Textos

Escritores Da Liberdade No Planeta Do Dr. Moreau
Numa turma onde se reúne a fina flor da marginalidade de uma escola pública, onde os alunos exercem pressão uns contra os outros, e ao mesmo tempo são hostilizados por professores e estudantes de outras classes da escola, uma professora resolve exercer seu ofício, promovendo a autoestima entre eles.

A professora sabe que não é possível transmitir conteúdos didáticos para pessoas que estão em plena luta contra suas condições precárias de vida em família, em bairros cercados por grupos de traficantes que exercem aliciamento violento dos moradores instados a trabalhar para o tráfico.

Professora e alunos convivendo numa estrutura burocrática regida pela meritocracia educacional nos padrões formais de uma hierarquia na qual os mais estruturados fazem de tudo para minar as condições dos que estão abaixo, de forma a garantir as mordomias oficiais e estigmatizar ainda mais os alunos e a professora que tenta fazer um trabalho de ressarcir o amor-próprio perdido pelos membros da classe.

É preciso matar um leão todos os dias na arena dos césares sob o olhar atento da galera nas arquibancadas dos estádios. Ontem era o circo do Coliseu. Hoje é o circo do futebol.  

A professora, para manter o direito de fazer por onde outros professores e a diretoria de ensino contribuam minimamente com seu trabalho frente aos alunos considerados irrecuperáveis e, por isso mesmo detestada e hostilizada pelos outros membros da escola.

Ao somar-se a outros filmes que enfocam problemas com uma educação obsoleta, centrada em paradigmas e padrões educacionais que visam manter as coisas como estão, e as estruturas ditas educacionais funcionando a pleno vapor em prol da ignorância proposital e perversa da história de vida dos alunos, “Os Escritores Da Liberdade” soma-se a outras produções no gênero tipo “Sociedade Dos Poetas Mortos”, “A Corrente Do Bem”, “ O Triunfo”, “Meu Mestre, Minha Vida, “A Onda”, "Entre Os Muros Da Escola". Entre outros.

A história gira em torno da personagem real Erin Gruwell (Hillary Swank) egressa de empresas privadas nas quais não via nenhuma possibilidade de promoção pessoal, resolve investir na classe dos desajustados com origens étnicas diversas:

Orientais, asiáticos, “nordestinos”, latinos, negros, vítimas contumazes da intolerância de grupos nativos sempre dispostos a hostilizá-los. Ou a usá-los como massa de manobra para seus interesses escusos: prostituição e tráfico. Principalmente.

Liberdade não é um valor que possa ser embrulhado em papel de presente. Precisa ser ganha para ser valorizada. Quem esperar ganhá-la de mão beijada como presente de aniversário ou de papai Noel vai ficar pastando uma eternidade. De espera. Inútil.

A luta pela autonomia e a autoinserção social é uma tarefa pessoal mítica. Para pessoas provenientes de estratos sociais desprivilegiados. Poucos conseguem. No plano coletivo fica mais fácil. No pessoal é quase que impossível.

Ao instigar as forças de compensação e o exercício simultâneo de obrigações recíprocas, a professora desperta na rapaziada a possibilidade há muito adormecida de se responsabilizarem por atitudes que podem mudar suas vidas. E concederem um sentido de dignidade a elas. Vidas.

A intolerância é um fenômeno cultural dos mais covardes. As pessoas que a exercem são vítimas inconscientes dela. E compensam esse estado de vitimados, repassando-o para pessoas e grupos ainda mais carentes.  A única saída para a turma é sair fora da atitude de “coitadinhos” e partirem para a criação de condições nas quais possam ser agentes de iniciativas próprias. Exemplo:

A criação de textos a partir dos quais expõem suas mazelas sem meias palavras. A literatura enquanto linguagem de expressão psicosóciocultural. Uma espécie de atalho em direção à busca, ao achado e à exposição de conteúdos traumáticos da psique. Pessoal. Coletiva. Ao encarar suas verdades pessoais, acham o Graal da identificação coletiva.

Como são vítimas diretas ou indiretas das tentativas de aliciação de gangues de bairro, a professora os conduz a uma visita ao museu da grande gangue nazista que na Alemanha das décadas de 30/40 promoveu o genocídio conhecido por Holocausto. A mestra os instigou à leitura do livro “O Diário De Anne Frank”.

O objetivo: sugerir deles, membros da turma, uma certa identificação social com aquelas personagens que nos campos de concentração nazistas estavam submersos numa condição dantesca de prisioneiros políticos sofrendo todo tipo de barbaridades. Usados e abusados como se fossem ratos de laboratório do “Dr. Hitler Moreau” sob a gestão da Gestapo e das tropas SS.

Uma certa empatia logo se fez presente. E os alunos, por iniciativa deles mesmos, se mobilizaram para trazer uma senhora habitante da residência onde fora efetuada a prisão da personagem Anne Frank, sobrevivente dos campos de concentração nazistas da II Guerra Mundial. Ela faz a palestra e interage com os membros da classe.

Os alunos da classe problema começam a aparecer na escola como agentes responsáveis por sua própria recuperação num ambiente escolar hostil. Ainda assim conseguem realizar a ponte entre gerações distantes que se comunicam e apresentam o mundo presente como resultante de influências do mundo passado.

O exercício de ler e escrever enquanto parte de uma liberação das algemas da Gestapo que ainda lhes prendem os pulsos. Afinal o nazismo ganhou a guerra repassando seus paradigmas às políticas sociais e econômicas (educacionais) dos Aliados. Essas políticas estão vigentes. Hoje. Camufladas sob o apelido de democracia. Como se não fossem heranças a viger do III Reich.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 11/04/2012
Alterado em 24/07/2012


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