Avaliação Atualizada Das Lições Do Conto Rapunzel
Os contos populares, os de fada, as histórias infantis tal como as conhecemos hoje, são reelaborações da oralidade dos séculos XVII, XVIII, XIX, e de outros séculos mais passados. Trazem consigo as concepções sobre a sexualidade e sobre a cultura daqueles momentos históricos antepassados. Faziam parte do medo que os pais tinham dos filhos os acusarem serem eles responsáveis pela disseminação de uma situação de ancestralidade vexaminosa, oprimida, menosprezada pela soberba dos representantes da Corte.
As crianças de uma grande cidade que vivem em condomínios fechados, prisioneiras de uma portaria de prédio com um porteiro ignorante dando ordens para que não saiam dos limites estabelecidos pela fronteira do medo familiar da ultraviolência atingi-los, têm uma avaliação completamente diversa, uma leitura diferente daquela que as crianças da história medieval faziam dos contos populares tipo os de Handersen, de Perrault, dos Irmãos Grimm, ou das fábulas de Esopo.
A cabeça dessa crianças está cheia de outras motivações que não aquelas das meninas e meninos criados num outro século, no qual existiam outras idéias que prevaleciam no imaginário delas, de seus pais. Hoje, as meninas continuam querendo ser princesas. Acontece que os príncipes mudaram de paradigma. Os príncipes que elas desejam hoje são os príncipes das trevas, os senhores do narcotráfico, para que possam fazer a cabeça com drogas e outras derivados de afrodisíacos tipo ecstasy.
Os meninos querem imitar a violência dos chefões do tráfico que aparecem nos filmes do cinema, da tv, nos games das lan houses, cheios de dinheiro, passeando em carrões importados modelo Ferrari, com mulheres oferecidas do lado, desejando que eles cheguem logo ao apartamento para renovarem as doses de barbitúricos com bebidas fortes, ou cheirarem outra carreirinha bem servida de cocaína.
Os contos populares tradicionais, escritos a partir da cultura medieval, em que as garotas almejavam ser a mulher dos príncipes, sem saber o que eles realmente representavam em termos de dominação de geração e gerações de seus antepassados, foram transcritos a partir de situações que não mais existem na sociedade contemporânea.
Os paradigmas culturais mudaram radicalmente. A dominação agora é tecnológica, mais subliminar do que nunca. Quem educa as crianças não são os pais, muito pelo contrário. São os meios de comunicação e informação que substituíram-nos por outras influências bem mais tenazes. As crianças hoje vivem obstinadas por outras sugestões. E o pouco prestígio que têm os pais, é motivado a partir do temor de perderem a companhia deles para o medo de ficarem sozinhas. Ao desamparo.
Era uma vez naqueles tempos do imaginário medieval, onde os medos eram outros, e a única maneira de superá-los estava em buscar na imaginação popular, uma saída para as humilhações dos camponeses, submersos nos interesses dos suseranos, seus senhores feudais, moradores no lugar "paradisíaco" (idealizado) do castelo do rei com seus filhos príncipes. Com suas filhas princesas. E a Corte de bajuladores.
Aquelas crianças da época medieval ouviam a oralidade narrar essas histórias e usavam a imaginação infantil como válvula de escape para as humilhações de toda a ordem que as esmagavam e oprimiam. A violência e a tirania dos senhores latifundiários medievais eram simplesmente sublimadas. As meninas gostariam de imitar as princesas, os meninos, os príncipes e outros vassalos da Corte. Santa inocência. Ignoravam que estavam querendo ficar no lugar de seus carrascos. Imitá-los.
A educação dos adultos buscava produzir uma "boa criança", sem revolta, adaptada aos limites de comportamento de sua condição de oprimidos. Os pais preparavam seus filhos, "educavam-nos" para conviver e aceitar as imposições dos senhores feudais. Aceitavam passivamente a divisão social dos papéis. Por isso alguns autores criticam os contos populares do medievo como sendo fantasia inútil. O que não é bem verdade. Essa válvula de escape, o imaginário popular, permitiu às crianças uma estabilidade emocional que não teriam de outra forma.
Hoje, as princesas adolescentes, globalizadas, são as princesas dos pagodes. Os reis e os príncipes da Corte burguesa moram nos apartamentos "chics" e nas residências compradas, muitas vezes, a partir da malversação do dinheiro público dos "pra lamentares", transformistas do mesmo em dinheiro privado.
A única forma das filhas das pessoas humildes e paupérrimas (da sociedade medieval) terem acesso aos "modelitos" das princesas medievais, e se casarem com os príncipes, estava em sonhar que isso aconteceria. O imaginário da oralidade criada para justificar, e não apenas sublimar, os sádicos poderes que os senhores latifundiários da Távola Redonda exerciam sobre elas, com suas formas, as mais escabrosas, de dominação (os contratos de suserania).
A infância hoje necessita de outros paradigmas para se interessar realmente por contos de fadas que venham não apenas justificar ou sublimar a dominação exercida pelos novos senhores feudais da tecnologia, e seus interesses muito "elitizados". Concentrados (concentração de renda).
As crianças de hoje semelhantes às crianças de todos as épocas, desejam viver num mundo onde não sejam constantemente enganadas pelos adultos. Precisam de educação e cultura que lhes mostre como agiram os seus antepassados, de modo a poderem ter acessos aos arquivos emocionais da espécie e desfrutarem da oportunidade, ainda que remota, de construir uma realidade de acordo com esse saber a que atualmente não têm acesso, nem nas escolas de ensino fundamental e médio, nem nas universidades, lugar onde esse conhecimento deveria estar à disposição dos discentes.
Ao contrário do que poderia se presumir que acontecesse numa civilização e numa cultura a partir das quais se privilegiasse a criança e os investimentos em educação, o que se ver são os responsáveis por esses investimentos, os "pra lamentares", embolsarem as verbas para a educação e a cultura em constantes e sucessivas atitudes de rapinagem dos ativos financeiros públicos transformados em depósitos nas suas contas bancárias, nacionais e nos paraísos fiscais. A corrupção grassa como uma peste medieval que não tem como se combater devido a falta de vontade política, corporativista, concentrada na praça dos Três (Poderes) Porquinhos.
Essa equipe de alunos que elaborou este trabalho solicita dos organizadores deste curso de Especialização em Literatura Infanto-Juvenil, um espaço onde possa, realmente, aprender a treinar a escritura a partir do conhecimento desses novos paradigmas da cultura e da civilização midiática, para que sintam que não estão perdendo tempo nem dinheiro ao freqüentarem a sala de aula desta Especialização.
As perguntas que fazemos ao corpo docente: Que modelo de contos populares poderia ser exercitado no sentido de fazer acontecer a possibilidade de sabermos com que tipo de inteligência emocional estamos lidando a partir das influências sociais que motivam as crianças da geração dos dias de hoje? Que precisamos aprender sobre elas? Que modelo de histórias essas crianças precisam ler desde que não estão mais sob a influência direta da dominação atroz de reis e príncipes medievais? A dominação da mídia burguesa precisa ser denunciada nos novos modelos de escrever contos de fadas? De que modo esse projeto de saber, e de escrever esses contos neo-pós-modernos-populares poderá ser viabilizado?
O resto é perda de tempo. Academismo.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 30/07/2010