrutivos de fissão e fusão atômicas”. A linguagem falada de vocês é sempre um desvio em direção à mentira. Tudo e todas as demais iniquidades, mais numerosas que seus fios de cabelos vêm daí.

— Desculpem-nos. Invadimos sua morada. Somos um povo inquieto. Interessado pelo inusitado. Cedemos ao impulso pelo conhecimento do novo, da aventura. Vivemos tencionados pelas solicitações de sobrevivência de nossas cidades. — Por detrás das palavras de Norton há uma vontade de camuflar a intenção sub-reptícia de hostilidade.

— Zhauuunnsnsnshissizhins! “Você! Nefasto! Todo pensamento seu está sempre contaminado pela agressão e a mentira. Seu Deus lhe ensinou isso? Você age como se Ele tivesse de se subordinar à sua cultura. E não vice-versa. Acredita que a Terra será dominada por um povo escolhido? Seus profetas neolíticos diziam, traduzindo seu Deus: Minha casa é a casa de oração de todos os povos”.

— Shisisinsnsnnhinsnjuysys! Suas orações deveriam ser os mantras de todos os povos. Não sua hostilidade, vontade de domínio. Seu medo atávico, suas culpas remotas, sua ganância insaciável. Globalizaram tudo que é ordinário. Mas não suas orações. Vocês estão desservidos de espiritualidade. Secos, satanizados. E como não foram capazes de se humanizar, vão criar a “New World Order” para gerir essa dominação. Definitiva. Povo de escravos.


180) INT. DA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — DIA/NOITE.
(As respostas vão se traduzindo simultaneamente à sonoridade dos zunidos fricativos).

HERMANN — Por que querem respostas? Por que sugerem respostas, se parecem saber tudo sobre nós? — Mais que irritado ele mostra-se irrequieto. Perturbado.

ROSSI LEE (dirigindo-se a HERMANN) — Pegue leve. Você não está em condições de fazer ameaças.

ADRIANE TAUIL — Partes da espécie humana atual deseja fazer-se prevalecer sobre outros grupos populacionais pela força de arsenais bélicos. Os mais armados dominam as culturas com menos recursos em armamentos tecnológicos. Essa a lei. Desde as culturas mais antigas.

ADRIANE TAUIL — Grupos sociais se impõem aos demais pela força. Os mais necessitados são forçados à aceitação das regras sociais impostas pelas minorias dos que detêm poder político. E econômico. Os desprotegidos, os faltos de recursos, estão sujeitos ao comando, à comunicação e ao controle de seus poderes. É assim que funcionam as geopolíticas.

ROSSI LEE — A essa dominação da sociedade chamam de democracia. Globalizada pela força e o poder das políticas de dominação do senhor Mercado.

— Zhauuthrissunnsnsnshissizhinkys! “Espiritualidade é simples. Não teme a peste que anda na escuridão de intenções, nem os que caem à direita e à esquerda. Somente com teus olhos verás, sem desprezo, a trágica recompensa dos ímpios”.

— Kryssshissgurrthreilhasahinsthihaj! “Praga alguma chegará às suas tendas. Pisarás o leão e a áspide. Eu os livrarei da angústia. Da derrota, da aniquilação anímica coletiva. Desde que estão inaptos a visualizar a trilha da salvação de sua espécie... Vocês não compreenderam a mais simples lição: se não vivem pela própria espécie, todos serão igualmente escravos. Seus líderes se iludem pensando que para eles haverá salvação”.


181) INT. DA CÃMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — NOITE.
(Os expedicionários ficam, por momentos, extasiados. Como se tivesse caído a ficha do acontecimento estranho no qual estão imersos).

— Xhiiishnisisiisisizonnsnsnsnt. “Sua cultura é produto de fixações patológicas. O rebanho humano semelhante a um rebanho de bisões galopando numa direção, sem que saibam para onde estão se dirigindo. Estão sempre fugindo de algo e o destino pode ser lançarem-se no abismo. A pulsão os conduz à queda. Não sabem o momento de parar e reavaliar a direção de sua força”.

— Nossa civilização precisa de mais tempo para começar a agir com racionalidade. Nossa escrita data de apenas 4000 anos. Os primeiros registros da ciência e da tecnologia datam de quatro a cinco séculos. E todos foram motivados pela posse e pela guerra. — ADRIANA busca legitimar a história sapiens.

Yhshshisiisiidiunsnsnnsiisusnsn! “Vocês não descobriram que não haverá futuro para uma cultura sem ética. Se são produtos de uma mesma raça, não há como privilegiar alguns e jogar no lixo de sua história os demais. Se não consideram salvar a todos não haverá salvação para nenhum. Querem ganhar o espaço cósmico quando as geopolíticas de seu planeta sobrevivem de ações predatórias. Sua cosmopolítica não é mais do que uma extensão desse caos cultural”.

