Textos

Holocausto Nunca Mais —PsyCity V (Romance Neo-Pós-Moderno)
SINTOMAS POLÍTICOS
DO
“REICH DOS MIL ANOS”

Carla desenvolve certa piedade pelos companheiros de rotina, por suas idiossincrasias, pela “esperteza” redundante da maioria de suas atitudes. Sabe que a habilidade maliciosa, os “jeitinhos”, não passam de frágeis defesas, de atos falhos que os ajudam a suportar os deveres e obrigações de uma vida acossada pela onipresença de vários níveis interinfluentes de necessidade. Em troca dessa rotina de responsabilidades, ganham um salário quase sem dinheiro. Vivem de fazer “mágicas” para sobreviver, em perene estado anímico de sobressalto.

O grupo gerencial da Atendimento Jurídico está entregue ao empenho do faturamento crescente. As prestações de serviço da empresa melhoram a qualidade de atendimento a clientes politicamente incorretos, mas com muito dinheiro para ganhar causas moralmente indefensáveis. Afinal, o mundo gira rápido, todos precisam acompanhar essa velocidade. Parte de seus advogados é paga para monitorar, nas votações do Congresso, deputados e senadores que investigam transferências de grandes quantias em dólar para o exterior.

Dependendo do prisioneiro, uma liminar custa um mínimo de duzentos mil, mas pode chegar a um milhão. “Eles” pagam funcionários aduaneiros e policiais federais para facilitar as rotas de tráfico de drogas, roubos de carros, contrabandos diversos, nos portos, aeroportos e fronteiras. As atividades da Atendimento Jurídico incluem membros da superestrutura dos três poderes. “Eles” garantem que o mal da disseminação das drogas e do crime fique impune, enquanto a diferença entre marginalidade homicida e autoridades, seja cada vez mais tênue.

Os gráficos da Atendimento Jurídico indicam lucros em constante crescimento, mas a realidade salarial mediana, permanece igual. Na reunião de hoje, cafezinho, biscoitinhos, chá e água são servidos. Uma certa excitação otimista se instala. Depois de duas horas de análises e pareceres, a pauta entra na fase da “camaradagem” aparente. Dalton Pitt, diretor-presidente, está em vias de encerrar as avaliações sobre os últimos itens.

Na reunião do semestre, Carla observa um executivo opinar sobre determinado fato político internacional. As opiniões dos membros com menor poder de decisão na hierarquia da empresa, tendem a confirmar a de seus superiores: uma maneira nem sempre eficaz de mostrar que estão sintonizados com idéias e decisões gerenciais.

Carla leu a manchete do caderno “política internacional” de um jornal diário de São Paulo. Nela, o candidato neofascista francês, num discurso de campanha, menciona os fatos bombásticos acontecidos na principal avenida de Paris, entre as 17 e às 20 horas. Os eventos apresentaram um resultado semelhante aos ocorridos na avenida Paulista.

A reportagem mencionava as frases: “Esta noite vocês fazem bem em jogar no fogo essas obscenidades do passado. Este é um ato poderoso, imenso e simbólico, que dirá ao mundo inteiro que o espírito velho está morto. Destas cinzas irá se erguer a fênix do espírito novo.”

Dia seguinte ela lê que a declaração do parlamentar francês motivou protestos em todo o mundo, provenientes das colônias judaicas. Alegaram, os judeus, que estas frases foram pronunciadas por Goebbels, em 10/05/1933, ao censurar o gosto pela leitura e incentivar a queima de vinte mil livros em praça pública, durante a vigência dos primórdios do “Reich dos Mil Anos”. O tal candidato associou aleatoriamente ambos os acontecimentos. Nas pesquisas de urnas, ele conta com nada menos de 35% dos votos. Ela conclui que o bombástico radicalismo político, cromagnon, do candidato a presidente, está a ganhar rapidamente fanáticos adeptos em todo o planeta.

Os analistas da pesquisa, ao tentarem compreender a natureza dos fenômenos de rua, se perguntam se toda essa energia frustrada, das pessoas submersas em rotinas sadomaquiavélicas, não está a encontrar uma maneira aleatória, inconsciente, de sair dos níveis psi mais recônditos, e manifestar-se via eventos coletivos inexplicáveis, que intimidam, atemorizam, e estão a acontecer nas grandes capitais do planeta.

Os ânimos andam por demais exaltados. As pessoas estão mais expostas, explodem a toda e àtoa, pelos mais insignificantes motivos. Ela não está nada confortável nesse ambiente. A convivência com a hierarquia da chefia está tensa. Não dá mais pra conciliar os interesses.

Carla precisa dizer ao pai, sócio menor da Atendimento Jurídico & Associados, que não mais vai permanecer no barco barroco, a pique, desse Titanic das transações financeiras internacionais ilícitas, a serviço de megaespeculadores globalizados, dos governos títeres do FMI.

A imprensa, influenciada pela dramatização do filme do dia do Canal 10, publicou denúncia contra seis instituições bancárias estrangeiras que obtiveram, em questões de horas, um lucro de mais de um bilhão de dólares, no esquema “Fiex”: Os seis bancos transferiram certa quantia em dólares de um para outro país, usando o Fundo de Investimento no Exterior, supostamente para a compra de títulos da dívida externa brasileira. Com relação à moeda nacional, em dez dias o dólar valorizou 24%. Os bancos não compraram os títulos, e o dinheiro deu meia-volta volver, retornando ao país muito mais valorizado.

O canal ghost mostrou, no filme do dia, que o presidente do Banco Central, raposa do mercado internacional, zelando pelos lucros do galinheiro macroeconômico local, socorreu com empréstimos em dólar três bancos privados, numa transação tipo amantes apaixonados do colarinho branco: vendeu-lhes dólar na cotação anterior à da valorização. Sete dias depois, as instituições bancárias estariam aptas a pagar à vista o empréstimo, tendo auferido lucros colossais em uma semana.

O filme do dia de ontem da tv fantasma focalizou  como a política dos superprivilégios para poucos, e da esculhambação e avacalhação para o resto da população do país, transforma diariamente em subempregados e marginais, milhares e milhares de pessoas que estão se matando numa guerra civil não declarada, na qual a média de homicídios, por semana, chega a l11 nas metrópoles de São Paulo e Rio.

O vírus político nacional do momento, é um candidato do partido do “rei Mulatinho”.  Os  eleitores  depositaram nele suas esperanças.  Elas,  as esperanças, não tardaram a se transformar em cinzas. O desgoverno do “rei Mulatinho” sucateou a educação das novas gerações, garantindo-lhes, via edição de medidas provisórias em benefício do ensino privado, uma juventude monitorada por idéias obsoletas, sem motivações culturais pertinentes, destinadas à criminalidade do colarinho branco e à prostituição (feminina e masculina). Uma geração destinada a fazer história a partir da administração do tráfico de entorpecentes, nos morros, periferias e condomínios nas cidades.

Seu desgoverno escancarou o país numa rede totalitária de alienação e impessoalidade, que paralisou as possibilidades de sobrevivência das pequenas empresas. O índice de desemprego desse desgoverno chegou a 20% da população ativa. As formas sociais de marginalidade cresceram tanto quanto, ou mais, que os juros da dívida externa, e a dívida dos Estados. Passou à história popular como “a vergonha de uma nação”, após privatizar, “doar”, quase que uma centena e meia de empresas ao capital privado, nacional e externo. Ficou conhecido também como o tutor do "Apagão".

