Textos

Holocausto Nunca Mais —PsyCity X (Romance Neo-Pós-Moderno)
O INFERNO
SUBTERRÂNEO
DOS “PIGS”

A enfermeira entra na sala e avisa Adriane que a doutora Ariadne Tauil vai atendê-la.

— Entrem, por favor. Sempre muito solícita, a médica ergue o braço direito à frente, recolhe o antebraço numa continência militar, com os dedos da mão destra pressionando-se, ao lado da cabeça, exclama: "Fervet Opus", saudação que lembra o “Heil Hitler”.

Só então, de alguma forma, “caiu a ficha” para ela.

— Há muito tempo desejo conhecê-la, doutora Aldrian. A viagem foi cansativa? Farei tudo para que sua estadia aqui seja proveitosa. O mais possível.

Aldrian era o nome da filha de Adriane Tauil. "Estranho, pensou, quase que completamente esqueci de ter tido uma filha. Agora, não sei por quê, essa lembrança vem despertar sentimentos há tanto tempo esquecidos. Misturados a uma apreensão e ansiedade que causam grande angústia".

Perimuricá, rosto largo, cabelos negros, pele morena, o corpanzil sempre desajeitadamente empertigado, nunca se tem certeza se está sorrindo ou se a expressão aprazível da bocarra larga, é natural. Ele levanta o braço para a doutora, imitando-a. Sua cara é de quem tem de aguentar todo essa encenação pé no saco.

Adriane responde ao cumprimento da doutora, a princípio supondo ser uma senha entre médicos. Fica claro que está sendo tomada por outra pessoa. Devido às circunstâncias, prefere manter-se incógnita. A outra a chamou Aldrian, uma coincidência fortuita de nomes semelhantes. Quem é Aldrian, de onde está vindo, por que é esperada ? Lembra ter lido o artigo na sala de espera que menciona Aldrian Ostrowsky.

— Francamente, os progressos da clínica Ostrowsky são mesmo surpreendentes. A dra. Ariadne permanece entusiasmada. Com as mãos tateia para cima e para baixo a pele dos braços da recém-chegada, fixando o rosto de Adriane com certa e incontida perplexidade, enquanto belisca, por vezes com exaltada inquietação, os dedos na pele das faces de Tauil, como se querendo desmascarar uma farsa. Duvida de que a pele não tenha nada de artificial, a exemplo de enxertos sintéticos.

Com o polegar e o indicador, apalpa as orelhas da fotógrafa, passa as mãos pelos cabelos como se analisando a textura. Sempre a sorrir, manifesta uma simpatia acima do normal. Adriane devolve os sorrisos. Alguma coisa dentro dela, uma inusitada emoção, uma confusa carência, uma ansiedade inexplicável, a faz querer, num impulso, abraçar essa mulher, essa... Estranha. Esta médica, talvez nonagentária, que pode ser sua filha. Sua neta.

— Romenos são realmente insuperáveis. A médica mostra-se admirada. Em um instante o dr. Irwin Feiffer estará aqui. Ele fará as honras da clínica. I-na-cre-di-tá-vel! Exclama Ariadne ao sair. Per-fei-to. Di-vi-no, simplesmente di-vi-no. A ciência, a pesquisa científica livre do cabresto ético, pode fazer milagres pelo ser humano. Se não tivesse visto, avaliado com o tato, jamais poderia acreditar. Fiquem à vontade, se precisarem de algo disquem o 0900. A dra. Ariadne ergue efusivamente o braço direito na saudação: "Fervet Opus".

Ao ficarem a sós, nota que Perimuricá está avaliando os acontecimentos. Aparência de vidente, Xamã do Xingu, como é conhecido entre os seus, com livre acesso entre a natureza humana e a sobrenatural. Do alto do porte rotundo, a expressão, talvez, não sabe ao certo, se de tensa expectativa ou se de suprema beatitude. Atrás da poltrona da doutora, um retângulo emoldura a citação de Hobbes: Bellum omnium contra omnes: “A guerra de todos contra todos”.

— Viagem de navio costuma fazê-la enjoar dra. Aldrian, não é mesmo?

— "Fervet Opus". Dr. Feiffer adentra a sala, a saudação prontamente respondida por ela. Perimuricá, calado, apenas levanta o braço lentamente, a olhar com enfado. Adriane simplesmente vai a reboque dos acontecimentos.

— Deus, vocês avançaram muito, as novidades devem ser realmente fantásticas. Dr. Feiffer não cansa de admirar, por vezes com assombro, a textura “quase juvenil” da pele de Adriane. Extasia-se diante do que denomina de “grande qualidade epidérmica”, enquanto manuseia, impulsionado por uma curiosidade incontida, com surpresa e espanto, os membros de Tauil, mesmo os que estão sob a proteção da roupa.

— Doutor Feiffer, por favor, não vê que senhor está sendo incômodo, inconveniente ?

— Desculpe doutora Aldrian, os avanços da equipe Ostrowsky são realmente fantásticos. Ele olha para Perimuricá tentando ser simpático. Tudo que consegue é mostrar-se muito excitado. O índio esboça uma careta como quem diz: "Como você consegue ser tão desprezível"?

— O guarda-costas, doutora, vai nos acompanhar à inspeção?

— Ele nunca fica distante de mim. São ordens. Perimuricá desta vez parece sorri larga e ironicamente para ela.

— Acompanhem-me, por favor. Adriane, Perimuricá e Feiffer, descem alguns degraus, entram num pequeno hall, um elevador industrial os conduz ao sexto nível, no subsolo. Adriane não está à vontade e recosta-se no tórax do “guarda-costas”. Feiffer, detrás dos óculos, olha para ela e depois para o índio, como se a censurar tamanha intimidade.

Peri faz uma expressão de quem está à vontade com Adriane, e pousa a mão esquerda em seu ombro, abraçando-a carinhosamente. O médico mexe várias vezes na armação dos óculos no nariz, para cima e para baixo. Feiffer está nervoso, o dedo indicador inquieto, parece tentando concentrar-se em algo. Não consegue atinar o quê. As idéias estão dispersas. A impertinente e incômoda presença de muito ruído psi atrapalha as tentativas de concentração. Pressente algo de muito errado, não sabe o quê.

Chegam no sexto subnível da clínica. Dr. Feiffer os conduz a um laboratório onde são processados líquens e se fazem estudos da associação dos mesmos com um fungo superior, e com algas que se reproduzem sobre rochas e esporos fúngicos, com multiplicação vegetativa por sorédios.

— Deles, prossegue o médico, como a senhora sabe, são produzidos os ácidos liquênicos... No passado, uma grande quantidade de antibióticos: substâncias de sustentação, após as aplicações do soro hepático.

Adriane se interroga: “Se eu sei, como ele diz, por que está explicando todo o processo? Talvez seja o procedimento rotineiro”.

Entram em outra sala, na qual três dezenas de câmaras, umas horizontais, outras mais verticais, cilíndricas, rotativas, contendo dois exemplares humanos, cada uma, de "hot-dogs" aprisionados ao longo do eixo metálico central. Eles giram lentamente como frangos numa máquina de assar, as espinhas dorsais ligadas a um dessalinizador com trinta e três nichos, um para cada vértebra da coluna espinhal.