— É o melhor que podemos realizar. — A voz de ROSSI LEE soa como uma desculpa sem consistência. — Não sabemos como fazer acontecer as coisas da cultura de outro modo.

— Lhisisihenenhhhsygwiwhshnsi. Não há transcendência nem liberdade em seu futuro enquanto espécie. A forma de progresso de sua cultura põe em risco essa parte do cosmo. Sua liberdade aparente aponta para o controle sistêmico de uma raça de escravos anímicos. Seus corações, suas mentes, suas almas estão aprisionadas pela atração eletromagnética de seu inconsciente coletivo. Tudo o que podem conseguir é ser cada vez mais e mais escravos do controle orbital luciferino. Suas almas lutam pela posse anímica dos supostamente mais fracos de sua espécie. Satã os possui como se possuem entre si.


182) INT. DA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — NOITE.
(ADRIANE TAUIL e ROSSI LEE notam que HERMANN, VASSARI e NORTON estão a sangrar pelos olhos, nariz e ouvidos. Ao ver a estranha ocorrência a jornalista pergunta):

— Por que está acontecendo com eles? Não estamos sob as mesmas influências?

(Desta vez não há sons fricativos. Eles simplesmente ouvem a mensagem):

— “Eles vieram em missão militar ultrassecreta. Vocês seriam sacrificados em prol de uma estratégia de divulgação globalizada da Expedição Norton. Um artefato nuclear estaria aqui em duas horas e meia após NORTON comunicar as coordenadas de acesso a este lugar. Um comando militar traiçoeiramente denominado “A Última Pá De Cal Sobre O III° Reich” faria a detonação de um potente artefato nuclear. Seus corpos estariam a poucos metros da explosão”.

— Mas por quê? Com qual finalidade? Pergunta ROSSI LEE.

— “Promover contaminação ambiental por radiação induzida. Tirar os nativos de suas reservas ecológicas alegando que em conjuntos habitacionais construídos nas periferias de cidades vizinhas estariam seguros e protegidos da contaminação radioativa”.

— “Os locais ricos em minérios estariam posteriormente liberados para a exploração de companhias extrativistas de minérios. Haveria a ocupação da Amazônia por um Comitê de Defesa do Ecossistema administrado por uma comissão de preservação do meio ambiente, gerida pela ONU”.


183) INT. DA CÂMARA TUBO CILÍNDRICO HIPERBÁRICO, INTERFACE ENTRE DOIS AMBIENTES DISTINTOS — NOITE.
(As CRIANÇAS vão desaparecendo aos poucos como se estivessem sendo teletransportadas para Outro lugar. As duas que ficam, pegam TAUIL e ROSSI LEE pelas mãos e os conduzem a um nicho no qual estão quatro assentos).

O casal de jornalistas lembra que NORTON, VASSARI e HERMANN ficaram para trás. E logo surge a mensagem em suas mentes:

— Estejam tranquilos. Vocês terão notícias deles.

(Após estarem confortáveis nos assentos eles ouvem uma sonoridade grave lenta e intensa, como se fosse o sibilar de uma lendária e formidável anaconda).


184) EXT. QUARTO DE HOTEL. CIDADE DE BARRA DO GARÇAS — DIA.
TAUIL — (abrindo os olhos numa expressão de horror, grita, assustando os idosos em sua volta.) — Nãaãaããooooaaaoãao! NananaÃooooAãaooooo. A sonoridade de seu berro traduz um terror atroz: NÃOÃOÃOAOÃOAOÃOÃAOÃAOAAÃOÃAOÃAO!

(O grito ecoa e reverbera. PESSOAS de localidades próximas parecem ouvir a terrível aberração sonora que se dispersa no ar a partir da profundidade do berro pânico de ADRIANE TAUIL).

1ª IDOSA (tentando acalmá-la) — Calma, querida, você agora está bem. Só precisa se acalmar.

TAUIL — (a sensação de uma solidão impetuosa afirma-se em sua percepção. Sentando-se da cama ela põe as mãos dos lados da cabeça) — Aconteceu. Aconteceu mesmo. Como essa coisa pôde acontecer? — (olhando para as mulheres ao redor, ela exclama) — Não há mais juventude na Terra. Há apenas idosos, não é?

2ª IDOSA — Não é bem assim, minha filha, agora temos vocês (risos).


185) EXT. TERRAÇO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS — DIA.
ROSSI LEE (não consegue explicar a si mesmo por que está tão amedrontado, angustiado, solitário0. Ele vê TAUIL chegar até ele e abraçá-lo. Sob as vistas de idosos, de ambos os sexos, que não contêm a curiosidade mórbida).

ADRIANE TAUIL (ainda abraçada a ROSSI LEE) — Não pode ter acontecido mesmo. É tão demasiadamente absurdo. Inacreditável!

IDOSO (dirigindo-se para eles em tom de chiste) — Melhor vocês subirem para o quarto. Pega mal fazer isso em público.