O Canal 10, num enredo que envolve autoridades políticas e econômicas do grupo G-8, mostra como os países mais ricos do mundo planejaram o futuro da ordem econômica, denominada de “higienização étnica”. Na nova ordem, 75% da população planetária é considerada, teoricamente, lixo humano irreciclável. Na prática, isso já acontece há décadas.

Hoje, 7 de setembro de 2035, o FMI incluiu cláusulas de eliminação social em seus mais recentes acordos macroeconômicos na América Latina. A exterminação em massa, na nova ordem mundial, está praticamente avalizada pelo Vaticano. O Papa, em sua última encíclica reconheceu que Deus pode ser mesmo apenas uma ficção. Os mais modernos modelos de carros têm nomes inspirados em tanques militares de guerra. São sucessos de vendagem.

A indústria automotiva da terceira década do século XXI, reclica rapidamente todos os modelos anteriores, considerados obsoletos. Os novos modelos trazem inovações opcionais, tais como vidros à prova de bala e minimetralhadoras de teto, monitoradas por controle remoto, pelo motorista.

O governo federal oferece benefícios fiscais aos proprietários de veículos automotores, os que ajudarem a força armada a limpar a cidade: a partir de 10 pobres metralhados. Os proprietários dos veículos que promoverem esse genocídio estarão automaticamente escritos no programa oficial de benefícios fiscais. O vírus político do momento, restringiu chances de defesa social da saúde, criou a famigerada “lei da mordaça”, para proteger criminosos do colarinho branco da divulgação jornalística de seus crimes.

Os candidatos dos grandes partidos da tradição burguesa inauguraram, no começo do Terceiro Milênio, negociações com criminosos de facções de presidiários liderados pelo PCC, quando dos chamados "Dias de Guerra" em São Paulo. O candidato do "rei Mulatinho" um político que governou uma cidadezinha do interior paulista chamada Pindamonhangaba, candidatou-se a presidente com o aval das forças mais reacionárias e conservadoras do país.


A
EXPEDIÇÃO
NORTON

Na sala de visitas do apart hotel NewLorena, o americano e Rossi apresentam-se:

— Prazer em conhecê-lo,  mr. Norton.

— Tudo bem sr. Rossi. O senhor vai mesmo fazer parte da expedição?

— Mr. Norton, por que esse interesse na Amazônia, esses túneis talvez não passem de folclore. E essas notícias sobre cidades perdidas...Estação retransmissora plurisseriada de tecnologia virtual... Especulações...
Com o sotaque carregado, Norton argumenta:

— Aventura, senhor Rossi, o que temos vale os riscos, não? Ir e voltar, conseguir ser primeiro, todos vão querer ouvir essa história. O senhor, jornalista, saber ser muito estimulante notícias novas.

— A situação de alto risco não fornece garantias de que vai haver retorno. Pessoas, expedições, não puderam prosseguir ou desapareceram. Estaremos sujeitos à mesma sorte?

— Amadores, senhor Rossi. Onde estão, com quem, por que não voltaram, tiveram escolha? Que aconteceu com essas pessoas? Estão presas, foram mortas? Não sei. Vamos descobrir?

— Não há segurança, quem garante...

— Montanhismo também é perigoso, acidentes acontecem, pessoas não voltam. Nem por isso é menos praticado. Ao contrário, os adeptos crescem em grande quantidade. A busca de aventura move as pessoas. Os verdadeiros motivos são talvez de foro íntimo, não é verdade? Sair da rotina já é uma motivação considerável.

Chegam dois estrangeiros identificados como os outros participantes da expedição. Apresentam-se como Hermann Breed e Bayle Vassari Castelar. Cumprimentam Rossi em portunhol. Após trocarem algumas palavras com Aníbal Norton, se despedem, mostrando-se apressados.

— Desculpe senhor Rossi, mas o português deles não é melhor que meus conhecimentos do tupiguarani.

— Mr. Norton, por que um jornalista e um fotógrafo brasileiros? Estaremos numa situação de alto risco, sujeitos à imprevisível sorte de muitas expedições que nos antecederam?

— Quando se escala uma montanha, quem sabe ao certo que acidentes podem acontecer, senhor Rossi. Boa parte de nossos esforços está entregue ao acaso. O senhor estava dizendo: “Não há garantias de nada...”

— O senhor pensa saber as respostas, mas os outros também tinham certeza de que tudo ia sair como planejaram, boa parte dessa expedições não voltaram para contar a história.

— Não há garantias de que teremos mais sucesso. Sempre há incertezas e riscos. Os contatos de seu jornal podem facilitar um pouco as coisas. Há muita burocracia no Xingu, os nativos não mais se contentam com paetês, miçangas e espelhinhos de bolso. Há rivalidades mortais entre as tribos. Temos de acreditar no melhor das possibilidades.

— Sei! O jornal participando as dificuldades ficam reduzidas. Muita burocracia pode ser evitada, o acesso ao Xingu facilitado.

— Está certo. Veja pelo lado positivo. Ao chegarmos aos subterrâneos não faltarão notícias sensacionais: seu jornal estará divulgando-as sozinho. Você poderá escrever um livro, vender direitos de publicação para outros países. Não tenho nada contra esse modelo de participação.

Rossi acredita que o americano não vai querer expor as verdadeiras motivações e objetivos da expedição. O mais que consegue dele são essas opiniões propositadamente juvenis. Sente que ele está escondendo muita coisa, que não está disposto a ser mais explícito em definir propósitos.
— Como o jornal entrou nessa expedição?

— Eu pesquisar banco de dados do jornal, um membro do Conselho estar de posse de um dossiê, um arquivo... Nome, nome dele... Jângal...
— “Arquivo Jângal”.

— Isso mesmo, esse Arquivo, não li, interessou membros do Conselho na expedição. Os interesses de seu jornal se harmonizaram com os da campanha. É isso. Precisa um nome para ela, o senhor vai sugerir?

Rossi percebe a habilidade do gringo em mudar de assunto. Talvez não saiba, nem queira saber: possivelmente, dezenas de casos de combustão humana espontânea, e outros eventos de grande estranheza e impacto na psique social, têm alguma espécie de conecção com os subterrâneos da Serra do Roncador. Seus motivos realmente devem ser outros. “Arquivo Jângal”... Murmura Rossi, “nada acontece por acaso”.

— Como não, responde, Expedição Norton, parece adequado?

— Ah, bom, sorri o gringo, acredito que todos estaremos de acordo. Aqui está o cronograma da Expedição ahn, Norton. Em uma semana, encontro o senhor e a fotógrafo no Hotel Manaus.

— As imunizações, como dizem? Ahn, vacinas, aqui neste endereço na Alameda Jaú. Nome do lugar, Cedipi, contra infecções viróticas, parasitárias, essas coisas. Para entrar no Xingu precisar disso. Imunizar contra mosquitos anofelinos transmissores da malária, micróbios, doenças infecciosas. O senhor sabe, vacina contra malária não existe. Nesse endereço o senhor vacinar contra difteria/tétano, febre amarela, hepatite A, hepatite B e febre tifóide. Precisamos prevenir, como dizem aqui, prevenir para não ter de remediar. É isso mesmo.