A diferença entre os hot-dogs e os frangos nas máquinas elétricas de assar, é que não estão literalmente espetados, mas presos ao eixo central. A tecnologia é muito avançada, o “Reich dos Mil Anos” está, supostamente, a caminho da longevidade. O antigo mundo mudou, mas ficaram as sequelas da exploração impulsiva cromagnon do Homo sapiens/demens sapiens por seus semelhantes.

Tauil e Perimuricá não precisam de explicações. A inacreditável tendência à tortura como compensação de suas demências endêmicas, fizeram a Guerra-Fria voltar, não entre dois blocos políticos e ideológicos que se enfrentam, mas entre seres humanos, pessoas, próximas umas das outras. Umas, lutando fanaticamente por uma quimera fantasiosa: a expansão cronológica dos limites de sobrevivência da idade avançada. Outras combatem os "spas" porque tiveram parentes e conhecidos, vítimas de suas experiências “alquímicas”, demenciais, em direção à realização mítica do sonho do soro da juventude.

Tauil observa atentamente: A metade do lado direito da câmara contém painéis luminosos que indicam a progressão lenta do estado mórbido, comatoso, prolongado, dos “pacientes”. A outra metade é transparente: os “hot-dogs” podem ser observados por ela. No rosto deles uma focinheira ligada ao oxigênio, posicionada numa reentrância giratória anexa aos lados da câmara. E um depósito de água ligado por um tubo ao esôfago, mantém hidratados os corpos. Ao aproximarem-se das câmaras inevitável sentir um odor intenso e sulfúreo de enxofre.

Doutor Feiffer prossegue explicando os processos químicos, através dos quais o humor aquoso peculiar das glândulas sudoríparas expele, através dos poros da pele, as secreções, por vezes viscosas, que exulam das fadigas orgânicas dos "hot-dogs".

— Quando mais resinosos os líquenes, melhores os resultados dos medicamentos e cosméticos geriátricos fabricados para manter a aparência da pele jovem. Os comentários científicos de Feiffer soam aos ouvidos horrorizados de Adriane, como se ele não fosse humano. Como se este médico fosse incapaz de qualquer mínima empatia com aqueles seres padecendo indizíveis horrores, para manterem, aparentemente mais jovens, por mais tempo, a viciosa vaidade dos "pigs".

— Infelizmente, nesta fase, quando a extrapolação orgânica do fígado já foi extirpada, eles não duram muito tempo. Três horas após a morte cerebral, não se podem utilizar mais nenhum dos subprodutos químicos das secreções. Afirma, não sem uma ponta de soberba, o doutor Feiffer.

Adriane não tem condições de continuar vendo e ouvindo as barbaridades desse “médico”. Ele por certo deve ter muitos argumentos “científicos” para esnobar o código de deontologia médica legado por Hipócrates a seus discípulos.

— Os médicos juravam cumprir. “Infelizmente, a maioria deles apenas jurou”.

— Como? Por favor, repita, não a ouvi.

— Ahã, claro, não foi nada. Estava falando comigo, um pouco alto demais.

Perimuricá faz uma careta de desaprovação, como quem comenta: "A barra desse lugar é muito pesada. Não tarda eles vão descobrir que você não é a pessoa que pensam ser. Aí a cobra vai fumar".

Tauil busca forças para conter todo asco e aversão à tonalidade compenetrada dessa voz subserviente, vaidosa, narcísica, afetada e necrófila, do doutor Feiffer.

O mal-estar cresce quando ela segue por um longo corredor, às pressas, acompanhando de perto o dr. Feiffer de volta à grade de entrada do enorme elevador industrial. Ele foi chamado com urgência, teriam descoberto sua identidade? Estariam sendo identificados intrusos?


O RESGATE DE TAUIL
E PERIMURICÁ
PELOS “HOTS”

Enquanto caminham apressadamente pelas galerias, os olhos esbugalhados de repugnância, contêm algumas lágrimas. Olham as imitações de seres humanos, os hot-dogs por trás das grades, a pele brilhando de suor antígeno (anticorpos que combatem o envelhecimento das células), produzido para os "pig-spas". Tauil pára para observar, por momentos, a mórbida luminosidade azulada, do outro lado das grades das celas coletivas. É pega pelo braço por Perimuricá. Suave e vigorosamente ele sugere que ela se apresse.

Tauil pode ouvir a lentidão dos passos dos que se aproximam das grades. Alguns "hots" caminham mui devagar, como se seus gestos se desdobrassem num tempo paralelo, em câmera lenta. Ela aproxima-se para melhor vê-los. Sabe ser uma curiosidade mórbida, mas não pode evitar. Perimuricá, ao lado, encosta-se, por segundos, as mãos crispadas seguram as grades que os separam dos "hot-dogs" prisioneiros do "spa" Ostrowsky & Tauil.

Ela gostaria de trocar algumas palavras com eles. Mas deles saem apenas sons incompreensíveis, murmurantes, mal-assombrados, mortificados, tronchos. Perimuricá solicita, ao pegar novamente no braço de Adriane, que ela venha logo. Estão se distanciando muito de Feiffer. O médico insiste para que se apressem:

— Venham logo, caminhem mais depressa.

           Adriane lembra nitidamente das frases do “Livro de Figuras” de Alberto Rangel:

           "Belial empinava-se na montanha de escórias
           fumegantes e sulfúreas
           bem ao centro do reino de gritos e estertores
           onde Éris, a Discórdia
           dominava os infernos."

As frases vêm de muito, muito longe, de uma memória antiga que volta a estar próxima através de uma mecânica psi de simultaneidade. Esses seres humanos, vistos dentro desses galpões, através das grades, não passam de escórias fumegantes e sulfúreas, gritos e estertores que não conseguem sair da garganta dos hots prisioneiros: ouvem-se sons ininteligíveis, tartamudeantes, inimputáveis, provenientes de um desespero intraduzível, de uma situação desumana, de absoluta iniquidade: Dantesca. Satânica. Medonha. Horrenda.

Estampidos de rajadas de metralhadoras se fazem ouvir, tiros de pistolas e revólveres. Adriane imagina está havendo treinamento em stand de tiro. Peri sorri enquanto repete:

— Chuva, chuva.

— "Que quer ele dizer com isso"? Pergunta-se Adriane. Não pode estar sabendo se está ou não chovendo, estamos no sexto subsolo. Ou está mencionando uma chuva de chumbo grosso?

Feiffer corre enquanto berra:

— Depressa, precisamos sair daqui. Entram no elevador que começa a subir lentamente, a porta aberta. Entre o quinto e o quarto pavimento ascendente, Charles Brown puxa o braço de Rossi:

— Venha logo, não há muito tempo. Saltam sobre o teto e abrem uma portinhola de acesso ao interior do elevador. Feiffer, sentindo-se ameaçado, berra:

— Esses malditos "dogs", estamos sendo invadidos. O médico abre um escaninho de metal na parede interna do elator, tira um bastão na extremidade do qual, o choque de impacto é acionado, quando em contato com outro corpo.

