Textos

Mulher Necrópole (Sepulcro Caiado)
Ela queria fazer comigo
O que seus amantes necrófagos
Que dela se alimentavam
Sempre fizeram com ela
Sentimentos e emoções cooptados
Personagem de si mesma
Vítima dos seqüestros. Os
Comedores aflitos de cadáveres
Há muito possuíam seu corpo
Como lobos abandonavam restos.

Desejava viver através de mim
Seus delírios de cadela
A polissemia globalizada
Das mil vidas macabras
Que perpassavam o corpo dela.

Ela, como num filme de terror
Possessa, desejava vampirizar
Minha alma meu calor
Fazer de mim um aborto
Saído de sua libido podre
Nivelar-me aos ossos frios de seus mortos
No freezer maquiado de seu corpo morto.

Queria porque queria
Que eu seguisse seus passos
Ela que adorava ter e poder
Entregar o sepulcro de seu corpo
A quem lhe fizesse uma presença
De coca, e mergulhasse sua cabeça
Ocra na ansiedade por devorar-se.

Dar-se-ia a qualquer cachaça
O nariz inchado de cheirar
A boca aberta num sorriso largo
Orgulhosos dentes à mostra
Comissão de frente
Do sofrimento (atroz) camuflado.

Cansei de dizer "pare com isso"
"Caia na real". "Desperte desse pesadelo"
Mas pensar não mais fazia parte dela
Fanática como uma cadela, seguia
Cega, inquieta, insepulta, no cio.
Arrastando correntes, mãos ávidas
Carentes, levantavam suas saias
Em cada quarto de "psyco motel"
Trilhava caminhos percorridos
Reforçava a rosa artificial de fogo
Como criança que nunca comeu mel
Lambuzava-se com o pó insepulto
De cada fantasma à cata das últimas
Migalhas de porra no espelhinho
Do "psyco" bordel a cheirar
Os sete pecados capitais
Oito, nove, dez, que diferença faz?

Para ela valia quem lhe doasse
Uma carreirinha. Fosse quem fosse
Cheirava e ia para a rinha
Animal abatido pela insensatez
Abria todo dia mais
O vinco de sua fera ferida
E eu perdia tempo
Fazendo de conta que isso
Era o fim de uma fase
Ruim, passageira de sua vida
Não era.

Nela não havia espaço mínimo
Que mudasse essa triste sina e cena
Em direção à ressurreição
À vida nova de uma mulher da vida
Que se negava reviver Madalena
Até que desisti de seu abraço
E de seu corpo. Nela não mais havia
Coração. Pulsava mas estava morto.

A inutilidade de suas expectativas
Gostaria de bater todos os recordes
De uma vida de dissipação
O ideal de casar com um político
Disposto a vencer o campeonato
Nacional da corrupção.

Possessa, arfante, queima e arde
Sem parar um segundo sequer
De queimar no fogo vil dessa miséria
Covarde. Desumana: Justine, Madeleine
Simone, Madame LeClerc, Juliette
Personagem atualizada de Sade
Nunca ninguém lhe ensinou outra coisa
Que não fosse o saciar-se horrendo
De todos os recalques da sexualidade
Reprimida dos cadáveres antepassados
Personagem atualizada dos Escritos
Da Bastilha do Marquês de Sade
Ela vivia por eles, em função
Da repetição do que viveram.

Tirava deles a energia telúrica. Mórbida
Energizava-se no culto às sepulturas
Das beatas antigas, suas tias
Seus tios avôs, primos, parentes,
Irmãs gêmeas de gerações ausentes
Tão passadas. Mas que ela rememorava
Vivendo suas vidas sepultas em seu corpo
Estranho culto de invocar-se
Cavalo de seus cadáveres.

Como me afastar dela sem magoá-la?
Dela, vivessência da própria mágoa?

Como dizer a ela que estava morta
A supostamente viver a libido insaciável
Desses corpos descarnados? Como pedir
A ela para parar de cadastrar o desejo sexual
Invisível do coito insepulto de seus mortos ?

Certa vez, após terminar com ela
Acompanhei seus passos
Caminhei e corri atrás dela
Para que não se sentisse abandonada
Para dizer que ela fizesse uma autocrítica
Que considerasse a possibilidade de
Auto-estimar-se. Mas ela tinha ouvidos
Apenas para os murmúrios tumulares
Dos seres ávidos em usá-la para suas
Bacanais recalcadas em vidas passadas

Agora, como um fantasma risonho
Seu olho cego vagueia procurando por mim
Deseja sair do sepulcro de seu corpo
Em busca de ar, em busca de um sim

Seu olho cego passeia procurando por mim
Na busca inútil de um afago que nunca virá
De mim. Eu desejava apenas dividir com ela
O fazer valer a poesia que houve nela
Há muito! Em vidas passadas
Às quais não tem acesso
A íris cega vagueia inutilmente
Ansiosa por mim.
DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 17/04/2010


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