O americano pronunciou a palavra remediar como se ela fosse um adjetivo. Mostra uma familiaridade emocional com a fala popular. Despedem-se. Ao sair, Rossi está surpreso com a rapidez com que as coisas estão a acontecer. Repassou ao Conselho do jornal o “Arquivo Jângal”, eles souberam tirar proveito dele. Suas informações não mais estão restritas a ele, à filha Jussara, a Agassiz e à família de Voltaire.

Apesar de jornalista com muito tempo de “basquete” como acreditar que uma reportagem sobre subterrâneos na selva amazônica, em tão curto espaço de tempo, poderia fazer parte da pauta investigativa do jornal ? Imaginou que tal aventura fosse preterida em nome de outras realizações jornalísticas e políticas, todas essas de caráter jornalístico mais urgente.  Por  vezes  não  há como negar, a realidade surpreende mais que a ficção. Surge de repente, assusta, como a ameaça do bote de um jaguar. Agora, e somente agora, novembro de 2035, acredita que a Expedição Norton vai realmente acontecer. Ele está dentro desse barco trôpego.


“ARTIGO DO DIA”:
OS NICHOS DA “FÚRIA”

Os leitores, ávidos por uma orientação coerente, a partir da qual possam interpretar os acontecimentos cinematográficos do canal 10, vertem as mais absurdas teorias. Para uma realidade efervescente de surrealidade, nada mais convincente que explicações à realismo fantástico.

As crianças do prédio de Sabrina, comentam entre si no pátio de recreio, que as histórias dos longa-metragens do canal 10, são como assistir no dia seguinte, aos vários programas policiais dos outros canais, de uma vez.

A impressão geral é a de que a Terceira Guerra Mundial, o “Reich dos Mil Anos”, está desdobrando-se nos eventos cinematográficos da tvvirtual, sintoma de outras perturbações não menos impressionantes, presentes no ambiente interno dos edifícios de apartamentos, assim como nas ruas e avenidas de São Paulo. Há uma guerra deflagrada, não declarada, decisiva, entre forças inconscientes que disputam a alma coletiva das pessoas, do mundo globalizado.

Nos nichos do medo urbano, as variantes coloridas do H3V, as mutações em série de átomos de sais e fungos, proliferam em seis variedades epidérmicas de inflamação sebácea, através de pelos e furúnculos a cores, que estigmatizam as pessoas vítimas de contaminação.

Os filmes do canal 10, dizem alguns jornalistas, em crônicas na imprensa escrita, são uma mostra desromanceada de todas as ameaças rotineiras que acontecem com as pessoas nas ruas, nos lares, nos estádios, nas casas de diversões noturnas, nos parques, nos ônibus urbanos e interestaduais. Até dentro de seus edifícios, construídos de modo a superestimar o fator segurança, as pessoas sentem-se ameaçadas.  

Os filmes do canal 10 mostram as formas de criminalidade selvagem, o ódio indescritível que prolifera entre seres que não mais podem ser considerados humanos, devido às formas de agressão e criminalidade sem precedentes que agenciam. É como se uma grande onda luciferina houvesse se apoderado de todas as instâncias da sobrevivência metropolitana.

As crianças zunem baixinho, como se não quisessem ser ouvidos, sonegando seus saberes aos adultos. Esses, de orelha em pé, buscam ouvir furtivamente, por detrás das portas, disfarçam motivos para uma proximidade aos grupos de crianças que trocam palavras.

Pais, parentes, vizinhos, fazem tentativas de subornar a criançada com promessas de presentes e viagens que parecem não surtir efeito: os leros das crianças ficam, não raramente, entre elas mesmas. Como se uma linguagem cifrada se tivesse tornado característica de trocas de impressões verbalizadas sobre os acontecimentos inusitados da tv “full-time”.

Quando se sentem pressionadas a falar, em vista dos apelos feitos na intimidade dos lares, a gurizada costuma não ceder ao sentimentalismo das pressões, e respondem:

— Não sei nada, bobagem, sou só uma criança. Apenas uma criança, criança não sabe nada. Adulto é que sabe das coisas.

Em vista de muitas respostas semelhantes a esta, os pais desistem de insistir, ainda que comentem em foro íntimo: Elas sabem o que realmente está acontecendo. São agentes do que está acontecendo.

Normalmente, é do pátio das escolas que saem as dicas na nova linguagem das conversas infantis. Elas invadem as conversas adultas. O inusitado auê do canal 10 toma conta dos tititis e fofocas nos bares e em outros ambientes coletivos das cidades.

Os técnicos em eletrônica não têm uma explicação lógica para o metafenômeno de que, numa residência, para se ter acesso a outros programas e canais, inclusive os da tv a cabo, é preciso que haja um segundo aparelho sintonizado nos very larges movies do canal 10.

As indústrias de tvs aumentaram abusivamente as vendas. Novos modelos são lançados com um dispositivo que permite a ausência de um segundo aparelho de tvvisão, por trazer acoplado, uma segunda opção, junto ao monitor maior dos novos modelos. A propaganda destas novas ofertas chama a atenção do consumidor para a vantagem inquestionável, que lhes permite sintonizar, simultaneamente, o canal virtual e os normais, num mesmo monitor com duas telas e imagens paralelas, tridimensionais, sem interferências entre si.

Os novos modelos de aparelhos de tv são a grande atração. Pessoas interessadas em tvvirtual, e pessoas que preferem assistir aos programas dos canais normais, podem conviver simultaneamente com este aparelho, na mesma sala de jantar. Os fones de ouvido, com regulagem via controle remoto, permitem a concentração da observação visual e auditiva, em uma das telinhas do monitor, conforme a preferência do tvespectador. As promoções de venda desse modelo são um sucesso. É a indústria se adaptando rápido às novas necessidades de consumo.

A economia dos grandes conglomerados tvvisivos está em baixa. Os executivos e vendedores do varejão, comemoram. A tvvirtual aumentou em muito a quantidade de tvespectadores que querem adquirir os novos modelos. Os membros do Conselho de Segurança da ONU estão em frequentes reuniões de cúpula: acreditam que a velha ordem mundial globalizada está preste a ruir.

O medo de sair às ruas não é suficiente para impedir que as noites e as madrugadas estejam cada vez mais povoadas nos fins de semana. A curiosidade, o interesse das pessoas em especular, indagar, participar das excentricidades que estão a acontecer confunde até os mais perspicazes observadores. A fome de participação é muitíssima mais intensa que os temores pessoais motivados pela síndrome “infectocontagiosa” do pânico.

O filme “full-time” do dia conta a história de uma criança, filho de mãe solteira, cobra criada na grande cidade de São Paulo. Cresceu menino de rua, explorado por policiais e traficantes de drogas, desde o tempo de hóspede da Febem. Nela, fez os cursos básicos de tráfico, revolta e violência. Com o tempo, mestrou-se  nas escolas de marginalidade nas casas carcerárias das delegacias de polícia. Graduou-se com honra ao mérito PhD na prisão do Carandyroon. Exemplo de promiscuidade em presídio.