— Os “dogs” estão nos invadindo, alerta Feiffer outra vez.
Charles Brown salta para dentro do elevador e esquiva-se do primeiro golpe, enquanto pergunta:

— Você é Adriane, a mulher de Rossi! Viemos libertá-la! Feiffer, outra vez, quase consegue acertá-lo. Atingido numa segunda tentativa, metade do corpo de Bronw é arremessada para fora. Para não ser esmagado pelo movimento do elevador em ascensão, ele salta da borda para o piso externo.

Brown reage aos espasmos, o medo de cair prisioneiro dos "pigs" é simplesmente superlativo. Mas seu ódio é maior. Recupera-se do choque e corre em direção às escadas. Meio trôpego alcança o elevador muito lento, e consegue saltar outra vez para dentro, com a ajuda de Peri, que se esquiva ativamente dos ataques da adaga elétrica do médico.

Feiffer acerta a ponta do bastão no braço de Peri. O índio sente o impacto, parece imobilizar-se por segundos, enquanto tenta um novo golpe. Charles Brown joga-se sobre ele, segurando-lhe o pulso e o impulso criminoso, a meio caminho de atingir o índio pela segunda vez. Peri, imóvel, apenas olha, estagnado como uma estátua que, de repente, pudesse ganhar vida. Aproxima-se um passo em direção ao Charles que está para ser atingido uma terceira vez.

As luzes internas piscam e voltam a acender, enquanto o elevador retoma, ora a subida, ora a descida, conforme golpeiam os controles manuais, ao atingirem os mesmos.

"Fervet Opus", lê-se o slogan do spa, em letras estilizadas, inscritas em preto, em meio a uma bandeira vermelha, comprida, vincada nas extremidades, dentro de uma das salas de exercícios que se faz visível de dentro do ascensor. Na luta que se trava, Brown arranca um cartaz de dentro do elevador, que fazia a propaganda por consumo de cremes para a pele, bronzeadores, chás, refrigerantes, comprimidos, tudo com a marca globalizada dos produtos exclusivos das clínicas Ostrovsky & AnaTauil. Comercializavam via Internet.

Outra vez o elevador pára súbito em resposta da mancha digital do painel, atingida pela mão de Feiffer. Ele tira da reta a cabeça, no momento que seu opositor atinge com um golpe, os controles da geringonça tecnológica à antiga. Outra vez quase é atingido com a ponta da arma de choque.

Perimuricá havia caído de joelhos após um golpe lateral do bastão na mão de Feiffer. A aparência de quem não havia se recuperado do choque elétrico anterior ao choque lateral, levanta-se, enquanto com a palma da manopla direita entrepernas, agarra os bagos de Feiffer por trás, enquanto ergue os joelhos do adversário do chão, alavancando-os em direção à nuca, para cima.

Um petardo talvez não fizesse o mesmo efeito. Peri puxa para si o braço que funciona como uma alavanca. Os membros inferiores do médico projetam-se, enquanto o peso do tronco, sem o apoio das pernas, faz com que o corpo vire numa cambalhota involuntária, as pernas impulsionadas simultaneamente para cima, para trás, e outra vez para frente. Completo o salto mortal, cai com violência, desaba no chão como um pesado fantoche: o tronco esparramado, de bruços, a cabeça entre os pés do índio.

Após girar sobre si mesmo, bate com estrondo, de cara, no piso. O supercílio direito de Feiffer abre-se, ele começa a sangrar pela boca, por força dos dentes quebrados, e pelo nariz. Brown pega o bastão, puxa os cabelos longos e lisos do médico. Feiffer ainda se debate com firmeza, com um golpe de perna, mesmo caído de bruços, atinge com o calcanhar as costas de Brown. Ao levantar-se o doutor é fustigado várias vezes no tórax pela extremidade de choque do bastão.

Entre espasmos e convulsões, Feiffer treme-treme até perder os sentidos. Brown acompanha tudo, fazendo uma careta de menosprezo e aprovação: Morre, porco imundo, morre, maldito "pig-spa". O médico já não reage ao choque, mas a descarga elétrica prossegue atuando na extremidade do bastão seguro por Brown, indo e voltando do corpo possivelmente sem vida.

— Venha, Brown, logo, depressa. Os apelos de Rossi fazem o líder do grupo de "hot-dogs" voltar-se para eles, mas o elevador volta a funcionar e não há tempo dele saltar para fora.

Brown está possesso: a revolta, a raiva, o ódio, somatizam-se.

Poderia ter matado Feiffer com a metralhadora de mão, preferiu ficar aplicando choques. Ao parar no 2º andar, ele salta do elevador movendo rápido o pescoço para os lados, como se a intuir para onde deve dirigir-se em busca de "pig-spas" para enfrentar e combater. O ruído impertinente das sirenes doem nas orelhas. As equipes de segurança, armadas e a postos, buscam os invasores.

Guiados por outros membros do grupo de "hots" Adriane, Rossi e Perimuricá correm em direção às saídas. Os "hot-dogs" são perseguidos através de um túnel que perpassa o rombo feito com explosivos num dos andares subterrâneos por onde penetrou, para resgatá-los, a equipe de Charles Brown.

— Vocês, sigam, depressa, vão. Rossi berra, volta-se e corre, agachado, em direção ao interior do spa. Ele conta com algumas vantagens que não podem ser menosprezadas: é mais jovem, seu reflexo, em teoria, funciona melhor. Apesar de não ser treinado no uso de armas, pode perfeitamente manejá-las a curta distância. Agacha-se e pega uma metralhadora de um "pig-spa" atingido no olho direito. Com uma pistola atira no colete em direção ao chão, atingindo o "pig" morto, verifica o colete à prova de balas. Tira o colete e veste-se nele.

O feitiço por pouco não vira contra o feiticeiro: um hot-dog atira nele, confundindo-o com um inimigo.

— Sou eu, Rossi, não atire. Vamos buscar Charles Brown, ele está no andar de cima. Vamos, logo, venha. Chegar ao andar superior pelas escadas não é fácil.

Para Rossi, confiante na ação mais ágil de seus reflexos, energizado pelo comprimido sintético, ganha coragem e realiza algumas ações que até o momento não se julgava capaz. Ganha a frente dos hot-dogs, abrindo caminho entre os "pig-spas", atingindo-os na cabeça, no rosto, no pescoço, onde a proteção dos coletes à prova de bala não chega.

A audácia por pouco, outra vez, não cobra sua vida. A metralhadora emperra, a pistola está descarregada. Um "pig-spa" aponta para sua cabeça e atira, enquanto ele recua e se joga no chão. Não foi atingido, mas agora com a aproximação do inimigo, poderá ser. Não há tempo para se levantar e correr. Um hot-dog chega ao local e dispara a queima-roupa no "pig" quando Rossi, indefeso, não mais contava salvar-se.

A adrenalina à mil. O resgate de Adriane e Perimuricá, virou ofensiva suicida. Sente-se irado, provisoriamente, mais líder do grupo do que o próprio Charles Brown. Os outros "hots", vendo o exemplo de Rossi, imitam-no, vestindo os coletes à prova de bala dos "spas" mortalmente atingidos.

O ataque relâmpago, de surpresa, está mostrando resultados. Os "pigs", por algum motivo que lhes escapa, deveriam estar mais guarnecidos, mas não estão. A noite de tempestade, com raios e trovões, permitiu a explosão da parede do spa e a infiltração dos "dogs", sem que fossem logo percebidos. Exceto a poucos momentos, os alarmes começaram a zoar.