IDOSA (amigável e sorridente) — Vocês vão ter de se habituar à curiosidade inesgotável das pessoas. Elas há tempo não veem ninguém tão jovem.

IDOSO — Vocês são chamados de Adâo & Eva fim dos tempos, Casal Adâmico.

IDOSA — Adão & Eva pós Idade das Trevas. (Sorrindo) — É tão bom ver vocês...! Tê-los por perto. Essa sensação de que poderá haver outra vez um futuro para a espécie humana.

IDOSO — (olhando interrogativo para ADRIANE TAUIL) — Você também não pode gestar?


186) EXT. SALA DE ESTAR DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS — DIA.
(Os idosos conversam entre si. Tentam achar uma explicação para a presença do casal adâmico. Que vieram fazer na Terra pós-amblose disforme? Que poderiam fazer? Exceto curtir essa ociosidade fim dos tempos? As perguntas buscam uma resposta!).
1ª IDOSA — Vocês, quando foram trazidos pelos monges do povo muito Antigo hibernaram ainda 72 horas. Pensei até que não fossem despertar.

2ª IDOSA — Não fosse pela leve respiração, quem diria que iriam acordar um dia? (Risos).

1° IDOSO — Vocês vão ter de exercitar muita paciência. Não vão faltar romeiros que queiram vê-los vindo das proximidades. A curiosidade geral é grande.

2° IDOSO — Muito grande. Mesmo. Como podem ser tão jovens? Os monges largaram vocês aqui e sumiram. Quem sabe para onde. Para suas cidades subterrâneas.

3ª IDOSA — Ou em direção às estrelas. — Ele (apontando para ROSSI LEE num gestual de cabeça) estranhamente, estava com muita fome.

4ª IDOSA — Parece não ter visto comida a maior parte da vida (risos). Nesse momento o estômago de TAUIL roncou alto (mais risos).

ROSSI LEE — Pelo visto, os efeitos da amblose disforme foram devastadores.

TAUIL — O planeta se transformou num campus geriátrico.

3ª IDOSA — É incrível. Vocês parecem ter pouco mais de trinta anos. Se tanto.

2° IDOSO — Hibernaram numa nave durante uns quarenta, talvez cinquenta. À velocidade próxima à da luz. Aquela história da teoria da relatividade.


187) EXT. PÁTIO DO HOTEL. BARRA DO GARÇAS — NOITE.
(TAUIL está a visualizar a abóbada celeste. Alguns pontos luminosos são vistos como se fossem meteoritos indo em direção contrária. Ou seja: afastando-se da Terra). De repente desaparecem como se captados por um satélite invisível.

1ª IDOSA — Num filme da TV-Full-Time vimos que esses “meteoritos ao contrário”, são almas ou grupo de “faíscas quânticas” querendo sair do campo gravitacional da Terra. Mas a “velocidade de escape” delas é insuficiente. Após a tentativa desesperada e frustrada de libertarem-se em direção a “outras moradas do Pai”, são capturadas pelo magnetismo anímico da “lua simétrica invisível”. Um portal com bilhões de nichos do tamanho de nanômetros.

(Enquanto as pessoas narram os acontecimentos, a tela plugada na “TV-ghost” mostra o momento em que essas mesmas pessoas estiveram visualizando o mesmo).

1° IDOSO — O campo gravitacional no interior de cada nicho-nanômetro é tão intenso, que aprisiona para sempre as “faíscas quânticas”, não permitindo que venham a tornarem-se livres desse portal que é parte da nave intergaláctica de Satã. Esta é parte da luta definitiva, apocalíptica, que se travou entre as forças polarizadas do bem e do mal. Com ganho de causa para o “campo unificado de Satã”.

2° IDOSO — Sob a dominação das leis globalizadas do Mercado, as pessoas pensavam e agiam unicamente com o objetivo de consumir mercadorias. Gerar lucros, acumular bens e riquezas. Não havia na Terra valores a preservar. Exceto o “fator econômico”.

3° IDOSO — E o que dizer dos dias de hoje? Da política dos “spas” que capturavam os “hot-dogs” para fazer cosméticos deles?

2ª IDOSA — Quem quer que gerasse lucro, não importava como... 3ª IDOSA se traficando, matando, fabricando armas, comercializando drogas, assassinando, prostituindo... 1° IDOSO... enganando, ganhando bilhões de verdinhas com a invasão política e econômica de países, em qualquer lugar do planeta, era bem-vindo à comunidade econômica das nações.

2° IDOSO — O advento da “amblose disforme” parece ter terminado com essa farra...

1ª IDOSA — Talvez não (olhando para TAUIL E ROSSI LEE) — vocês não estão vendo esse casal de brotinhos pronto para povoar o mundo outra vez? (Risos, muito risos).
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 23/12/2012
Alterado em 02/02/2013


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