Consegue escapar com vida de três atentados organizados por grupos de policiais que tentam monitorar sua existência sobressaltada. Querem apagar a chama bruxuleante de sua subvida, para que não possa testemunhar, em júri, os crimes hediondos presenciados por ele, perpetrados por oficiais militares que tiravam proveito de grupos de garotos e adolescentes explorados pelo tráfico e pela prostituição.

Depois do último atentado frustrado, ficou difícil pegá-lo de jeito. Cobra criada no submundo, a ficha policial por crimes de homicídio culposo, premeditado, contra civis e membros da força pública, seria suficiente para condená-lo a mais de mil anos de prisão. Especializou-se em disfarces, tanto pode parecer uma prostituta atraente num dos “hot-points” do centro da cidade ou dos Jardins, como um jovem michê, solicitado por executivos numa sauna da Augusta, do Jardim América ou da Vila Mariana.

Pós-graduado em ultraviolência, drogas pesadas e promiscuidade sexual, passa a frequentar os inferninhos gays do Jardim América e adjacências. Descobre estar infectado pela mais letal mutação do vírus H3V, o PUF. Acentua a morbidez e a paixão pelo desvio sexual, no convívio com alegres rapazes emergentes, com aviões e aviãozinhos descolados, nos cantões badalados da noite paulista e paulistana.

Conhecido como “A Fera”, seus surtos de agressividade compulsiva são temidos por policiais da Ronda, da Rota, da Garra, e de outros grupos de policiamento ostensivo, como uma espécie muito mais perigosa e mortal, que o folclórico marginal do submundo carioca das décadas de 40/50 do século passado, conhecido por madame Satã.

O QI da “Fera”, 162, explica, em parte, as dificuldades policiais para, através de armações e armadilhas, as mais dissimuladas e traiçoeiras, tentar atraí-lo para uma arapuca onde pudesse ser fuzilado, queimado e desovado.

Ao conseguir escapar de cada trama armada pelo ódio cada vez mais exacerbado das forças da repressão, “A Fera”, encolerizada, promove a execução fria e implacável dos envolvidos direta e indiretamente nas tentativas de exterminá-lo: dos cabos, soldados e oficiais militares, aos informantes pés de chinelo das polícias. Para isso, usa as armas da pressão, tortura, agressão, interrogatório sádico dos envolvidos que, não raras vezes, termina na morte dos mesmos. “A Fúria” circula livremente em todos os níveis do submundo. Todos querem vê-lo por trás, mas, em sua presença, agem com afetada condescendência.

Conhecedor dos meandros obscuros e tortuosos da mente coletiva dos perseguidores, familiarizado com a cotidiana  crueldade, a violência, a conduta irresponsável e doentia de alguns maníacos intoxicados pela fome de poder da hierarquia do tráfico, “A Fúria” reage de maneira destrutiva e hostil às tentativas frustradas de vestir seus restos mortais num paletó de madeira. “A Fúria” conhece de perto o uso e o abuso da exaltação encolerizada da autoridade policial.

Segundo a opinião de alguns resenhistas da atualidade, com base numa entrevista a uma repórter de jornal de bairro, publicada posteriormente em editoriais nos principais jornais do eixo São Paulo-Rio, este very large movie do canal 10 de hoje, denuncia, entrelinhas, o marginal conhecido como a Fúria. A Fúria denunciou as conecções de interesse entre os massacres de presos no interior de algumas penitenciárias, definindo-as como queima de arquivo da corrente estabelecida entre autoridades do poder público e algumas personagens da polícia política, graduadas do submundo no crime.

A sociedade espera respostas. Respostas dos pátios dos colégios infantis e infanto-juvenis. A dificuldade está em que as crianças e jovens (os inúteens), se esquivam de contatos verbais com pessoas que não sejam membros de suas turmas. Comunicam-se entre si como se habitantes de colmeias. Pronunciam tão rápidas as palavras, que ninguém, exceto elas, decifram a sonoridade de seus zumbidos.

Psicólogos e parapsicólogos, em programas de debates tvvisivos, expõem teorias sobre essa nova forma de intercomunicação: uma espécie, segundo opiniões doutoradas, de xenofonia: perturbação na voz com tonalidade estranha, ao expressar-se numa pronúncia estrangeira. Outros defendem que essa fala, uma modalidade de xenoglossia, pode ser de influência e intervenção alienígena. As comunicações verbais, agudas e sibilantes, são intraduzíveis, exceto supõem, para as crianças e certos grupos de adolescentes.

De alguma forma, ninguém sabe precisar qual desses fenômenos soma mais intensamente no influenciar às demais sutilezas de uma realidade cada vez mais intensamente surreal.

Os adultos sentem-se premiados quando surpreendem grupos de garotas e garotos, entre oito e dezoito anos, na faixa dos inúteens, trocando idéias como antigamente, falando numa velocidade inteligível, de modo que suas palavras possam ser ouvidas e compreendidas, ainda que, por vezes, o sentido lógico delas não seja imediatamente assimilado.

Quando isso acontece, as pessoas adultas costumam gravar e vender as fitas para os meios de comunicação, interessados em divulgar qualquer novidade proveniente das conversas infanto/juvenis inteligíveis, muitas das quais, a acreditar na opinião de alguns semiólogos, só podem ser assimiladas através de certa velocidade mínima de pensamento, muito mais intensa que a normal. A partir de tal intensidade e rapidez, os sentidos e significações lógicas são por eles percebidos e comunicados entre si. Essa manha os adultos ignoram.

O filme do momento da tvvirtual mostra flagrantes de crianças falando à antiga. Elas ficam surpresas e acabrunhadas, como se um penoso sentimento de vexatória humilhação, provocasse uma reação extremada de indignidade entre seus pares. Passam a impressão de que, quando não se comunicam por meio desse novo padrão de “velocidade de evasão verbal”, na definição de alguns educadores, não conseguem escapar da “prisão gravitacional do campo psi coletivo dos adultos”.



ABISMO INTRANSPONÍVEL
ENTRE DUAS GERAÇÕES

De volta ao apartamento, Hélio comenta a situação não muito favorável, de sócio minoritário. Fala que deve ter uma atitude profissional conforme os interesses da empresa. Sugere que Carla  deveria ter mostrado mais afinidade com as idéias de Dalton Pittt e Fred Debret, diretores, presidente e vice, da firma.

— Suas opiniões podem causar estrago em meu poder de barganha na firma. Não é conveniente manter uma atitude polêmica com as idéias de Debret. Ele detém a maior parte das ações, tem poder administrativo para pressionar no sentido de desvalorizar e comprar minha participação, em baixa. E desfalcar minha aposentadoria de certas anomalias jurídicas pouco éticas, mas que permitem duplicar o valor dela.

— Dá um tempo, pai, você está sugerindo que preciso vender minha alma para esses reacionários luciferinos, em troca de favores e da aceitação de uma ideologia à Bobsauro e fóssil Debret? As causas que esses caras defendem, eles se especializaram nisso, são eticamente indefensáveis, você sabe.