Através dos corredores onde se encontram as enormes jaulas, sentem o odor das peles suadas, mantidas nessas prisões amplas, à temperaturas constantes entre 40º/45º centígrados. A revolta transforma-se em ódio. O ódio em perigoso sentimento de vingança. A turma de Charles Brown luta como "Os Sete Samurais" do filme, muito antigo, de Kurosawa. E a sorte está com eles. A quantidade de inimigos é maior. Devem sair logo desse lugar, antes que aumente a dificuldade. Os "pigs" devem ter pedido reforços.
À força armada.

Finalmente chegam até onde está Charles Brown, ferido por estilhaços no ombro, um na perna e outro no peito, no interior de uma sala de controle eletrônico envidraçada. Rossi lança uma rajada de metralhadora na parede de vidro que se estilhaça com a sucessão de outras rajadas dos que estão com ele. Os "pigs", do outro lado, imaginam que conseguiram cercar Charles Brown e invadem o recinto atirando nele.

Os "pigs" são recebidos por rajadas de projéteis nos membros superiores, pelos "hot-dogs" que entram pelo lado oposto do recinto. A violência do impacto faz com que pernas e pés patinem no ar, enquanto a parte superior de seus corpos desaba para trás, com violência despencam no solo. As cabeças caem em direção ao chão. Cli, clic, Charles Brown, clic, clic, clic, sem munição, ainda aperta os gatilhos, quando é puxado para fora, por cima dos milhares de estilhaços de vidro, rumo à saída. Os "pigs" não atingidos mortalmente recuam.

— Os controles... Acionem os controles, Charles Brown insiste: abram as grades, as jaulas, livrem os prisioneiros. Rossi percebe-se na sala de controle dos movimentos das portas de aço, atrás das quais são mantidos prisioneiros centenas de "hot-dogs". Elas podem ser abertas. Após rápida análise dos botões, "made in England", ele aciona a abertura eletrônica.

Pelos monitores vêem os portões abrindo. Alguns "hot-dogs" que estão mais próximos a eles, chamam outros que parecem apáticos, a sentarem-se vagarosamente nas centenas de beliches nos quais estavam prostrados. Levantam-se, motivados pela informação de que devem se dirigir até o rombo na parede, em certo local estrategicamente destacado do pavimento térreo.

Os caminhões protegidos por lonas da cor verde-oliva, começam a chegar com reforços para os "pig-spas". Sob comando de oficiais, os soldados penetram no spa pelo portão lateral aberto, em frente ao qual se descortina a paisagem do Parque do Ibirapuera, próximo ao monumento em homenagem aos Bandeirantes. Vieram restabelecer a lei e a ordem na propriedade privada do spa, invadida pelos “vândalos hot-dogs". Os retardatários que esboçam reação são simplesmente escorraçados dos corredores, de volta ao interior das jaulas.

Parte minoritária consegue fugir. A maioria, os mais lentos, sem condições psicológicas para manter uma atitude consciente, de vigília, abatidos pela falta de vontade, de desejos, de ânimo, as esperanças sem consistência, vencidos pelo abatimento e pelo delírio, são massacrados pelos policiais. Os que nem sequer se deslocam dos beliches, são poupados pela insânia covarde dos polícias. 111 "dogs", dos que se encontravam no interior das celas, foram mortos traiçoeiraemente, a sangue-frio. Estavam desarmados e indefesos.

             — Os poderosos são sempre covardes. O poder corrompe, perverte, desmoraliza. Charles Brown consegue dizer para Rossi, com muita raiva.

Adriane e Rossi são conduzidos de volta ao clube. Estão retirando de Charles Brown as balas com que foi atingido. Zeca Zumbi, o apelido vem porque nunca ninguém viu Zeca dormir, está eufórico. Proclama à Tauil e a Rossi:

— Vocês vêem, idosos podem ser fogosos. Ainda damos para o gasto, estão sabendo? Que acham vocês?

— Foi incrível, eu não sabia o que fazer. Eles me tratando como se eu fosse outra pessoa. Chorando, Tauil divide seu segredo e suas mágoas ao exclamar, emocionada:

— Meu Deus, aquela monstruosidade, minha filha? Neta? E chora, soluça, entra em crise de pranto.

Rossi a abraça:

— Fica calma, está tudo bem, o pior já passou.

Uma senhora aproxima-se dela com uma cápsula:

— Tome, você vai dormir, vai lhe fazer bem. Nesse lugar, pensa Rossi, tudo se resolve com um comprimido. Ela ingere, e em poucos momentos entra num sono agitado.

Duas semanas depois, a Igreja do Salvador dos Últimos Dias, a qual, antigamente, pertencia o pastor Antunes, promove as Olimpíadas entre as várias zonas em que estão situados os templos. Para a realização desses jogos olímpicos entre seus membros, o Conselho Central da Igreja distribui um regulamento impresso comunicando aos pastores oganizadores, com a minuta dos horários das competições e jogos de salão: Local: Centro de Treinamento da Força Armada, antiga Polícia Militar.

Na capa da minuta, vê-se o desenho central de um atleta idoso com o número 111 impresso na camiseta, homenagem ao massacre do spa, onde foram chacinados, covardemente, cento e onze hot-dogs dentro das celas. A “grande imprensa” ignora o evento interno da Igreja do Salvador dos Últimos Dias. Apesar de seus principais jornais não terem muito mais a noticiar em suas quatro páginas diárias. A Força Armada da repressão e a Igreja do Salvador dos Últimos Dias, conforme crônicas de jornais, comemoraram, através das minutas dos jogos, ou Olimpíadas, o assassinato coletivo de 111 prisioneiros "hots" no "spa" rebelado.


MAMAÉS (ESPÍRITOS)
TAMBÉM MORREM

Tauil, Rossi e Perimuricá ganham a estrada rumo às praias nordestinas, até as mais ermas e distantes do litoral piauiense. Rodam pelas vias ensolaradas, pela paisagem nostálgica, numa pick-up Ford GKS/3M, cabine dupla, Lighting, modelo WYW 125@. Pelas janelas, ao passarem por Porto Seguro, Santa Cruz e Cabrália, litoral da Bahia, toda essa beleza de paisagens lhes pareceria inútil, não fosse a presença deles. A Rossi ocorre que este pensamento é produto de um grande narcisismo. Uma variedade de milhares de milhares de espécies, usufruem a beleza e as profundezas do mar, assim como da superfície de praias e ilhas.

Poucas pessoas, por problemas de câncer de pele, se interessam em frequentá-las. Talvez porque não haja mais seios jovens, bundinhas empinadas, manequins dentes de leite, cabeleiras escovadinhas, lindinhas, limpinhas, implantes querendo mostrar-se em largos sorrisos colgates, xoxotinhas exibindo os pentelhos através das margens transparentes do bandeid. As praias se livraram do trivial variado, do frescobol, das candinhagens e exibicionismos tipo "marketpulled".

As percepções de Tauil debilitam a auto-estima. Rossi, intrigado com a sequência incongruente dos acontecimentos, pergunta-se: por quê ele? Por que ela?

