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"Memórias Póstumas De Brás Cubas"
Narrando a vida de um homem que nada realizou, este livro tem Brás Cubas como personagem narrador. A situação fantástica a partir da qual foi escrito: um autor defunto, ou melhor, um defunto autor. A ironia, ao mesmo tempo que conta o ato de contar, e também o que é contado.

A comparação presente entre o livro e o Pentateuco. Através de tal comparação, fica subtendida ironicamente, a superioridade do primeiro, em relação aos outros. Outra ironia quando Brás Cubas interessa-se pelo "humanitismo", a teoria filosófica criada por Quincas Borba: uma crítica irônica de Machado de Assis às doutrinas positivistas e deterministas, em voga na época.

QB enlouquece e a personagem é retomada por Machado de Assis, assim como o "humanitismo", em obra realista posterior. Rubião é o protagonista de Quincas Borba, herdeiro do filósofo e "novo rico", a quem todos engana, assemelhando-se aos insucessos da vida de Brás Cubas. Memórias Póstumas de Brás Cubas, é realista em sentido profundo, subverte as técnicas narrativas românticas, ironizando-as. Assim como ironiza impiedosamente os valores burgueses. Tanto Brás Cubas como Quincas Borbas invertem a trajetória típica dos "heróis" do mundo burguês, uma vez que fracassam, demolindo o tema da ascensão social e do preço pago por ela, geralmente no plano afetivo, tão caro aos romances da literatura francesa de Sthendal e Balzac.

Machado de Assis questionou os modelos ideológicos e literários importados pelo Brasil. Mostrou uma literatura vulgarmente chamada de pessimista, os avessos de nossas matrizes culturais impróprias: ridicularizando as correntes de pensamento deterministas e positivistas (o "humanitismo" de Quincas Borba), seja substituindo o "self-mad-man" pelos derrotados que se vingam da vida, ironicamente, seja através de uma personagem modelar como o agregado José Dias, que sugere os procedimentos através dos quais a "política do favor", "de uma mão que lava a outra", do "é dando que se recebe", ironizada por Manuel Antônio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias), e pelo próprio Machado de Assis em Dom Casmurro.

A "Anatomia do caráter" proposta por Eça de Queiroz, foi realizada de tal forma por Machado de Assis, que só lendo e relendo, poderemos avaliar com mais atenção: a análise psicológica, a dissecação dos movimentos mais sutis da alma e do comportamento humano; diálogo crítico com os processos narrativos tradicionais, desvendamento do ato de narrar, narrando; humor amargo e fino; ironia sutil e devastadora, ceticismo, indizível agudeza de percepção, constituem alguns elementos centrais do realismo machadiano.

Machado é anunciador do Modernismo. Segundo Antônio Cândido, sozinho ele vale por toda uma literatura. Resumindo Memórias Póstumas de Brás Cubas: De seus amores juvenis por Marcela, prostituta de luxo, a viagem à Europa a fim de esquecê-la, de sua relação com Eugênia, moça pobre e defeituosa de uma perna, ao malogrado noivado com Virgília, cujo pai poderia adubar-lhe a carreira política, Brás Cubas se caracteriza como perdedor. Dilapida a fortuna da família, torna-se amante de Virgília após esta se casar com Lobo Neves. Separa-se dela quando perdem um filho que não chega a nascer.

A irmã de Brás Cubas arranja-lhe uma noiva que morre vítima de uma epidemia. Sem objetivos na vida, entediado, Brás Cubas encontra Quincas Borbas, um colega de infância, interessando-se pelo "humanitismo" criado por ele, ao mesmo tempo em que vai enlouquecendo e abandonando a amizade. A última tentativa de "dar certo" de Brás Cubas é a conquista da celebridade através da criação de um emplastro (medicamento que amolece com o calor e adere ao corpo) anti-hipocondria (mania de doença), denominado emplastro Brás Cubas. Ao tentar viabilizar esse projeto, Brás Cubas apanha uma chuva, pega peneumonia e falece.

O resumo do livro em uma citação final: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria." Machado de Assis conhecia realmente os meandros na natureza humana. Melhor: a natureza humana, para ele, e para seus mais atentos leitores, era uma segunda natureza, que condicionava a primeira. Impossível de mudar. Uma espécie de fatalidade rotineira à qual os seres humanos, desumanizados por ela, não podem fazer nada para evolucionar. Mutar.