— Ética, Carla, infelizmente, nunca dá camisa a ninguém, enquanto o sistema que gera lucros empresariais for capitalista. E selvagem. O planeta está intranquilo, prenúncio de uma mudança que está a acontecer. Até essa mudança acontecer totalmente, se acontecer, esquece a Ética.

— Não vou atrapalhar a estratégia de manter vivo seus interesses na empresa. Sem crise, três meses é tempo suficiente para preparar a Adélia. Ela vai me substituir. O mercado está escasso de ofertas, mas sei que posso conseguir outro emprego. Há algum tempo quero fazer isso. A ocasião é esta. Esquecer a Ética, este é o conselho que pais e educadores dão aos filhos. Talvez por isto as crianças encontraram um meio paralelo de linguagem, ao qual não têm acesso os adultos.

— Carla, você saindo da firma minha posição fica desfalcada.

— Eu ficando lá, pior. Por favor, desta decisão não há volta. Gostarei, se puder contar com seu apoio. Adélia tem tudo para me substituir, ela deseja isso mais que tudo, o tempo da mucama de franjinha, dizendo amém ao feitor da Casa Grande, acabou. Pelo menos para mim. Sua aposentadoria do colarinho branco estará mais garantida do que comigo por lá.

Hélio sabe que a competência de Carla nos serviços de informatização da burocracia da empresa, senso de dever, disciplina, fizeram dela uma funcionária quase indispensável. Sabe também: quando Carla decide, está decidido. Não vai argumentar chamando-a ao que considera bom senso, e às advertências que mais soariam como pedidos de submissão. As razões da filha penetram na mente de Hélio em busca de um nicho propício, ao qual possam posicionar-se sem causar danos aos trâmites de seus interesses pessoais na empresa.

Após o jantar, sente-se sobremodo fatigado. No sofá da sala, tenta concentrar-se nas imagens do filme do Canal 10. Cansado, o cochilar rápido substitui-se por pequenos períodos intermitentes de sono. Até que dormita longamente. A consciência cede lugar ao relaxamento da respiração, dos sentidos, dos músculos. Deseja manter-se desperto, mas a sensação de estar resvalando para dentro de um abismo, de aprofundar-se nele, é mais forte.

Ao dormir, Hélio sonha com a figura 22 do tarô egípcio regido por Vênus. Ela simboliza o grande caos que antecede as grandes mudanças. Nas costas do crocodilo uma jovem atravessa um rio. O réptil sagrado e temido simboliza Seth. Um eclipse lunar no alto da carta indica perigo, mas o altruísmo da adolescente parece garantir a sorte na arriscada jornada.

Não pode estar em seu juízo certo, balbucia Hélio, do contrário, como poderia permitir-se conduzir por esse réptil de dentes alveolados, de enorme força e palato, capaz de devorá-la num momento de fúria, ou afogá-la, conduzindo-a para o leito lodoso do rio.

Apesar das apreensões, ela chega ao outro lado do rio onde um unicórnio a espera. Sabe, não se lembra de onde vem esta certeza, que unicórnio não é feminino nem masculino, que a maldade luciferina fez com que essa espécie fosse extinta. E quando essa espécie é extinta num planeta, significa que a inocência de seus habitantes também se consumiu, que o futuro deles está também a extinguir-se.

Hélio admira-se de que todas essas coisas estejam tão claras. Claras no sonho, na vida real, sempre haveria de manifestar incondicional discordância a qualquer situação de ameaça à integridade física da filha.

O amor de Hélio por Carla é insuficiente para que encontre coragem de seguir para o outro lado do rio. Ela está a chamá-lo, sugerindo que vá até ao lugar em que se encontra, pela insistência dos gestos, insinua que não há perigo, que confie nela.

— Seja mais instintivo e menos submisso a seus medos. Confie em mim. Essa é a ponte. Venha até aqui.

Hélio reluta, sente-se paralisado de medo só em pensar em aproximar-se dos crocodilos que se encontram na margem, talvez à espera de um próximo passageiro.

Por um breve momento imagina poder imitar a filha, ir de carona no dorso do réptil até ela. Não, isso só é possível de acontecer porque está sonhando. Mesmo num sonho, aproximar-se desse animal escamífero, de instintos cruéis, impossível para ele.

Como a filha conseguiu? Mistério. Coisas assim só acontecem em sonhos. Como na fábula, surpreende-se na carapaça de um escorpião grande. Está desconfortável na pele do escorpião zodiacal, por coincidência, nasceu nesse signo. Reduzido da condição de homem, sente a cauda em aguilhão balançar a peçonha em direção ao sapo. Ao chegar perto, pede a ele que o conduza ao outro lado, onde está a filha. Ela lhe parece agora muito, muito mais distante. De alguma forma essa distância tornou-se intransponível.

Hélio tem pressa de convencer o anfíbio. Cada segundo reduz as possibilidades de estar outra vez em companhia da filha. O sapo alega:

—Certa vez, alguém de minha espécie deu carona a um escorpião, foi picado na travessia, ambos morreram. Escorpiões não conseguem evitar isso, é uma compulsão instintiva, diz o sapo, e sugere:

— Porque você não sobe nas costa de um destes crocodilos que estão dormindo na praia? Com sorte, muita sorte, poderá chegar à outra margem.

Hélio/escorpião após considerar a possibilidade, hesita: o medo, maldito medo. E se o crocodilo no meio da travessia mergulhar? Escorpiões podem respirar debaixo d'água? Conseguem nadar longas distâncias? Esse rio parece um mar, imenso, intransponível. Sobe num coqueiro e mira o outro lado, já sem saber ao certo porque está fazendo isso.

— Por que estou a olhar nessa direção? Que bobagem, que perda de tempo. Minha visão não vai tão longe. Que estou fazendo olhando pra toda essa água?

Ao despertar, Hélio lembra-se vagamente do sonho. Com a passagem do dia, esquece por completo as imagens oníricas. Ora, divaga, foi apenas um sonho assustador. No escritório olha para a filha. Carla parece estar tão longe, distante o suficiente para não valer o esforço de tentar alcançá-la. É uma sensação esquisita. Afastando-se dela, sente uma grande onda de nostalgia a percorrer as células de todo o corpo, a circulação do sangue. De coração aflito, pondera: Queria apenas que ela almoçasse comigo.


A EXPEDIÇÃO
PÁRA NO XINGU


Os membros da Expedição Norton seguem de avião para Cuiabá, capital do Estado do Mato Grosso, onde há as reservas no hotel. O americano comunica a Rossi e à fotógrafa Adriane Tauil, que a autorização da Funai para entrada e permanência no Parque do Xingu, chegou via fax, de Brasília. Na capital do Mato Grosso, Norton é notificado que o Jipe modelo Xavante XXI*35, a caçamba e o barco Marajó, de 19 pés, casco de alumínio, para ser atrelado sobre o teto do carro, chegaram, transportados de São Paulo.

Dia seguinte, seguem em direção a Canarana pela BR-158 até o rio Xingu. No outro dia acampam no Parque Chapada dos Guimarães, próximo à sede da reserva das quinze aldeias habitadas por 3600 índios.