Anoitece. Perimuricá sorri sozinho no banco de trás. A paranormalidade faz com que veja nitidamente os mamaés que tinham escapado dos canarinhos, gaviões, bem-te-vis, araras, tucanos, jaburus, papagaios e reiscongo. Os mamaés aparecem mais de noite, quando os passarinhos estão dormindo.

Peri contempla esses pequenos seres alados: eles podem bicar e conduzir os espíritos para o maior de todos os inimigos dos que morreram: os predadores de espíritos, as aves da rapinagem, a águia, e o gavião grande são os melhores exemplos. Mamaé (espírito), quando fica na Terra, não é eterno. Mamaé não pode ser ferido por espinho, caranguejo, sapo ou fogo. Se morrer outra vez, termina tudo. E só quem pode matá-los, devorá-los, são os pássaros. Eles não se confundem com os espíritos do tipo “faíscas quânticas”. Não são escravos de nenhum senhor, de nenhuma ideologia. Satã não tem poder sobre eles. São benfeitores da natureza, guias de animais.

             Pessoas desumanas e cruéis costumam ser favorecidas por eles quando se inserem na matéria sutil de seus pensamentos, mudando o curso de ações que seriam praticadas contra as leis mais simples dos sentimentos, da amizade e da cooperação entre os seres.

Perimuricá fica imaginando os mamaés, a sobrevida silvestre. Gostam da selva. Ao dormir cada um deles se abriga no corpo rastejante das serpentes, para não serem conduzidos ao bico das aves de rapina. Muitos morrem de uma vez por todas porque negligenciam suas defesas, são capturados por pássaros. Peri matuta sobre como vai ser difícil seu mamaé sobreviver num mundo onde os passarinhos vão crescer em quantidade, enquanto os espíritos vão diminuir cada vez mais em número, com o passar dos dias.

A companhia dos brancos serviu para ele saber que vai ser mesmo difícil seu mamaé sobreviver. Não aguentaria ficar longe das matas, viver no mundo de aço, metal, semáforos, borracha, cimento, asfalto, máquinas e vidro, do homem branco. Os mamaés não gostam do odor de carne dos que permanecem vivos, nem do cheiro proveniente dos objetos que usaram. Os espíritos dos brancos não convivem bem com os mamaés dos povos da selva.

Peri conhece um nidjienigi ou xamã, da tribo Kadiwéu do Pantanal.

O feiticeiro previu o que está acontecendo com os mamaés, e o que aconteceria com os espíritos dos brancos, aprisionados “na outra lua que não se ver”. Talvez nem tudo estivesse perdido.

           Perimuricá foi um xamã, um médico, um santo para seu povo. Poderá, talvez, ir para um lugar especial, onde seguiam os espíritos dos brancos quando saíam de seus corpos, sem vida, para um lugar muito, muito distante. Ou poderá ser levado outra vez, a nascer entre matas fechadas e selva. Ou, isso ele não sabe, no corpo de outra raça, ou mesmo num corpo de homem branco, em outra Terra, num outro lugar, dos muitíssimos lugares nos planetas entrestrelas.


A TRANSFORMAÇÃO
DE NORTON NUMA
“FAÍSCA QUÂNTICA”

Pernoitam por meses ao longo do litoral do Piauí. Os planos de seguir rumo sul/sudeste em direção às praias fluminenses foram se alterando ao sabor das influências do improviso, do repente.

O único canal de tvvisão que ainda está no ar é a tv fantasma, os "full-time movies". Talvez Lúcifer consiga levá-las até outro planeta habitado nesta Via Láctea, ou fugir em direção a outra galáxia. Tauil e Rossi têm certeza, salvo surpresa, de que serão, em pouco tempo, os últimos seres humanos vivos no planeta Terra.

Não sabem como vão reagir a essa angústia que tende, talvez, a se intensificar. Inexistem sentimentos coletivos de liberdade, igualdade, fraternidade. Inexiste esperança coletiva. É tudo muito fácil para eles. Inexiste coletividade com quem dividir direitos, deveres e responsabilidades. Estão sós neste paraíso natural, como nunca ninguém esteve. Adão e Eva neste éden neo-pós-moderno. Rossi olha para o alto e se pergunta se numa das estações orbitais ainda existem, como num aquário, alguns astronautas sobreviventes, vai saber? A tvvirtual talvez mostre isso. Que importa? Quem se interessa?

No caminho do litoral saíram de Pequenos Lençóis, Ponta das Gaivotas, Tutóia, Ilha do Coroatá de Dentro, Arpoador, do Amor, Ilha do Caju, Ponta das Canárias, dos Poldros, Pedra do Sal, Atalaia, do Coqueiro, Itaqui, Carnaubinhas, Maramar, Macapá, Barra Grande, Cajueiro da Praia. Rumamos pelo litoral do Ceará rumo a costa do Rio Grande do Norte.

Adriane observa as imagens da tvgost. Hoje ela fixou os olhos no monitor por mais tempo. Estavam na Lagoa do Caracara, próxima à praia da Barra de Tabatinga, boa para a prática do "surf".

O filme do dia narra os últimos momentos de Norton nos subterrâneos da Serra do Roncador. Um monge está ao lado dele junto a Esfinge, num grande salão onde se vêem as enormes estátuas dos chamados Guardiões Silenciosos.

— Por favor, senhor Norton, venha ao stand seguinte. Acredite, a Esfinge costuma devorar os que dela se aproximam. O senhor pode não ser uma exceção.

— Houve tempo para saber se decifro ou não, e qual meu enigma. Responde Norton. Édipo decifrou a trindade do tempo do homem. Saberei interpretar ou será por demais obscuro, difícil?

— Para cada ser, o imprevisível começa no momento em que é gerado. Apenas um embrião, e já está a vivenciar seu enigma. Quanto mais cedo compreender isso, mais chance terá de decifrá-lo. As palavras do monge soam para Norton como um desafio.

— “O estar preparado é tudo”, Norton cita a frase de Hamlet. Mal sabe ele: o cristal mental de que é feita a Esfinge já o havia devorado mil vezes vezes mil. Já havia rasteado seu código genético por milhares de gerações passadas. Ele nem suspeitava.

A Esfinge, mesmo antes de penetrar o grande "Salão dos Guardiões Silenciosos", encontrou a maneira mais adequada de vê-lo frente a frente com o que julgava ser seus pontos fortes e suas fraquezas. A Esfinge daria uma mãozinha no sentido de fazê-lo perecer através delas. Rossi se junta à Tauil na vidiação do movie do dia da tvvirtual. Ele comenta:

— Norton parece confiante demais. Talvez tenha ingerido a cápsula de alguma droga que tenha aumentado muitas vezes a autoconfiança. Norton pensa em tudo, terá pensado em comprimidos, barbitúricos e outras drogas de incentivo neural. Militar enérgico treinado na lida dos conflitos armados e em combates de guerra psicológica, está excessivamente senhor de suas atitudes. Vê-se que sua atuação crítica é tênue com relação ao lugar em que se encontra. Rossi comenta:

— Ainda não percebeu que nesse sítio, nessa guerra, nada é previsível. Tauil ouve Rossi comentar quase que num murmúrio. Os grandes olhos dela estão, não sabe bem os porquês, temerosos e atentos.

O grande salão subterrâneo exibe preciosidades impressionantes para qualquer colecionador de antiguidades.