O romance começa com a narração do óbito do autor aos 64 anos. Qual a primeira caracterização que dele aparece?:

O autor diz de si mesmo, caracterizando-se, logo no início do segundo parágrafo, que aos 64 anos era rígido, próspero, solteiro, possuía cerca de trezentos contos de réis e onze amigos.

A caracterização dele no discurso à beira da cova (aonde chovia uma chuvinha miúda, triste e constante), proferido pelo amigo para o qual havia concedido uma herança de vinte apólices, equivalentes a certa quantidade de ações, amigo esse que o definia desta maneira: "Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza, as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado."

No capítulo XIV começa uma retrospectiva de seu passado. A que época remonta? O que aparece aí caracterizado?:

O título do capítulo chama-se "O Primeiro Beijo" remonta a seus dezessete anos quando a primeira penugem do rosto, no dizer do autor, "forcejava por trazer a bigode". Ele caracterizou a própria aparência desta forma: "Os olhos vivos e resolutos eram a minha feição verdadeiramente máscula. Como ostentasse certa arrogância, não se distinguia bem se era uma criança com fumos de homem, se um homem com ares de menino. Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com eles nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes, e, por compaixão, o transportou para seus livros."

Como era Marcela, e o que nela atraiu o narrador?

Marcela foi a mulher que primeiro o cativou. Era espanhola, chamavam-na, os demais rapazes, a "linda Marcela". Segundo o autor, ela merecia a adjetivação. Era filha de um hortelão das Astúrias, região campestre espanhola. O que mais o atraía nela era sua aparência: "Marcela não possuía a inocência rústica, e mal chegava a entender a moral do código. Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo, que não lhe permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente e amiga de dinheiro e de rapazes."

O que significa "lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo"?

Apressa a, alvoroçada, brejeira, que para conseguir alguma vantagem, não hesitaria em agir como uma pessoa que não tinha remorsos, delicadeza de caráter ou senso moral. A exemplo de quanto ofereceu-lhe um colar com pequenos diamantes. Ele perguntou:

- Vens comigo?

Marcela refletiu um instante. Não gostei da expressão com que passeava os olhos de mim para a parede, e da parede para a jóia; mas toda a má impressão se desvaneceu quando ela me respondeu resolutamente:

— Vou.

A expressão "um pouco tolhida pela austeridade do tempo", quer dizer: As marcas do tempo, da idade, já se faziam aparecer em sua compleição física.

O que o autor quis dizer com a frase: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis"?

A significação da declaração parece óbvia: Enquanto ele tivesse na posse de bens materiais e financeiros, de seus onze contos de réis, ela manteria a disposição de "amá-lo", entre aspas. Fazia justiça a seu jeito interesseiro, de mulher que gostava de "estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes que a podiam comprar".

Quando o pai força o narrador a ir para a Europa, a fim de largar a moça e estudar, o que faz Brás Cubas?

Brás Cubas chama Marcela para ir com ele. E, após presenteá-la com o colar, ela aceita seguir viagem com o personagem a quem o pai vai mandar cursar numa universidade na Europa. Talvez Coimbra.

Como pode ser interpretado o final do texto, em que Brás Cubas agradece a Marcela de joelhos?

Ele, Brás Cubas, agradeceu a companhia da Marcela que ele conhecia, a Marcela dos primeiros dias, interesseira, amante de dinheiro e de folias. Desta forma vingava-se também do pai, que queria mandá-lo estudar numa universidade européia, no intuito, também, de afastá-lo da influência de Marcela.

Qual a lição que se pode tirar destes textos transcritos?

A lição de que um jovem bem nascido, com um pai rico, pode facilmente ser levado a condutas levianas de dissipação do dinheiro familiar, e criar uma série de comportamentos impulsivos, próprios da juventude, que o conduzem a conduta pessoal e social de dissipação niilista dos recursos paternos, comprando com os mesmos os favores carnais de uma mulher que se entrega fácil de maneira pulsional, aos amantes que lhe proporcionem a posse de jóias e de uma vida fácil.

Como diriam tantos autores, ao longo dos séculos: "Varium et mutabile semper femina" ("A raça pouco segura das mulheres"). Frase célebre, citada em latim e em grego por Virgílio, Eurípedes, Victor Hugo, Tasso, na ária do Rigoletto de Verdi, entre outros.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 21/04/2010
Alterado em 09/07/2010


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