Nove e trinta, após banho e café, a primeira etapa na selva da Expedição Norton inicia-se, afinal. Viagem de dia, acampamento ao entardecer. Se estiverem próximos à margem de um rio, alguém vai pescar, outro acender fogueira, outro mais, preparar o rancho. Não querem usar as provisões enlatadas, exceto enquanto complemento alimentar.

Rossi e Castelar armam as barracas. O acampamento acontece na Cidade de Pedra no alto da Chapada, à altitude de 800 metros, local onde podem ser observadas uma série de colunas rochosas alinhadas como se fossem dólmens druídicos, brotando do nada da vegetação rasteira, em direção às nuvens. Nada de hotel.

Cento e oitenta minutos depois Adriane documenta fotograficamente as mechas d'água, prateadas, da cachoeira Véu de Noiva, descendo do alto de seus oitenta e seis metros. Para seu olhar perplexo, é como se a velha natureza, uma fantástica Rapunzel, tão antiga como a  beleza  de suas  tranças de  cabelos  brancos,  estivesse a dizer que a natural beatitude é eterna, não precisa negar antiguidade, nem ir ao cabeleireiro camuflar as cãs.

A paisagem abre-se aos olhos admirados de Adriane: do alto do platô até o vale, são 1020 metros, um dos mais belos pontos turísticos do Mato Grosso, e do planeta. Na Pedra do Jacaré, há conchas petrificadas nas paredes, provenientes de fósseis com quinze milhões de anos, quando o vale “jazzia” submerso no grande oceano miocênico da era terciária.

A marcha da Expedição Norton apenas começa. Aníbal consulta um mapa e um medidor de coordenadas vias satélite, Global Positioning System (GPS), uma bússola ultrasofisticada que capta informações de satélites, e fornece coordenadas exatas de latitude e longitude.

A expedição segue em direção a Paranatinga, situada na reserva dos índios bacaeris. Ao entardecer do dia seguinte, através de trecho asfaltado, passam pela cidade de Primavera do Leste. Mais três horas de viagem, comendo poeira sobre uma estrada de terra, chegam à uma das margens do rio Culuene. Um acaso fortuito proporciona atravessá-lo numa balsa. O porto estava fechado.

A cidade de Paranatinga, a próxima parada da picape Xavante. A pequena carreta coberta com lona conduz as mochilas com munições e instrumentos necessários aos quinze dias programados para a duração da expedição em território Xingu. Neste momento seguem em direção ao Posto Simão Lopes, a quatrocentos e cinquenta quilômetros da Chapada.

Encontram-se na área das gigantescas serras cercadas pelo Paredão Grande, imensas construções naturais de pedras vermelhas e lisas, que, por vezes, atingem trezentos e cinquenta metros de altitude. Delas emana uma aura e uma beleza agressiva, ameaçadora, elementar, primitiva e mística.

Chegam em Paranatinga de madrugada. No centro da cidade, na rua São Francisco Xavier, assinam o livro de hóspedes do Hotel Havaí. A influência do jornal chegou até a esses confins, e os tinha precedido. O gerente do hotel conseguiu o melhor guia da região. Ele estava pacientemente à espera: o índio xamã Kapogi.

Nove horas da manhã, “pé na estrada da Expedição”. Apesar do cedo da hora, parece anoitecer. Faróis acesos seguem por um caminho rústico, pouco mais que uma trilha primitiva selva adentro. Nada de placas indicativas.

A orientação de Kapogi permite que os membros da Expedição Norton não se percam no emaranhado de outras trilhas, que por vezes, nem trilhas eram, uma vez tomadas pela vegetação rasteira e pelo mato mais alto.

Hermann, Vassari e Norton tinham confiança na bússola GPS, sintonizada numa rede com centenas de satélites em órbitas baixas da Teledesic Network, uma supermultinacional, com maioria das ações preferenciais em nome da Microsoft e da Boeing.

Casais de raposas pretas, vermelhas e malhadas, saltam, de um para outro lado da estrada. Pouco antes de meia-noite, a Expedição chega a Canarana, um naco de civilização com 12 mil habitantes, no fim do mundo da selva adentro. Com GPS, sem Kapogi, não haveria como chegar tão depressa.

Arrancham-se numa pensão. Ao despertar às oito horas, são informados: estão impedidos de seguir. Segundo Kapogi:

— Acabou Expedição: a papelada dos burocratas de Brasília não vale nada. Aqui, os índios não permitem a entrada no Parque, mesmo sabendo “exatamente” o que a Expedição Norton vai fazer.

Rossi anota no diário: “Maior parte dos caciques proíbem nossa presença no Xingu, a saída seria mudar o roteiro da expedição. Teríamos, talvez, de seguir dois mil quilômetros de carro, sem descer o rio. Norton tenta resolver o impasse telefonando para o índio Yuruquá, em Brasília, funcionário da Funai responsável pelo Xingu, diretor geral do Parque.”

— Não pode ser assim, responde Yuruquá. Uma autorização dessa leva muitos dias, todas as tribos têm de ser consultadas.

— Sr. Yuruquá, argumenta Norton, esta é uma expedição científica, viemos estudar espécimes da flora e da fauna amazônica, temos um trabalho a fazer dentro de um prazo. Por favor, encontre uma maneira de nos ajudar a seguir, não temos propósitos comerciais. A verdadeira natureza dessa expedição  nunca  nenhum de vocês  vai saber.

— Mas os caciques sempre têm, senhor Norton, propósitos comerciais. Reuni-los pode levar tempo. O senhor aluga um avião, manda buscar os mais distantes para uma reunião no Posto Leonardo. Vou falar com Aritana para fazer sair a permissão de entrada e a autorização para as pesquisas nas terras Kalapalo, mas não posso garantir nada.

— Precisamos da autorização amanhã, nossos recursos são limitados. Como falar com Aritana e resolver esse impasse o mais rápido possível? Temos um cronograma a cumprir.

— Aritana lidera os outros caciques do médio Xingu. O que o senhor conseguir com ele, vai estar valendo para todos. Ele fala com Lokaraja pelo rádio, e com o cacique Afucaran, líder dos kuicuros. Reúnem-se para decidir logo a descida pelo rio, passando pelas aldeias.

Para simplificar: os novos papéis da Funai e a aprovação dos índios, só poderiam ser conseguidos com uma grana preta (verde), desembolsada em  rápido prazo. No Xingu, a Funai e os índios são duas coisas que, por vezes, não se entendem, com interesses supostamente divergentes, apesar desses interesses serem mediados por índios funcionários do governo federal.

Agora que a coisa está ficando interessante, eles não podem prosseguir. Rossi sabe que Norton logo encontrará uma saída para o impasse. Não veio de tão longe para ficar no meio do caminho.



RASTREANDO
EXTRATERRENOS


— Vim de São Paulo até aqui para morrer na praia? Não faz sentido. Rossi pronuncia a frase como se pensando em voz alta. Sentada à sua frente numa mesinha, copo de cerveja à boca, na sala do hotel, Adriane acompanha o raciocínio do jornalista:

— Os gringos vieram de mais longe, com certeza têm como resolver o impasse.

— Grana. Índio agora quer grana. Índio não quer mais apito e colares de vidro.

— Sem dólar as portas do Xingu vão estar fechadas. Norton deve saber disso. Prevê tudo.

