Corrupção De Menor
O professor ensina gramática
Numa turma de adolescentes traumáticas
Uma gosta de mela com maconha
Outra, de pelotas de "crack"
Fulana, filha de mamãe pamonha
Beltrana, amante de Zezim do pó
Que querem elas aprender ?
Todo sujeito deseja delas apenas o objeto direto
Querem mesmo saber ? Quem sabe ?
Têm a idade da sedução
Nenhuma acredita em milagres
Exceto o da festa do apartamento
Latino com muito bundalelê
Sabem no fundo do inexistente coração
Que dessa madrasta sociedade
Herdaram apenas o muro da vergonha
A sina do colo mecanizado das pessoas de proveta
Que Drummond poetizou
Garotas, discentes dos projetos
Do futuro. Como aquele Carlos conseguiu
Inserir um pouco de lirismo
Na mecânica orgânica das atividades diárias
Pavlovinianas, de vocês ?
Predicados do objeto direto
Anjos tortos de pró-gramas
Nas sombras e nos cursos
Que fazem numa sala de aula
Vocês, que nasceram para estrelas ?
Senão fazer de conta que têm outra coisa a aprender
Que não seja engatinhar na maionese ?
Hoje é festa lá no meu ap.
Vai ter dramas e bundalelê
E se a camisinha "ploft" ! Que fazer ?
No auge do "vamos ver" ?
Quem vai de primeira pessoa pronominal?
Com quem ou de quem se fala ?
Quem vai se responsabilizar pela carência dessa escolha ?
Dessa escola, desse feto, dessa escória ?
Que "Pra Lamento" vai tirá-la do relento ?
Que leis do Supremo vai livrá-la do PCC ?
Ou visitá-la nessa coma, nessa cama de Kaposi ?
Como aprender outra gramática
Senão as das coxas fogosas ?
A mente limpa de "coisas sujas"
Ao invés de leituras e idéias
É um anjo limpo de bactérias, fungos, vírus
Protozoários, células cancerosas
Não houve tempo para a leitura de nenhum livro
Exceto os do currículo
Quantas infecções e ferimentos
Contaminaram seu corpo e sua alma
Adolescente com uma educação cromagnon ?
Você sonha chegar o dia fortuito
De sair dessa prisão de ventre
Em busca do tempo perdido
Tão proustiano, tão distante, tão ausente
Ela que se orgulhava dessa escola tão passada
Onde nada lhe faltava em ilusão e esperança
Agora, finalmente sabe
Lhe terá sobrado apenas dor, dor e dor ?
Você estará preparada
Para esse dia que virá
Em Busca do Tempo Perdido?
(Ninguém nunca está)
Você dormiu em berço esplêndido todo esse tempo
Agora a contaminação do feto
Por essa infecção terminal
Ou você casou com o príncipe encantado
E é feliz professora de gramática normativa ?
Seu salário é de quantos mil réis ?
Seus alunos aprenderam o acento circunflexo
Em casa ou na escola, com você
De que vão te adiantar
As teorias de Noam Chomsky ?
A lingüística da Escola de Praga
O Massachusetts Institute of Technology ?
Você talvez correrá
(Se lhe restar alguma disposição)
Em Busca do Tempo Perdido
Talvez só sobre o ódio como herança
Mas você sozinha, com duas ou três companheirinhas
Não conseguirão dinamitar
Como diria Drummond, a Ilha de Manahatan
A inconsciência não mais estimulante
De trabalhar sem alegria para a educação
De crianças para um mundo caduco
Suas aulas em classe não incluem nenhum exemplo
Terás fome de consumo, falta de dinheiro e desejo sexual
Que mais poderias querer
Um estado policial que socorra tuas ausências ?
Quem se importará com tuas demandas
As crianças traídas ? As bibliotecas que não freqüentaste
Por que já sabias de tudo, eras dona do conhecimento
Do léxico e do vocabulário adolescente
Orgulhavas-te de uma academia
Que parou no tempo passado
Do anacronismo de seu professorado
Do "saber" que orgulhosamente
"ensinavas" às crianças traídas.
No processo covarde de seduzir sua turma
O jejum da cidadania. Afinal querias mais colar grau ?
Vais passar a vida de professora
Subindo e descendo as repartições
Das burocracias do eleva dor
E eu afirmo: mereces essa rotina assassina
O votar nos políticos
E seus associados, os banqueiros de rapina
Que fazem da educação e da cultura desse país
Essa pátria das chuteiras
Com seu carnaval de bonecas.
— Ninguém merece ?
— Você merece. Você aceita !
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 03/04/2010
Alterado em 03/04/2010