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"Gauche Drummond"
Drummond, poeta lírico individualista no sentido filosófico, considera o indivíduo enquanto a realidade mais essencial, o valor mais elevado de uma sociedade. Explica os fenômenos históricos ou sociais por meio da ação consciente dos indivíduos. Lendo Drummond há de se concluir facilmente que a sociedade deve, precisa, necessita visar como fim único, ao bem maior de seu principal patrimônio: os indivíduos que a constituem.

O problema da incomunicabilidade entre as pessoas que constituem essa sociedade, em sua poesia, é matéria recorrente. Itabira, sua terra natal, está presente em seu papel mítico. Ela representa um ambiente de valores tradicionais dos quais está impregnada a sociedade brasileira como um todo: o caráter típico nos traços peculiares da aparência, do semblante, da expressão moral da gente brasileira.

Ao mesmo tempo que verseja numa linguagem universal, essa linguagem está contaminada pelas realidades simples, cotidianas. Intérprete do homem comum, adere às causas e reivindicações emocionais deste, com sua poética social, trabalha, artesão do verso intimista, a arquitetura consciente de sua poesia, desde seu primeiro livro "Alguma Poesia", de 1930.

Tímido, humilde, "gauche", faz presente a poesia futura de "Brejo das Almas" (1934), e o "Sentimento do Mundo" (1940) do qual brota, como se fosse desse húmus de emoções da brasilidade, a "Rosa do Povo", testemunha da amargura e da aflição coletiva num mundo mecanizado, globalizado pelo materialismo "cromagnon" do capitalismo selvagem, covarde, a humanidade desumanizada.

O desencanto, o encontro com o desvario do homem contemporâneo, não apenas a alucinação cega propalada pelo modernista de primeira instância Mário de Andrade, sua "Paulicéia Desvairada", a emoção oceânica, a dignidade intelectual ao estilo interiorizado e profundo de Machado de Assis. A angústia existencial de um homem que não intui uma solução razoável para os conflitos, que se agravam e desdobram, do mundo contemporâneo:

Mundo, mundo, vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.

Socialmente apresentava-se como um homem tímido e formal. Enquanto poeta argumentava sobre si mesmo: "Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo, falta de dinheiro, ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos"

O processo de construção poética, passa pela inclusão de subsídios de perturbação do lirismo. A ponderação e o cuidado com a construção lírica do verso em si. Em "A Rosa do Povo" são muitos os exemplos de versificação lírica, livre. Em 1948, quando publicado o livro "Poesia Até Agora", Carlos Drummond revelou:

Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas

A partir de "Claro Enigma" novos aspectos prevalecerão sobre sua obra. Um dos processos rítmicos mais evidentes, desde seu primeiro livro, é o da repetição, sem preferência por elemento sintático ou categoria gramatical, explora a repetição enumerativa em "No Meio do Caminho":

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

O jogo rítmico é tudo nesse poema? Para explicar o sentido poético da composição ele é insuficiente. A repetição enquanto fator de primeira grandeza, não pode ser considerado único. Em "José", obtém Drummond, através da repetição das palavras, ou de um grupo delas, o que T. S. Eliot denominava de "desenho rítmico":

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

O homem comum sofrendo a confusão de um tempo conturbado. Até o que para ele deveria ser mais acessível, não veio. Ele fica vazio, sem nada que lhe sirva. Em "Sentimento do Mundo", assim como em "A Rosa do Povo", há a presença do recurso rítmico muito usado por Drummond, o rejet, (do inglês reject: refugo, rejeitar, repelir):

O poeta está bêbado, mas
escuta um apelo da aurora:

("A Rosa do Povo")

eu mesmo estarei morto
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
("Sentimento do Mundo")