— Aqui para nosso gasto, o gringo é cheio das surpresas, foi adido da embaixada americana em países do Oriente Médio. Ex-traficante de armas. É judeu e possivelmente membro do Mossad.

— Isso quer dizer “time is money”. As verdinhas vão saltar do baú, pode crer, índio quer verdinha se não der não vai haver Expedição Norton.

— Problema mesmo é saber o que está por trás do interesse deles nos subterrâneos da Serra do Roncador. Aníbal é muito determinado para ser apenas um aventureiro em busca de emoções tropicais. Nesse mato tem coelho.

— Certamente não está em busca do tesouro dos Incas.

— E essa agora?

— Diz a lenda que quando os invasores espanhóis estavam prestes a saquear o Império Inca, 1100 lhamas, carregados de ouro, dirigiram-se para as entradas desses túneis na Amazônia. Os fugitivos da sanha criminosa do colonizador espanhol, os que não acreditavam serem eles os deuses de suas profecias, picaram a mula em direção a uma das misteriosas entradas dos supostos túneis.

— Os sacerdotes incas mantinham contatos com o povo subterrâneo dos “Muito Antigos” e foram por ele aceitos na fuga desesperada do sanguinário Cortez e sequazes.

— Alguém disse não existir acaso, toda a coincidência é significativa. Fugir do colonizador implacável, dos caninos ávidos por sangue e ouro, safar-se para um lugar realmente inatingível, que não estivesse na cartografia de seus mapas muito atualizados para a época.

Adriane nota o interesse de Rossi, fica mais tranquila por sabê-lo ter conhecimentos desses fatos. Isso explica, em parte, ter aceitado participar dessa expedição. Quais seriam seus outros interesses? Ela prossegue:

— Em 1963 foi descoberto um cemitério de corpos embalsamados, remanescentes de uma civilização muito mais antiga do que a incaica, que habitava as encostas orientais dos Andes na cidade de Gran Pajaten, a 2400 metros de altitude. Rossi é todo ouvido.

— Parte do mármore da necrópole em ruínas, depois de descoberto em meio ao emaranhado  quase impenetrável da árdua floresta  peruana foi retirado dos mausoléus.

Dentro dos sepulcros foram encontradas entradas que conduziam às câmaras subterrâneas, algumas inatingíveis, à grande profundidade.

— Os índios da aldeia de camponeses de Pataz, situada numa região próxima, servem de guia até as ruínas de Pajaten, com dezoito imponentes edificações, paredes cobertas de representações figurativas de homens e animais muito primitivos, e de uma estranha vegetação, classificada pelos estudiosos da exobiologia como sendo de natureza extraterrena.

— Essa necrópole, prossegue Rossi, para surpresa dela, torna obsoletos todos os conceitos da arqueologia e da história clássica. Segundo a doutora Jane Wheele, assessora do doutor Thomas Lennon, do século passado, “há cemitérios intactos de um povo desconhecido e sem nome, localizados em locais quase inacessíveis”. Todos a grande altitude.

— Você sabe.

— Sim, também pesquiso.

— Arqueólogos, etnólogos, e outros homens de ciência, só tiveram conhecimento dela em 1985. Pelos despojos da necrópole, fica evidente que a anatomia dessa raça não é humana. A coisa parece ficção de um episódio da série Arquivo 3X.

— Mas não é, acredite.

A convicção de Rossi, seus conhecimentos dessa realidade pouco divulgada, soa aos ouvidos atentos de Adriane, como mais uma pista do porquê ele está aqui. Rossi disserta conhecimentos sobre este sítio inexplorado, que ela supunha, à pouco, apenas seus, dentre os membros da Expedição.

— A Colorado University, utiliza serviços de pesquisa especial da NASA para rastear a região, com dados telemetrados por satélites. O contrato de exclusividade entre a universidade e o governo peruano foi firmado em meados da década de sessenta, do século passado.

— Certo, você está mesmo por dentro, ela confirma, enquanto Rossi mostra certa erudição sobre esses fatos:

— Etnólogos, estudiosos de formas de vida de alta inteligência, garantem que os despojos não são de trogloditas, elos perdidos, mas de sobreviventes de uma raça alienígena, com uma anatomia diferente da humana.

— Moravam nas muitas centenas de imensas cavernas abobadadas, escuras e frias, mais de acordo, talvez, com seu habitat original. Não se sabe ao certo como vieram parar na antiga e periférica Terra. Talvez atraídos por sinais de acolhida, supostamente provenientes da civilização lemuriana. Ao chegarem aqui, construíram em locais muito altos, reproduções do clima das moradas originais.

Rossi e Tauil continuam a especular:

— Você acredita que os gringos armaram esta expedição por  interesses científicos, ou pelo ouro dos incas? Vai saber?, ela mesma responde. Talvez ligações haja entre o vigente “Reich dos Mil Anos”, e os lêmures que habitam o subway amazônico.

— A teoria Done: o “Reich dos Mil Anos” estruturou-se pra valer após a suposta vitória dos Aliados.

— Acredite, as motivações deles podem ser totalmente inusitadas, diferentes destas que você imagina, até mesmo... Vingança.

— Punição, castigo? Contra quem? Você quer dizer o que com isso?

A conversa pára com a chegança de Aníbal. O gringo aproximando-se garante:

— Amanhã os índios vão se reunir numa encenação de assembléia deliberativa. Os caciques e chefes da região, sob a liderança de Aritana vão decidir “democraticamente”, a entrada da expedição em área restrita do Xingu. A nova autorização de Brasília deve chegar até as 14 horas. Foi preciso uma “baba”, mas os arranjos já foram feitos. Adriane e Rossi sorriem, cúmplices.

Ao meio-dia nublado, dois dias depois de chegarem a Canarana, a Expedição começa a descer o rio Xingu no barco. As próximas seis horas são de navegação, mato, jacarés e pássaros de tipos e cores as mais diversas. A beleza natural é simplesmente luxuriante.

No Xingu, os índios não cultivam a terra nem para produzir bens de consumo. A cultura de subsistência exclui a carne vermelha. Alimentam-se de peixes, beijus de mandioca, e de alguma caça, tipo capivaras e antas: há grande quantidade delas, mas seu consumo é resumido.

Norton teve de sacar mais de trinta mil dólares, entre propinas e o pagamento do aluguel do helicóptero, para trazer e levar alguns líderes para a “assembléia” que deliberou em favor da Expedição. Desta forma consegue agilizar os trâmites burocráticos da Funai, fazendo com que corressem em ritmo de maratona. Maior parte do “money” foi distribuído entre os líderes e caciques. Nem tudo foi vitória deles, o gringo marcou um tento nas negociações.

Normalmente os índios não permitem a entrada de ninguém no Xingu sem acompanhamento. Nas três últimas décadas, não se conhece exceção para essa regra. Norton, alegando razões de privacidade do suposto grupo de pesquisas sobre zoobiologia e zoogeopoligrafia, só liberou o “cacau”, após os aparentemente inflexíveis caciques, concordarem em que a “expedição científica”, não seria “monitorada” por nenhum grupo de índios, a partir do porto da aldeia dos kuicuros para onde se dirigem agora.

