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MEUS AVÓS, MEUS PAIS E EU — FRIDA KAHLO (1936)
MEUS AVÓS, MEUS PAIS E EU — FRIDA KAHLO (1936)

TODOS ESTAMOS dentro de uma realidade astral. Impossível que alguém possa estar fora dela. O DNA e RNA estão nos motivando a levantar da cama ou do sofá da rede de intrigas, todos os dias. Todos os dias somos espectadores do besteirol dos programas de auditórios, os ditos de humor, dos noticiários trágicos que o melhor da imprensa televisiva nos fornece.

TODOS SOMOS leigos no conhecimento de nós mesmos. Somos pouco familiarizados com nossa essência. Talvez nem ainda saibamos mesmo se ela fundamenta o significado de nosso espírito. O que é nosso espírito, de onde vem, para onde vai quando a vida física se esgota??? Existe mesmo, de que é feito???  Inexperientes somos também sobre o significado do que é, realmente, sagrado, em todas as culturas, etnias e religiões.

COISAS SAGRADAS são dignas de respeito e veneração. O mundo não possui respeito nem veneração. Exceto pelas rotinas customizadas, adaptadas às nossas práticas, preferências, costumes e padrões. Os deuses Ets que nos deram origem interferem em proveito da melhoria de nossas vidas??? Mas há a crença de que “faz por ti e te ajudarei”. Nossas dificuldades são nossas. Tudo o que podemos fazer para nos comunicar com eles, ou com Ele, depende da fé que temos em nossas possibilidades.

A FILHA MAIS velha de Mãezona, a mana Wanja, escreveu certo dia uma carta em que dizia de sua descrença na vida, que se achava num fosso de falta de confiança em si, vivendo de inseguranças e incertezas. Resumindo: ela estava na fossa. O que é natural. Qualquer pessoa passa por um período, por vezes longo, de tristeza, abatimento, depressão. Casada com um primo de segundo grau, filho de um professor da faculdade de direito, ela mudou-se para outro estado, na extremidade nordeste do país.

ERA MÃE DE duas filhas. Na última vez que estive frente a ela, partícipe de uma comemoração onde me apresentava a amigos dela e do marido, fiz uma brincadeira, ao perguntar como era ser mãe. Ela que acabara parir uma menina. Se estava gostando de limpar o bumbum da criança e demais tarefas de amamentação e dona de casa. Ela levou o gracejo muito a sério. Revidou com um ataque histérico. Furiosa, começou a me agredir verbalmente. A acusar-me disso e daquilo. Aproximando-se de mim cara-a-cara.

EU JÁ ESTAVA farto de receber todo tipo de agressão familiar. De ser explorado pelos que eu deveria considerar irmãos, mas que realmente eram instrumentos da opressão que Mãezona e Paizão exerciam sobre mim. Sempre diminuído, preterido, excluído e esnobado por ser um estorvo, uma contrariedade no sentido que a pobreza familiar, as carências que eu ajudara a suavizar com as retiradas de minhas economias da caderneta de poupança que, por várias vezes fui instado a zerar em benefício deles. Sem nenhuma mínima retribuição ou agradecimento.

QUANDO A VI partir para cima de mim com a fúria da mulher ofendida, que havia superestimado uma recreação verbal, talvez de mal gosto de minha parte, encostando a cara em meu rosto, berrando insultos e provocações em altos tons, eu não vi outro modo de reagir, e reagi impensadamente com um soco na parte inferior de tórax do lado direito.

ELA, DE REPENTE, caiu em si. E logo mudou a cantilena ofensiva por um choro acusador entremeado por soluços cheios de “ai-ai-ais”. Minha reação, intensa tanto quanto tinha sido exagerada a reação dela a um motejo que eu queria que não tivesse tido essa consequência. Mas, como dizia um vizinho, eu, naquela casa estava num campo minado. Tudo que eu fazia, e o que não fazia, era imediatamente censurado. Quer por palavras, quer por silêncios acusadores.

ERA UM MOTE para Mãezona e Paizão Coisinha jogarem sobre mim, toda a sua costumeira baboseira de acusações, censurando minha atuação no evento. Se, no costumeiro e natural dos costumes caseiros eu já estava mais que estigmatizado, quando surgia uma oportunidade dessa, para eles era uma festança de acusações caladas, de admoestações e repreensões que, mesmo se não verbalizadas, era altamente ofensivas.

A FAMÍLIA TODA unida para fazer sentir-me mal, A pressão sobre mim tornava-se dia a dia cada vez mais insuportável. Nessas ocasiões eu não tinha uma alternativa senão me ausentar da proximidade deles, tamanha era a pressão da rejeição familiar unida para me excluir do convívio deles, até que eu me sentisse tão rejeitado, que tivesse de sair, fosse como fosse, da proximidade deles.  O caro leitor já sabe das adversidades que teria de enfrentar na metrópole Rio de Janeiro. Em esquemas precários de sobrevivência.

O MOTIVO PRINCIPAL da rejeição familiar geral à minha pessoa, meu caro e raro leitor já sabe. Todos queriam me ver pelas costas. O que eu presenciara de absurdos moral, eles, por inteiro, tinham medo de que eu cumprisse minha promessa de um dia vir a revelar. O que estou a fazer agora. Eles acreditavam mesmo que a opressão sofrida por mim fosse tão devastadora, que eu jamais conseguiria me soerguer ou sublevar.

EU PRECISAVA sair de perto deles pela intensa e insuportável pressão psicológica. Não há ser humano que suporte uma agressão PSI coletiva, familiar, tão senhora de si, por muito tempo. Ela desnorteia, gera opressão mental, baixa autoestima, sensação intensa de isolamento dos mais próximos, todos esses sintomas agravados por saber que eu não poderia falar a minha versão da história. Eles nem pensavam em querer me ouvir. Estavam sempre prontos, meus julgadores implacáveis, a serem os juízes e, no tribunal familiar, jurados algozes e ferrenhos, inflexíveis.

PARA MIM, A zona familiar era realmente um lugar infernal. Eles nada mais admitiam de mim, senão completa submissão aos ditames da Mãe da Zona e de seu marido, um sujeito que já havia se transformado num cão sem dono, chutado e desprezado por todos, todo tempo. E que não tinha mínima moral para reagir ao desdém circundante. A hipocrisia reinava. Faziam de conta que não estavam a oprimi-lo. Faziam de conta que o respeitavam, quando a própria tonalidade de voz deles os traía. Paizão sabia a intensidade com que era desprezado como se não fosse. Mas ele, Paizão Coisinha, não passava de uma montanha de culpas.

MÃEZONA ERA uma espécie de cafetina sibilina. Ela sempre olhava para o outro lado, quando seus filhos, outrora, na velha casa, estavam sentados no colo de Paizão excitado sexualmente com o pinto duro no traseiro deles. Não havia penetração, mas o grau de excitação dele promovia orgasmos que infestavam a sala não apenas pelo odor, mas pelas marcas nas vestimentas, na calça de uso comum, ou na calça do pijama. Ela, nessas ocasiões frequentes, não estava a mais de um metro e meio da cena, silenciosa, sentada em frente à sua máquina de costura. Como se fosse uma esfinge semovente.

(P.S: ESTE TEXTO PERTENCE AO ROMANCE MULTIESTILOS "ONDE A LUZ DA LUA VEM BRINCAR").
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 26/12/2022
Alterado em 26/12/2022
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