Norton está impressionado com a aparência bizarra deste museu arqueológico perdido no subterrâneo do sertão amazônico. Vêem-se ídolos de jade encravados com pedras preciosas, armas, fetichismos bárbaros, imagens do nascimento de deuses, vasilhames, e outros utensílios do período minóico, com desenhos em alto relevo de teogonias, em pura cerâmica, tipo Cnossos. Há grande quantidade dos mais diversos objetos manufaturados por habitantes da civilização pré-incaica e por ceramistas cretenses. Há armas e jóias: taças, louças, talheres, baixelas, cinturões e escudos de cobre, prata e ouro.

Os olhos do explorador fixam fascinados uma máscara funerária semelhante à das tumbas de Micenas ou das egípcias. O olhar ávido desloca-se agora em direção à brilhante leitosidade de uma grande pérola branca dentro do encaixe de metal que se abre horizontalmente. Então esta pérola lendária não é apenas folclore “o olho dos incas” realmente existe, está aqui, diante de seu olhar perplexo de cobiça. Uma serpente de ouro com olhos intensamente verdes e a íris cor de fogo, o corpo em curva como se imitando a forma de um grande número oito, faz ele exclamar.

             — Paititi! O segredo da serpente!

Uma surpresa sucede-se à outra. A cupidez exagerada de Norton desloca-se em direção a um crânio de cristal asteca com olhos de jade. Ele comenta de si para consigo: Parece vidro soprado. Esse tipo de crânio tem propriedades mediúnicas e premonitórias, que podem ser largamente exploradas por quem o detém entremãos.

A transparência de uma adaga com lâmina sutil chama a atenção, ao mesmo tempo em que se dá conta de que não visualizou ainda o rosto do monge cicerone. Uma curiosidade intensa e mórbida toma conta da reflexão do explorador, por alguns breves segundos. O guia sente a ganância incontida dele por um punhal de cristal de dois gumes. Comenta:

— Senhor Norton, alguns antigos a chamavam “adaga de cristal”. Este museu guarda preciosidades que fariam os colecionadores de sua civilização arriscarem tudo, a vida inclusive, para tê-las, senti-las, pesquisar suas origens. Elas se perdem no limiar dos tempos. Vejo pela extraordinária cobiça de seu olhar, que o senhor sabe valorizar estas preciosidades.

Norton ouve o outro como se um eco da própria voz. De alguma forma o outro é ele mesmo. Perde de uma vez a vontade de há pouco, vê-lo, olhar nos olhos do monge. A sensação que o envolve, é a de uma intimidade a espelhar tudo que espera de um combatente inimigo. O monge está aqui sozinho, não há sinal de mais ninguém. Se houver mais alguém, estará tão longe que nem precisa preocupar-se. Quem poderia socorrê-lo de um ataque traiçoeiro?

             — Ora, traição é minha rotina!

A ansiedade por olhar no rosto do anacoreta renova-se com duplicada aflição. O monge abre a redoma de vidro das peças com a simples aproximação dos dedos. Norton, bruscamente, empunha a adaga de cristal e desfere golpes mortais em locais onde bastaria um soco para desacordá-lo, ele a impele ferozmente várias vezes. Quer vê-lo morto. Sair deste lugar levando consigo a maior quantidade possível dessas riquezas fabulosas, sem que ninguém possa atrapalhar. Tem certeza de que merece tal recompensa. Organizou a Expedição, chegou até aqui, descobriu o lugar. Não mais vai perder tempo com cortesias.

— "A hora de decisão, meu caro, afirma com olhar alucinado, enquanto esfaqueia compulsivamente o monge uma dezena de vezes.
Mata e abandona o cadáver. A curiosidade por vê-lo face a face diluiu-se. Intui: se olhar esse rosto, algo de inusitado poderá acontecer. E esse algo poderá destruí-lo. Um homem precavido vale por dois", pensa.

Por um longo tempo permanece inutilmente a buscar uma saída das câmeras, túneis, passagens, poços, corredores, salas e frinchas desses labirintos. Nada. Esforços inúteis. Agacha-se para descansar, beber um pouco do líquido do cantil. Ao erguer a cabeça para o gole, vê o religioso de pé. Mesmo sem ter visto o rosto, sabe que é a mesma pessoa, pelas sandálias dos pés. Levanta-se transtornado, pistola em punho:

— Quem é você, maldito? Que faz aqui? Volte para o inferno. Ele desfere vários tiros, atinge o lado direito do rosto, a cabeça, o tórax.

— Nem todos os caminhos que guiam para baixo, conduzem igualmente para cima, senhor Norton. O monge puxa lentamente para trás, com ambas mãos, o capuz. Norton olha estarrecido o rosto branco e liso, sem feições, do outro. Gradativamente alguns traços vão aparecendo. Sente-se melhor. O rosto que se está formando é o dele. Isto o tranquiliza: não faria mal a si mesmo.

Começa a visualizar os registros akásicos das operações militares e paramilitares das quais participou. A memória traz ao nível consciente as tensões que precediam as matanças indiscriminadas. A ferocidade de alguns combates. O prazer cromagnon de sentir o sangue adversário respingar no rosto após o golpe de misericórdia face a face desferido com arma branca. A produção excessiva de adrenalina, o transe maligno a partir do qual liderava os subordinados. Sente também, de modo estranho e recorrente, dor. Muita dor. As dores produzidas pelos ferimentos em suas hostes, nas de seus adversários.

O prazer de estar em situações de risco chega à tona com a necessidade de convivência subordinada aos senhores das trevas, dos conflitos fabricados, das barbáries, das mortes, das guerras. Serviu, servil, a esses senhores da usura, da estupidez e da ignorância, do complexo industrial-militar dos EUA, de Israel, de países árabes.

Seu rosto refletido no semblante do monge traz à memória um sem número de situações "horribile dictu", nas quais covardia, agressão, taras, traição, ódios, crimes, padecimento atroz em suas hostes, nas dos inimigos, acontecimentos trágicos vitimando civis, por ele liderados em operações de guerra: o karma de sua vida nesses instantes finais, passa na tela mental, como se fosse um filme virtual. Então é verdade: quem está a morrer vê a vida toda passar diante dos olhos. A expressão do rosto contorcido é medonha. Ele berra.

À soma desses horrores vêm somar-se dezenas, centenas, milhares de faíscas quânticas que nele penetram como se fossem um enxame de quânticos marimbondos de fogo, transformando ossos, plasma, a pele e músculos, em poucos segundos, num amontoado de cinzas que uma corrente de ar dissolve em instantes, misturando-a com a areia pardacenta do chão subterrâneo.

Perimuricá observa Adriane admirar-se com o fim do “filme do dia” da tvgost. O jornalista está impressionado. Custa acreditar que o corpo, a mente, a memória, do todo poderoso líder da Expedição Norton tivesse, realmente, virado pó. Em tão pouco tempo, o ex-traficante de matéria-prima estratégica, minério de urânio concentrado em pasta amarela (isótopos U-235 e U-238), e plutônio, para grupos militares de países do Terceiro Mundo, num instante, esse homem familiar dos coquetéis em embaixadas, amigo íntimo da diplomacia de bijuterias, das chancelarias asiáticas, latino-americanas e européias, não fosse, agora, mais que cinzas diluídas num pé de vento.