No trajeto passam pelo povoado kalapalo, o povo mais feiticeiro do Xingu. Numa das margens, dezenas de índios acenam com a mão para que parem. Os membros da Norton acenam de volta, agitando com insistência a ponta dos dedos da mão direita sobre os mostradores dos relógios nos braços, querendo dizer não ser possível parar devido a escassez de tempo.

Rossi volta a escrever no diário: “A rivalidade entre kalapalos e kuicuros, costuma gerar vários incidentes, alguns graves. Torcemos para que o fato de não termos parado não dê origem a hostilidades posteriores. Isso porque, os kuicuros, odiados pelos kalapalos, eram nossos cicerones nesse momento.”

Ao anoitecer ancoram no porto da aldeia kuicuro. Dezenas de jovens usam walkman, os cabelos cortados e vestidos à moda dos brancos. Acima deles uma meia centena de bicicletas, algumas motos incrementadas, estacionadas, correspondem à quantidade de índios que estavam no cais, embaixo. Estão à espera da oportunidade de ganhar presentes: escovas de dentes, relógios do Paraguai, bolas, balinhas, bombons de chocolate, fósforos, apitos, cigarros, isqueiros, pacotes de aspirina efervescente, biscoitos água e sal e doces.

A proibição do índio Angatá de violar os pacotes não foi respeitada. Os jovens abriram as caixas e distribuíram o conteúdo. Mais tarde acampam na outra margem do rio. Não querem que curiosos mexam nas bagagens, equipamentos, câmeras, gravador. Sabe-se que índios não respeitam brancos. No Parque, fazem e acontecem, estão protegidos pela impunidade, mas nunca se teve notícia de terem incinerado, ao vivo, algum espécime de homem  branco.

Pela manhã o sol desponta por trás dos enormes jatobás, do tupi yata'i e yata'wa (jatobá-do-campo). O jornal fretou um pequeno avião. Ele permite a Adriane fixar o visor da Nikon F/36, ajustar a teleobjetiva de 600mm, autofoco, e reproduzir centenas de imagens aéreas do Campo do Cavalo Morto, assim denominado pelo aventureiro inglês, coronel Fawcett, quando da segunda expedição deste, em direção às passagens subterrâneas situadas nas imediações da Serra do Roncador, em 1925, no paralelo 11º e 43'' de latitude sul e 54º e 33'' de longitude.

Ao chegar a este local, o cavalo de Fawcett morreu de uma picada de serpente venenosa, daí o nome Campo do Cavalo Morto. Rossi faz novas anotações no diário: “Às 15 horas o barco voa sobre a superfície do rio, conduzido com mestria por Hermann. Devido à velocidade, não se consegue fixar com nitidez a paisagem, do leito e das margens. Penetram num emaranhado de pequenos canais, locais quase inacessíveis, misteriosos, de difícil aproximação e trânsito para quem não estiver familiarizado com as veredas.”

“A água, de limpidez cristalina, permite visualizar a vegetação verde que aflora do fundo do rio, quando o barco é forçado a diminuir de velocidade. Mesmo à grande profundidade, o leito do curso d'água parece estar próximo à superfície.”

“A vegetação de brejo e pântano dá origem a milhares de ilhotas e canais numa paisagem que, de tão bela e inusitada, traz ao presente uma certa nostalgia de algum suposto e romântico paraíso perdido. Adriane sente, com intensidade, a satisfação e a volúpia de estar em meio a esse emaranhado de cores e sons da vegetação e da fauna do arco-íris. Elas fazem com que os sentidos da fotógrafa exilem-se provisoriamente, por segundos, num encantamento arrebatador, transportando-se, suponho, em êxtase místico, para um mundo de fantasia.”

Entardece quando o barco aporta no Posto Leonardo, um sítio alto à margem do rio Tuatuari, com construções antigas que lembram as missões jesuíticas. Maior parte dos prédios estão abandonados, incluindo as escolas. O posto médico e o gerador de energia funcionam normais.

As lâmpadas dos postes são acesas, os índios das nações aueti, mehinaco, iaualapití e trumaí cercam o barco. A caixa com alimentos é esvaziada em segundos pelos adolescentes. O jantar com peixe, pirão, paçoca e macarrão, que o índio Ararapã mandou servir, teve sobremesa de frutas silvestres, com casca muito preta e um recheio transparente tipo pitomba, as “marias pretinhas”, como os índios as chamam, estavam deliciosas.

A Expedição acampa outra vez, do outro lado do rio Tuatuari. As cores do anoitecer aumentam a sensação de liberdade transmitida pela paisagem às margens. Surge em Rossi, leitor atento e fã do Kuarup de Antônio Callado, a idéia de, se voltar, escrever a história da Expedição Norton.

Ignora que o livro PSYCOCITY, que Tauil adquiriu numa livraria do shopping Morumbi, pouco antes de se engajar nesta aventura, conta a história desta Expedição. Seria fantástico demais para qualquer um dos membros da Expedição Norton, associar uma ficção editada em livro, com a realidade que estão a viver.

Ela o trouxe, mas não leu. Rossi apenas folheou e percorreu com a vista, ligeiramente, alguns parágrafos. Uma realidade mais paradoxal que qualquer paradoxo de seu conhecimento, está em andamento. Eles nem desconfiam, mas fazem parte do elenco de personagens do livro. Escrito, segundo avaliação posterior de Rossi, por um viajor do Tempo.

Tauil fica longo período matutando na agilidade com que Hermann singrou a trilha certa no emaranhado de ilhotas das águas. A familiaridade com a trajetória... A certeza de que ele já conhece, há muito, esse labirinto fluvial, pantanoso.

Finalmente param e acampam. Hora de dormir. O sono traz sonhos. Eles avivam em Adriane a lembrança dos estranhos desaparecimentos de centenas de pessoas em expedições que, desde 1925, buscaram comprovar a existência das cidades subterrâneas. As imagens, coerentes, são como um filme revelado com material inconsciente, não sujeito às limitações de tempo e espaço: pensamentos, sentimentos e emoções fluem através de representações de forças da natureza.

Ao despertar, ela quer lembrar-se, sem sucesso, das sequências plásticas que evocavam novas combinações de idéias. Pelo menos uma frase persiste nítida na memória consciente: “Depois de vencer todos esses obstáculos para entrincheirar-se nas entranhas da Terra, você alardearia os seus segredos?” A sensação de que já ouviu ou leu isto antes, não sabe onde. Uma frase complementar se faz nítida: “Você não teria a quem dizer estar a fazer parte do grupo terminal do último casal habitante da Terra.”

Adriane não teve outra oportunidade de trocar idéias com Rossi. Precisa disso, mas, na barraca, ontem, as emoções do dia fizeram com que mergulhasse no sono sem sequer um “boa noite”. Deitou e dormiu antes que o jornalista chegasse à barraca. Ele também achou estranha a habilidade de Hermann Breed na direção do barco. Exigindo tudo do motor de popa de 100 HP, da lancha Marajoara, casco de alumínio, com velocidade de 100 km/h. Está claro que muitas informações sobre essa expedição estão fora do controle deles, jornalistas, e talvez, dos membros do Conselho do Jornal.
c
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 23/04/2011
Alterado em 12/12/2013


Comentários