Em "Claro Enigma", depois em "Fazendeiro do Ar" e em "A Vida Passada a Limpo", nem todos os poemas são metrificados, o poeta adere à composição rigorosamente rimada. Realiza inúmeros sonetos, obedecendo à regras estritas, prenunciadas em Jardim de "Novos Poemas". Quando conseguiu que a forma não se inserisse enquanto elemento de perturbação poética, versejou uma composição poética da melhor lavra, o poema A Máquina do Mundo. Percebeu, talvez, um certo bloqueio da imaginação. Não mais estava presente aquela liberdade poética que, de um para outro momento, havia se tornado antiga, no dizer de um dos últimos poemas de "Fazendeiro do Ar":

"Sem ti não somos mais o que antes éramos
tenho saudades de mim mesmo..."
A vida passada a limpo, o terrível vazio:
"... onde nenhum
halo humano ou divino faz pousada,
a necessidade urgente de renovação:
preciso de outro verso bem diferente."

Surge "Lição de Coisas", na apresentação afirma-se: "O poeta abandona quase que completamente a forma fixa que cultivou nesse período anterior. Constrói o verso que possui a medida e o impulso determinados, pela coisa poética a exprimir. É preciso ser o poeta do tempo presente dos homens presentes da vida presente:

"Não serei o poeta de um mundo caduco;
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros."

A poesia de Carlos Drumond de Andrade, expressa sua alma muito pessoal. É poesia objetiva, não precisa de elogios subjetivos. Precisa de uma interpretação objetiva. Sua proposta: "Não ser o poeta de um mundo caduco, não cantar o futuro, uma mulher ou uma história, não dizer de suspiros ao anoitecer, não distribuir entorpecentes, cartas de suicida, não fugir para as ilhas nem ser raptado por serafins (alusão ao Romantismo), ao invés disso, cantar o tempo presente, os homens presentes, a vida presente."

O problema da incomunicabilidade entre as pessoas que constituem essa sociedade, em sua poesia, é matéria recorrente. Itabira, sua terra natal, está presente em seu papel mítico. Ela representa um ambiente de valores tradicionais dos quais está impregnada a sociedade brasileira como um todo: o caráter típico nos traços peculiares da aparência, do semblante, da expressão moral da gente brasileira. (Veja, por favor, item 1.)

Exemplo da temática recorrente da incomunicabilidade, o poema Quadrilha:

"João amava Teresa que amava Raimundo
Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou-se com J. Pinto Fernandes
Que não tinha entrado na história."

Drummond é considerado o mais significativo de todos os fenômenos da poética moderna brasileira. Inaugurou uma nova concepção de poesia lírica que expõe a prática da militância do poeta, sugerida por Mário de Andrade, sem fazer arte panfletária ou de propaganda. Drummond não é apenas o grande poeta da geração de 30, é também o mais completo de nossos grandes poetas.

"Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
Não direi os suspiros ao anoitecer,
a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes, ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei
raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente,
os homens presentes
a vida presente."
("Sentimento do Mundo")

Carlos Drummond recusa o ser um poeta do passado. Também rejeita a possibilidade de vir a ser um poeta que canta o futuro. Ele está preso aos problemas e questionamentos de seu tempo, o tempo presente. Seus companheiros estão, ou seja, as pessoas de sua geração, que fazem parte de sua contemporaneidade, estão silenciosos, acabrunhados, melancólicos, mas mantêm a esperança.

A separá-los, os companheiros, estão os conflitos e os problemas de uma realidade que é muito complexa, e muito, muito difícil. E o poeta pede que as pessoas não se afastem delas mesmas, não percam o contato com seus objetivos humanos, com suas esperanças pessoais e coletivas. O poeta suplica que as pessoas se dêem as mãos.

Ele clama pelo coletivo, não deseja fazer a apologia de uma pessoa, de uma história. Não contribuirá para o entorpecimento da consciência delas, ou para que elas desistam da vida. Não se isolará nem será abduzido por anjos ou pelo idealismo romântico. O tempo presente, a vida e os seres humanos de sua geração, seus problemas, suas angústias, serão a matéria-prima de sua poética. Do "Sentimento do Mundo". Do mundo de hoje, de agora. Do mundo globalizado pela ambição, vaidade e fixação no consumismo desvairado. Do qual todos, neste momento, estamos a fazer parte.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 30/04/2010


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