A CAPITAL
FEDERAL
DOS “PIGS”

A faísca quântica Norton, sua alma, como os místicos de antigamente haveriam de denominar, em poucos segundos transforma-se, com milhões de outras faíscas, em ondas de VHF/UHF. A faísca Norton havia partido da estação orbital invisível, datada em um espectômetro de referência de elétrons, ligado a um altímetro e a outro espectômetro, este último de florescência de raios X. Tecnologia da “sintonia quântica” via satélite. A partir da qual emitiam-se os "full-time-movies" da tv-gost.

A faísca quântica Norton descobre estar fazendo parte da energia que faz funcionar os bilhões de aparelhos da tvmagnéticofenômenoosmótica. É isso: é preciso morrer para saber como a coisa toda funciona. Ele agora está monitorado por um modelo sensorial, um organizador biosensor que mantém estável o nível de autoconsciência das partículas. Este modelo encontra-se numa estação retransmissora, direcionado a partir de uma sofisticada infra-estrutura paratecnológica, na capital lemuriana, no interior da selva amazônica.

A infra-estrutura em terra capta sinais de uma torre tetraedral para projeções de imagens anímicas em órbita da Terra. O satélite se realimenta a partir de um mapeador espectroestereoscópico, acoplado a um radiômetro térmico de infravermelho e a outro espectrômetro. Este, de raios gama, articulado a um eixo de painéis, controlado por um radiômetro de microondas,  antenado em faixa média “SS” de ganho médio, e em faixa “S” de baixo ganho, tencionado em fontes de coletoras parabólicas de energia, calor e luz solar.

Essa parafernália de tecnologia de ponta transformou a Terra em um campo psi luciferino, neurounificado, globalizado. A Nova Ordem Mundial se estruturava a partir dele. As faíscas quânticas, ou espíritos humanos desencarnados, sem forças para vencer a lei da gravidade em direção ao cumprimento de seus desígnios de desenvolvimento anímico, ficaram aprisionados pela lua invisível, cumprindo a lei do eterno retorno à satanização mortífera, terminal, da raça humana no planeta Terra.

Rossi imagina: sem poesia, a alma do homem está aprisionada para sempre no castelo do Drácula Virtual, na lua invisível, do outro lado da Terra, com posicionamento simétrico à Lua natural. E ninguém pode fazer nada. A descendência Lúcifer/Caim venceu. Terá vencido mesmo? Todos esses acontecimentos, como queriam fazer acreditar alguns ilustres cientistas, são uma maneira pacífica de extraterrenos livrarem a Terra da praga espécie humana satanizada: Homo sapiens/demens/sapiens.

As profecias se cumpriram. O tempo na Terra passou para todos os Homo sapiens/demens. Ao idoso casal do fim dos tempos resta a memória. Tauil traz a idéia de quando, da última vez que estiveram em Brasília, no Planalto Central. Na época, os jardineiros mantinham ainda a aparência externa do lugar. A grama aparada da Praça dos Três Poderes.

Olham-se com ternura, acham que isso é amor. Ambos, simultaneamente, lembram dos versos de Kerouac:

            "O amor é o cemitério populoso da podridão
             Leite derramado dos heróis
             Destruição de lenços de seda pela tempestade de pó
             Carícia de heróis vendados presos nos postes
             Vítimas de assassinatos aceitas nesta vida
             Esqueletos trocando dedos e juntas
             A carne trêmula dos elefantes da gentileza
             sendo despedaçada pelos abutres
             A fria Esperança de Gólgota pela esperança do ouro
             Morte por longa exposição à desonra
             Mais gargantas cortadas que grãos de areia
             Amor: saber beijar minha gata na barriga
             A suavidade de nossa recompensa."

Aproximaram-se da rampa do Palácio do Planalto, caminharam curiosos entre os membros decrépitos dos assessores jurídicos, dos parlamentares, dos ignocratas, dos juizes das supremas cortes que se faziam presentes. Viram a guarda de honra do presidente perfilada. Muita movimentação: estava em curso os rituais de um cerimonial de fantoches, vaidosos até o estertor. Depois seguiram até a Esplanada dos Ministérios.

Foram vistos por magistrados, autoridades do Supremo, áulicos da imprensa, promotores, desembargadores e ministros... A nítida sensação de que não mais pertenciam àquela raça. Todos pareciam ser extensões das curvas de cimento armado dos palácios da capital federal. Seres humanóides. Criaturas em seus últimos gestos semoventes. Burocratas da arquitetura necrófila da capital federal. Representantes fanáticos da propriedade privada do capitalismo cromagnon.

Eles, mesmo nos estertores, não paravam de lutar pela manutenção dos privilégios corporativistas do poder político e econômico primitivo, selvagem. Para Tauil foi uma visão impressionante: aqueles jalecos dos poderes centralizados, mantendo privilégios à “pig-spas”, até a derradeira cardiopatia. Outra vez a memória traz à tona a poesia, desta vez nos versos de Junqueira Freire:

                "Os áulicos salões
                Onde reinavam
                A mentira
                A traição
                O vício
                E o crime."

Pareciam sombras inúteis, semoventes, cheias da insustentável empáfia do poder (inútil tentativa de mostrarem alguma dignidade). Rossi pergunta a Tauil se não está sentindo o mesmo odor que ele. Aquela fragrância desagradável e odiosa que sentiram quando próximos às celas onde prisioneiros “hots" aproximaram-se deles por detrás das grades, nos corredores subterrâneos fétidos da clínica dos “pig-spas”.

— Sim, responde ela, a transpiração desses usuários dos produtos das clínicas dos “spas” Ostrowsky e Tauil... Enxofre, como se estivessem usando as pílulas, sabonetes desodorantes, pastas de dentes, cremes e loções de barbear, cosméticos à base do suor antígeno dos hot-dogs.

A juventude de Tauil e Rossi parecia desagradar àqueles “pig-spas” que paravam por momentos para vê-los. Não havia simpatia neles. Os ignocratas, assessores e parlamentares dos “lobbys” da capital federal, decrépitos demais, sem futuro algum, que não fosse os conchavos entrerugas. A presença do casal fim dos tempos, serve apenas para afrontar a vaidade decadente dos “pigs” do Planalto.

Esses políticos olhavam-nos com indisfarçável rejeição. Eles, que sempre primaram pela aparência, pela conservação da pele: esses políticos ocos, sem essência... Exceto a conservada pelo aspecto, por tratamentos de beleza nos salões das lipoaspirações, cirurgias plásticas, estéticas, medicamentos rejuvenecedores, quinquilharias "hightech" de uma raça em extinção, a justificar a coisa principal de suas vidas: a vã vaidade. A perversidade social.

A ilusão da boa aparência. Ilusão de fazê-la esconderijo de uma essência de larvas aterrorizando-se mutuamente e a seus eleitores, a quem nunca correspondiam a confiança das urnas. Nunca se importaram em ver a vaidade como um processo de fermentação, que os fazia apodrecer mais rápido por dentro, enquanto, artificialmente, tentavam tudo para parecer bonitinhos, arrumados e adequados, por fora. Aparência e quantidade de perfumarias, sempre. Essência e qualidade de valores coletivos e ética, nunca.

