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A Jovem Paulistana E Suas Razões Emocionais
“Num lugar onde qualquer expressão de mínima liberdade é imediata e inconscientemente censurada, você mostrou que podem existir pessoas livres”.  Eu ouvi estas frases de uma garota paulistana numa mesa do bar Riviera, que não mais existe, mas funcionava na Consolação com Paulista. A jovem mencionava uma opinião pessoal sobre meu livro romance A MOCHILEIRA (Thundra).

Talvez esta tenha sido a melhor opinião sobre este romance de estrada. No tempo em que os melhores exemplares da juventude inconformada com a prisão nos empregos e nos lares, saía para as ruas, avenidas, praças e praias das cidades do imenso litoral brasileiro, em busca de um pouco de desanuviar a cabeça. A cabeça pesada pelas imposições políticas, econômicas, ideológicas da ditadura militar nos “anos de chumbo”.

Ouvi dezenas de juízos sobre este romance. Não que ele tenha sido um bestseller. Longe disso. Acontece que seus dois mil exemplares foram distribuídos em bancas de revistas e livrarias e comercializados mano a mano nas feiras de fim de semana, nas filas de teatros e cinemas, nos eventos tipo bienais de livros. Onde o autor tinha contato diário com seus leitores, desde que se passaram meses até que os últimos exemplares fossem adquiridos.

Na realidade da tradução da opinião da jovem paulistana sobre A Mochileira, pesquei um peixe de alto-mar. Como se num barco na linha do horizonte, longe da terra, pescador de mim, no bar hoje inexistente, na época situado em frente ao também hoje de comprovada inexistência HSBC Belas Artes: Rua da Consolação, 2423, também esquina com Paulista.

Por que chamo a opinião dela, jovem paulistana, de “peixe de alto-mar”? Porque esta opinião, emitida numa mesa onde dividíamos a conversa frente a duas tulipas de chope, possui uma realidade e uma profundidade que não se traduz a rápido prazo.

— Que quero dizer com isso?

— Que não compreendi, no momento, a abrangência de seu significado. Qual? O de que São Paulo é um Estado tão impetuosamente dedicado aos horários dos cartões de ponto, à obediência de multidões às tabelas prefixadas pelas rotinas dia a dia diárias... Aos apitos, sirenes e buzinas provenientes dos celulares despertadores que não despertam, mas chamam para as horas do almoço, do lanche e do “happy-hour”.

A moça paulistana estava querendo me dizer que eu somente poderia ter criado literariamente aquelas personagens livres desses horários, se as tivesse considerado enquanto representações exclusivas do mundo da ficção. Da obra de arte literária.

Aquela juventude “On the Road” nacional, não poderia, jamais, existir na realidade das limitações de uma cultura voltada exclusivamente para o cumprimento das rotinas mecânicas exigidas pelos compromissos do salário. Aquela adolescente paulistana mostrava na expressão do rosto iluminado pela descoberta de uma verdade interior incontestável, que gostaria de ter participado daquela realidade de ficção.

Ela estava me dizendo que, segundo sua competente avaliação, não poderia, de modo algum, existir, na realidade das rotinas de trabalho e dominação a que eram submetidas as jovens e os rapazes sob a implacável tutela de uma “educação” voltada para a escravização mental, física e emocional do ganha-pão, uma parcela da juventude paulistana e paulista que tivesse ousado saltar o muro da vergonha existente entre as instâncias da dominação oficial estabelecidas (educação familiar, escolar, acadêmica, necessidade de obediência aos ditames da sobrevivência) e a realização de um sonho de liberdade.

A liberdade sugerida pelas vivências dos personagens do livro A Mochileira, era, para ela, moça paulistana, uma impossibilidade de realização inacreditável. Pela expressão admirada, iluminada, que emanava de suas faces como se estivesse a vivenciar uma epifania literária, ela estava dizendo também que, se eles, seus contemporâneos de juventude "On the Road", tivessem realmente existido, ela não teria perdido a oportunidade de ser livre, mesmo que por alguns dias, semanas ou meses.

A jovem paulistana estava a desejar que eu dissesse que ela não havia perdido o trem da história, que aquele contexto histórico dos anos sessenta (“a década que não terminou”), no Brasil vivido na década de setenta, deveria acontecer outra vez. Ela gostaria de poder vivenciar sua juventude entre pessoas de uma geração que souberam valorizar a idade cronológica da mocidade.

Ela, a moça paulistana, estava me dizendo que não queria, de modo algum, morrer sem ter sido jovem um dia. Sem uma memória ou uma recordação que não fosse inserida nos padrões da vida subjugada pelas rotinas de afazeres mergulhados na maresia da submissão. Ela estava nitidamente emocionada com a possibilidade dela também viver uma vida na qual fosse possível exercitar palavras, pensamentos e vivências fora do ciclo fechado da subordinação das rotinas da carteira profissional.

Ela estava me dizendo nas entrelinhas da conversa de bar, que queria, ela também, uma vida física, afetiva, emocional (mesmo que provisória) que pudesse ter sido vivida fora dos padrões de exigências da submissão familiar, acadêmica, social, profissional.

A moça paulistana talvez estivesse querendo que eu dissesse alguma coisa que fizesse o tempo voltar atrás. Alguma expressão mágica que a fizesse ter esperanças de que, de alguma maneira (eu não sabia como) ela pudesse vivenciar uma linha de tempo na qual pudesse falar palavras, soltar o verbo, criar condições de se dar uma oportunidade de ser uma pessoa outra, livre da rotina, ainda que provisoriamente, da cafeína antes da condução da manhã.

A juventude nela pulsava aflita cobrando existência. Ou ela seria jovem agora ou nunca mais poderia saber o que isso significa. Ela também gostaria de fornecer-se a oportunidade de ver de longe, no saudável distanciamento das barracas nos acampamentos "hippies", a sombria escravização na qual as pessoas de sua geração eram mantidas, submersas peo modo sulamericano de vida.

Sensível e inteligente, a jovem paulistana comentou o texto no verso do livro romance A Mochileira, associando de modo pertinente o filme "A Insustentável Leveza Do Ser", que estava passando numa das seis telas do Cine Belas Artes, ao resumo no verso do livro do escritor tcheco Milan Kundera, traduzido para vários idiomas no mundo inteiro, servindo de propaganda para o modo de vida americano ao criticar a perseguição comunista aos jovens profissionais da medicina em países do Leste europeu.

Ou teria de, futuramente, recorrer ao "efeito borboleta" na esperança de modificar os estragos efetuados pelo caminho percorrido seguindo os trilhos da norma geral.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 02/09/2011
Alterado em 27/04/2012


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