Tauil, a memória disponível para tudo que quiser, lembra de um poema de um autor do princípio do século XXI, sobre esta cidade, nessa ocasião Capital Federal da primeira mulher eleita numa eleição Presidencial. O poema, reproduzido no romance PSYCOCITY :

            Brasília do corporativismo
            Das aposentadorias com idade de trombadinhas
            Tombadas crianças em direção aos guzanos
            Marginalizadas por gerações de políticos necrófilos
            Brasília, capital dos magistrados miraculosos
            A serpentearem em torno do berço esplêndido
            Sugando a aura de cada recém-nascido
            Garantia de que não haja futuro
            Eles conseguiram unir num único
            Bloco os marimbondos presidente
            Petralha em seu terceiro mandato
            Ecos equinos Madrinha de Tróia
            Do Bolsa-Bufa. Do real que valia um dólar
            Que deu ao povo uma inflação baixa
            E lhes tirou tudo o mais a que têm direito
            Brasília dos motéis à Lady Cinderela
            Capital da memória coletiva negativa
            Das perebas e viroses terminais
            Cidade que se vinga dos eleitores
            Órfãos de tudo, de tudo o mais
            Negando-lhes a mais elementar Ética.
            Brasília dos lobbys piratas do ensino privado
            Vaca folclórica dos boiardos do Pelourinho
            Que abortam o futuro
            E entronizam as atrozes políticas a fragogate
            E à “rei Mulatinho”
           Algoz feroz e impiedosa dos semteto, semterra
           Semsaúde, semsalário, sememprego
           Terra dos parlamentares malucos por tudo
           Exceto por Ética, cultural, educação, saúde
           Amaldiçoados nos terreiros da anaconda e do arco-íris
           Capital do futuro inexistente
           Aliados dos supostamente adversários
           Dos malandros ministros e delúbios dorsais
           Mumificadores de gerações
           Investidores fanáticos de um amanhã
           Sempre amanhã, sem presente.
           BenditosejaJeováquemefarásairdaterradoEgito

Tauil e Rossi saíram da proximidade deles. Poderiam, a qualquer momento, ser agredidos por essa corja “respeitável” de autoridades da política à "pig-spas". Que lhes restava fazer? Só mesmo esta sensação agradável de estar distantes deles, em tudo, na idade, inclusive. Que bom que a idade os distancie tanto.  Como se estivessem em outra dimensão do existir.

Que bom estejam livres dessa proximidade maligna. Não é tudo o que poderia querer um ser humano? Estar livre da poluição do contato com outros seres humanos, produzidos pela tecnologia luciferina das faíscas quânticas? Não é para isto que se isolavam de seus grupos originais e partiam em férias? Para saírem da proximidade da saturação familiar e social dos grupos em que viviam? A quantidade de mentiras e de distorções sociais tão maciça e mastaba que conseguiam, as ditas autoridades, argumentos para sempre estar viajando. Viajando na maionese às custas do erário público.

Rossi pensa que agora compreende a solidão. Solidão não é estar só, é estar inadequadamente acompanhado. Peri chega-se à memória de Tauil. As percepções de Perimuricá ganhavam em intensidade e se renovavam com a mudança de paisagem, como na maioria das pessoas. É uma reação psiorgânica natural. Encontrou um Norte. Segundo ele, ia continuar combatendo os "pig-spas", ajudar no que fosse possível, a libertar os hot-dogs da tirania institucionalizada dos "pigs".

Rossi, em sincronicidade com Tauil, ideoplasma: "Aquele Che Guevara do fim do mundo comenta para consigo, rindo às gargalhadas desse D. Quixote fim dos tempos".

O homem, pensa Rossi, foi criado para delirar. “A matéria é feita de sonhos”. Realidade, consequência desse êxtase, gera mais delírio. Temos todo tempo, companheira, para sermos viajantes da quietude da paisagem.

           Busca Tauil. Ele a abraça e submerge num “tsunami” de ternura. Uma ternura da qual, até então, não se sentia apto. Tinha fé que aquela cultura de fanáticos por bugigangas eletrônicas informatizadas "made in China", por vaidades e novelas de narcisismo necrófilo, entre uma e outra oferta de varejo, não recomeçaria outra vez.

         O planeta está cansado de humanos. Que Tauil não fosse Sara, nem ele chamar-se-ia Abraão. Não haveria nenhum descendente para construir uma cultura a Caim. Tauil fica a cismar com as cismas de Rossi.

        Amavelmente chega-se nela, abraça-a, olha a mulher nos olhos cheios de graça, apesar da idade.

       Tauil sente os dedos do companheiro a apalpar seus ombros, os cabelos longos, os olhos a implorar:

       — Diga o que você quer, querido, diga.

       — Você me promete uma coisa Adriane? Por favor, diga que sim.

       — Sim, claro que sim. "O que poderá ser que ele quer? Não, não prometo nada, nada mesmo". — Diga primeiro o que você quer. Só faltava, ser a última mulher da Terra e aceitar fazer promessas.

        Por um momento Rossi regride a certo estágio chauvinista, a início do século XXI: "Por que uma única vezinha você não faz, sem reclamar, algo justo de fazer"?

       — Diga... Eu farei... Prometo.

       — Mesmo? Jura? Não vai amentir?

       — Garanto. Qualquer coisa. O que é?

       — Nunca fale com anjos. Nunca mesmo. Não podemos começar tudo outra vez.

      — Anjos. Ora, anjos... Anjos de natureza vegetal ? Anjo lagarto, ave, serpente?

     — Jure. Por favor, jure. Isso é muito, muito sério.

     Adriane, agora uma idosa cheia de manias, defesas e narcisismos. Nos dias de seus pais costumavam dizer das mulheres que aprendiam a contar até seis, porque não havia fogão de sete bocas. E eles riam disso.

     — Eles riam disso, fala Rossi.

     — Quê? Que você disse?

     Se depreciavam suas mulheres assim, imagina o resto do mundo.

     — Você está falando sozinho outra vez.

     — Nunca fale com anjos. Você promete mesmo?

     — Sim, claro. Prometo. O que ele quer dizer com isso?

     — Não aceite nada deles.

     — Que será que ele quis dizer com isso?

     — Nada mesmo. Nenhuma promessa. Se aparecerem não fale com eles.
— Bom Deus! Pare com isso querido.

— Se algum anjo aparecer, diga que não quer ter filhos.

— Anjos! Está ficando bobo? Como se ela pudesse alguma coisa com anjos. Contra anjos.

— Nunca vi nenhum anjo a vida inteira.

— Rossi mantém a esperança: Eles não virão dessa vez.

— Não pode ser. Somos as últimas testemunhas. Não precisa ficar caducando. Você não tem o direito de decair, de prescrever-se. Mesmo que queira você não pode cair em desuso, você é o último homem da Terra. Segure a peteca.

— Querida, ser o último, tudo bem. Começar tudo outra vez, nunca. Tanto horror, todo aquele horror... Não, não quero ser essa espécie de criminoso. Nunca mesmo.

Sjsprojsjisjsjteunss!!!

O zumbido soou nítido em seu significado na mente da mulher:

(Não quero ser instrumento de nenhum Deus “ex-machina” disposto a começar tudo de novo.)
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DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 23/04/2011
Alterado em 12/12/2013


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